quarta-feira, julho 28, 2010

_mágica

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O mundo está em ordem -- nessa desordem natural que parece nunca ter fim -- os dias de caos e trânsito, as noites de sons assustadores, os humanos correndo de um lado para o outro como se soubessem onde vão. As guerras e a indústria de armas, os líderes criando mentiras escabrosas para justificá-las, o vizinho do terceiro andar chegando tarde, nas pontas dos pés, com cheiro de perfume barato; a moça da floricultura que escreve cartões que sonha receber, a menina dormindo sobre o papelão que sonha com um cobertor, com uma casa, com uma mãe...
Tudo parece feio. Tudo parece sujo. A solidão das pessoas é latejante e eu tropeço nela a toda hora como se fosse um sapato jogado no meio da casa. Meus amigos procuram alguém. Minhas amigas procuram alguém. As pessoas se desencontram todo o tempo...se procuram tanto que não se enxergam, se olham mas não se vêem. A lista de exigências para o parceiro perfeito parece vir impressa num manual mais pesado que o mundo. São regras novas. São regras burras. É um medo de amar, de se entregar, de mergulhar em um lago seco...E os lagos secam mais, quanto mais se criam regras, como a roda da fortuna girando ao contrário, condenando a humanidade a andar sozinha, triste, testa franzida, roupa provocante, travesseiro encharcado de lágrimas. 
Creia, há mais travesseiros sujos de rimmel hoje do que jamais antes na história das máquinas de lavar que nunca param de bater. Há mais lençois sujos de sexo do que de amor secando nas lavanderias dos hotéis. Nem mesmo nos bordéis a falta de esperança foi tão enormemente arrasadora. E o mundo segue em seu caos de solidão: solidão acompanhada, solidão na fila do caixa, mesmo quando alguém se aproxima e toca sem querer o braço da moça que chorou sábado à noite, ou segunda cedo, quando viu que o moço não ligaria e ela não o veria outra vez.
É triste assistir a isso quando não se é sozinha. Será que os outros percebem? Será que a dor dessa tristeza dói nos olhos de quem passa correndo pelo homem no ponto de ônibus, que vai até o ponto final, onde fica o seu quarto de pensão de paredes encardidas, pintadas com tinta óleo verde, e o porta-retratos com foto dos filhos que ele não vai mais ver?
Será que a mulher que ri alto esmagada entre os passageiros não ve que talvez ele precise da alegria dela?
Não sei. Só sei que quando, no meio do dia, eu escuto a voz que eu gosto e ela me diz três palavras pequenas, minúsculas, quase nada...toda a dor do mundo me deixa, eu esqueço que a roda da fortuna girou ao contrário, esqueço a menina e o papelão, as fronhas e as lavanderias, as regras, o rimmel, as amigas solitárias, esqueço o sangue derramado do soldado que queria voltar para casa. 
"Vem cá, vem?" -- e tudo o que sou se revela num sorriso imenso, que se dividido em pequenas partes, seria capaz de curar a solidão do planeta.

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3 comentários:

Anônimo disse...

Ai... meloso mesmo...
Mas sempre intenso...
Beijão
Edilene

(estou de poucas palavras hj)

Marcos Freitas disse...

adoro! (e vem bem a calhar! hehehe)

(e como é mesmo a regra para 'share this post'?
dou o credito e ponho link pro original, é iiisso?)

bjs
m.

Pedro Rocha disse...

A sua visão das coisas só é perfeita porque você sabe como traduzí-la. É impressionante como ler seus textos faz a gente engolir seco.

Beijos