terça-feira, março 27, 2018

_sobre ser eu


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Fui criada como pessoa branca, hétero, em escola particular, etc, o que me faz parte da “elite” do país, gostando ou não. 
Num determinado momento da vida precisei rever meus valores e princípios, vigiar meu pensamento e minhas palavras, para parar de reproduzir ideias que não eram de fato minhas, pensamentos incutidos pelo meio, machismos e preconceitos que são inseridos na vida da gente ao nascer, como se fosse um chip que da play assim que a gente - branco, hétero, com acesso à escola e proteína - nasce.
Precisei resetar tudo e começar de novo, e aconteceu depois de escalar degraus suficientes para me tornar realmente elite. Porque enquanto eu fui classe média baixa sem um pila no bolso, parecia que não era feio fazer pouco do outro - tão parecido comigo - sem perceber.
Na infância, eu era a pobretona da classe, morava meio mal, só ganhava roupa nova no Natal, dividia o quarto, o pacote de absorvente, o guarda-roupas e o banheiro com o resto da família. Não era convidada pras festas e eventos das colegas de colégio mas nada disso era importante pra mim ou, sendo bem cruel comigo mesma, parece que não dói se você acha que, mesmo sendo inferiorizada, você nasceu superior a mais alguém.
Meu primeiro trabalho veio na oitava série. Fui alfabetizar crianças numa escola que o meu colégio mantinha numa comunidade (nos anos 70, o nome era FAVELA mesmo). Lá eu tive o primeiro contato com gente que levava uma vida miserável. Mas a gente ainda achava que eles eram assim meio que por opção, a gente ainda olhava pra eles como inferiores, a gente ainda não se dava conta do porquê da miséria. A gente ainda acusava a mãe das crianças de "fazer um filho com cada pai" e "ter um monstrinho de cada cor". A gente ainda ensinava regras de higiene para as crianças, com a superioridade de quem treina chimpanzés, como se eles não comprassem escova de dentes por opção ou não "quisessem" tomar banho com sabonete. A gente raspava as cabeças das crianças nas epidemias de piolho, como num navio negreiro. A gente achava que a família "atrapalhava" o desenvolvimento civilizatório das crianças. Nós não passávamos de crianças também, mas éramos sinhazinhas. Fazíamos caridade, sim, mas com o olhar do colonizador. Quando eu penso nisso hoje, imagino a cara dos índios olhando para os portugueses, enquanto eles extirpavam a cultura milenar das tribos, alegando necessidade de higiene, civilização e conhecimento. Falando assim parece feio ne? Porque é.

Ao mesmo tempo que fazíamos um trabalho realmente incrível, nossa origem branca colonizadora gritava muito alto. Mesmo a minha origem - pobretona, penetra na festa do clube com roupa do ano passado, vinda de uma família sem pedigree que teve origem, de um lado no filho de um padre, do outro lado no bastardo do barão, passando pela menina que se casou com um homem na Espanha e com outro no Brasil e ninguém ficou sabendo. Mesmo com essa origem moralmente questionável para os padrões católicos, a minha era só uma família católica, branca, brasileira, trabalhadora. Muito trabalhadora. Mas foi no seio da família que eu escutei que os moradores da Cidade de Deus iam plantar maconha no vaso sanitário, porque não sabiam pra que ele servia. Foi dentro de casa que ouvi que mulato é preguiçoso porque “a mistura não da certo”, e vamos dormir porque “amanhã é dia de branco”, como se preto não trabalhasse de verdade. Foi na escola católica que eu vi meninas cochichando como princesinhas sobre as alunas bolsistas, filhas da faxineira ou órfãs: "ela é pobre! nossa coitada!" e mantendo distância profilática.
A Escola se esforçava, mas era uma escola de elite e você mostra o mundo, mas só quem tem olhos enxerga. Foi nessa mesma escola que eu tive que decorar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprendi sobre o holocausto, aprendi que liberdade religiosa é um direito, vi a minha irmã bem branca desfilar na rua vestida de Orixá num 7 de Setembro, conheci um padre hippie e comunista, aprendi a história de Israel e de Zumbi dos Palmares, convivi com freiras modernas e revolucionárias que tentavam nos incutir alguma desobediência civil, em plena ditadura militar. Conheci a história da arte e da civilização, entendi que a arte é livre e incensurável e retrata as mazelas de seu tempo, entendi que o mundo é maior do que a minha realidade e aprendi que o planeta precisa muito, mas muito de justiça social.
Dessa mesma escola saíram pessoas lindas e humanas que eu trago comigo, e outras que eu precisei bloquear nas redes sociais, tamanho o fascismo que vomitam todos os dias em posts e notícias falsas.
Mesmo tendo essa formação incrível, cresci numa cidade preconceituosa e rude, repetindo grande parte de seus discursos horríveis, como já demonstrei ali em cima. Digo e repito que falamos e fazemos coisas horrorosas, por hábito. Por ter ouvido. Por deduzir que é o certo já que nascemos sabendo. E mesmo tendo acesso à verdade, continuamos, pois somos frutos de toda uma rede de pensamentos. É esse hábito que faz com que as pessoas reclamem que o aeroporto parece uma rodoviária porque a classe C invadiu. É esse hábito que faz você atravessar a rua quando um jovem negro vem andando na sua calçada. É esse hábito que faz olhar estranho para a mulher de classe baixa ao seu lado no mestrado. Olhar estranho não é olhar feio; é olhar com aquela mesma admiração bobinha que você olha pra criancinha que tenta levantar no berço, assumindo a sua superioridade por andar sobre duas pernas há anos...
Estes anos metafóricos, - justamente esses anos de caminhada - foram tirados dos negros, dos índios, são tirados dos LGBT, das mães solteiras, dos miseráveis e das mulheres. Eu sou mulher e reconheço que reproduzi muito machismo pela vida a fora. Falei que era feminina e não feminista (céus!), escrevi criticando mulheres que “dançam até o chão feito putas e depois não querem ser estupradas na saída  da balada”. Briguei para minha filha sentar como mocinha, não falar palavrão porque fica feio numa mulher, disse pra ela que mulher bêbada é bagaceiro, disse que ela tem que se valorizar para não parecer moça fácil (logo eu, incapaz de ser difícil), e outras bobagens sem fim.

Hoje eu sei, mas pra saber tive que rever. E dói. Dói porque o espelho reflete uma imagem feia e ninguém gosta de se ver assim. É fácil apontar o dedo, difícil é se reconhecer vaidosa e injusta.
Hoje eu sei a verdadeira história do Brasil e de todas as colônias mundo. Sei como funciona. Sei como o colonizador arranca a alma, a língua e a religião do nativo. Sei do negro no Brasil. Hoje eu reconheço racismo em frases que eu já disse, em nome de sobremesa, em ditados populares, em olhares de conhecidos e na maneira de muita gente tratar os funcionários. Hoje eu sei que rir do sotaque de alguém é dizer que eu sou melhor do que ele. Hoje eu sei que a “ameaça comunista” é só o inimigo eleito para justificar desmandos e fascismo, e que toda guerra por liberdade é unicamente comercial - geralmente petróleo - porque o patrão não se importa com a sua liberdade. Hoje eu sei que o medo vive debaixo da cama de pessoas que eu aprendi a amar desde que nasci, porque elas são ignorantes. É medo de perder privilégios e ter que experimentar a chibata que nunca estalou nas costas de um dos seus. Como se o oprimido fosse o verdadeiro inimigo e tivesse sede de vingança. Hoje eu sei que lutei do lado do colonizador e nunca pedi perdão aos atingidos, e que por muito tempo preferi o que vem de fora à cultura que deveria ter formado a minha personalidade. 
Já vivi mais de metade da minha vida e quero chegar ao final dela sendo mais justa, mais fraterna, mais humana e mais coerente. Hoje, as bandeiras que eu levanto pesam menos sobre os meus ombros, porque são autênticas e me pertencem. Tenho orgulho da pessoa que me tornei, e quando olho em volta e vejo meus pares, meu sorriso cresce do tamanho do planeta inteiro, porque era esse o espelho que me faltava.

O que precisa mudar urgentemente é o olhar de superioridade equivocado das pessoas, porque não há superioridade em nenhum departamento da vida. É um engano. Há que se acostumar com a igualdade. Prezar por ela. Há que se olhar para dentro, porque o inimigo mora na alma e é dentro que se transforma o mundo.

Era isso.

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quarta-feira, fevereiro 11, 2015

_ kissing a stranger

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no, it wouldn’t knock you out -- at least not immediately.
it’s more like a slow-motion-near-death-experience.
not that you can die from it, or a film is going to pass before your eyes, or a tunnel of light, no.
it’s like a thousand frames per second: everything around happens so slowly, and lingers for so long, it would make a matrix bullet effect look like a black & white silent movie scene.

it’s no one you know, no one you dreamed of.
it’s this unknown smell, this unfamiliar breath.  
a stranger. 
the stranger. 
and so are you:
pandora box in disguise.
you never know…

your heart pounds like never before.
all your system warns you that the enemy is too close:
the alarm sounds, screaming, all over your body, but you just can’t move.
you want. you can’t.
it’s not that you’re afraid.
you’re mesmerized and freaking out.
enchanted and willing to escape.
it’s fascinatingly uncomfortable.
close to lysergic, almost hallucinogen.

stop thinking. 
just close your eyes, will you?

that’s when tongs get to the scene and do not speak.
there’s no use for words where there’s a perfect syntax.
for tongs that touch sing psychedelic lullabies and, 
THAT my dear, 
is eloquence.



sábado, janeiro 24, 2015

_ dança das lembranças


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o medo era tão grande quanto  o desejo. 
eu me lembro.
era um querer diário pelas escadas e corredores, 
um inspirar profundo do teu perfume, 
das tuas palavras, 
da dança dos teus passos.

era, sim, uma dança perfeita: meus olhos dançando nos trejeitos do teu falar.
um pas des deux secreto, que eu coreografava sorrindo, sem saberes.

e o medo que me flagrassem neste delito de te desejar.

hoje vens, disfarçado de poeta e me fazes descobrir que ainda quero tanto
e temo tanto
ou ainda mais.

é nas tuas palavras que me afogo. 
elas parecem mais fortes agora do que quando me assombravam. 
agora elas rabiscam o papel, carregadas do que não existia: 
um carinho antigo, uma vontade histórica, um beijo fossil – escondido entre as sombras do tempo.
eu me deleito no que teria sido, no que poderia ser,  no que seria 

se fosse…

meu balet secreto é agora uma orquestra inteira de notas complexas, tocando frenética para um milhão de bailarinos, que desenham com piruetas sem fim, uma tapeçaria de tramas mágicas.
é o tear do tempo. 
a música do sempre. 
a dança das lembranças.


*texto antigo para um poeta antigo

quinta-feira, dezembro 04, 2014

_desejos

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Fui dormir às três da manhã.
Jurava que dormiria até as dez...pedi por isso, precisava disso.
Mas não aconteceu. Eram quase sete quando abri os olhos e precisei salvar em algum lugar um pensamento: os desejos de uma vida, a alguém que acaba de nascer.
O pensamento apenas me veio. Talvez para a Aurora, porque desejo uma vida intensa para ela...porque é assim que é bom viver. Ou Emily e Hayley, que também merecem tudo de mais apaixonante no universo.
De qualquer forma, este deveria ser o nosso desejo para qualquer vida que comece.
E era assim:

Que seu diário tenha eventuais manchas de lágrimas e algumas gotas de sangue. Que haja nele coraçōes pintados de carmim e negro, alguns partidos, outros impiedosamente flexados. Que as músicas nele guardadas sejam belas, mas tristes, e falem de dor e amor eterno. E que as fotos estejam amassadas de raiva...e beijadas de paixão.
Desejo dias intensos, anos realmente novos, recomeços e amores.
Pedras estrategicamente colocadas no caminho, e cachoeiras refrescantes.
Jardins, muitos...dos selvagens, com portões trancados e muros para pular.
E amoras silvestres, colhidas com picadas de abelha seguidas de beijos curativos.
Que sua vida seja escrita com a narrativa de um romance bom, e mereça, acima de tudo, ser chamada de biografia.



segunda-feira, novembro 24, 2014

quarta-feira, novembro 19, 2014

_ in the bunker

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Era quase verão no hemisfério sul, mas onde ela estava era impossível perceber as estações pelo cheiro, a não ser a primavera. Esta, ela sentiria até do fundo de um bunker, mesmo que o mundo tivesse acabado há décadas. De algum jeito, setembro traria a paixão e ela saberia. Paixão por qualquer coisa: uma saudade, uma vontade de escrever, uma mania nova. Sempre assim, ano sim ano não, até o ano do fim. E foi no ano do fim que o universo dela se fechou.
Pensando bem, agora sim ela vivia no fundo daquele bunker... Lacrada, vendo a paisagem por um telescópio, deixando de sonhar com flores porque elas não existiam. Não era ruim....Era confortável, era seguro, era feliz, mas não havia mais setembros nem primaveras. Anos e anos sem música e sem uma única folha de papel escrita.
Nem uma palavra. Nem um perfume. Nenhum setembro.

Numa manhã igual às outras, o cheiro no bunker mudou.
Jasmin?
Não. Era uma mistura de novembro e whisky, com um pouco de blues...
O bunker inteiro estremeceu quando ela quis abrir aquela porta selada há tantos anos.

E bastou um sim.
Será pra sempre, ou até quarta-feira?
Que seja até um dia que ninguém vai contar, desde que haja música e páginas escritas.


sexta-feira, julho 26, 2013

...rancor adolescente


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Lá no meio ou no fim dos anos 70, minha turma do Colégio costumava fazer um jantar por mês, geralmente temático, porque...sei lá porque. Era cada vez na casa de uma de nós.
Tínhamos 16 anos em média, éramos não mais do que 19 meninas de uma turma engraçada. Não éramos desunidas, mas havia uma certa divisão na sala.
Tinha as não-virgens (não...a gente não as chamava assim) que eram as meninas que namoravam há anos com caras mais velhos do que nós, algumas até usavam aliança. Eram todas super mais bonitas, hiper cool e, de longe, muito mais interessantes do que as outras, simplesmente porque tinham mais assunto e mais histórias pra contar.
Tinha as CDF, que como no resto do universo,  eram menos bonitas, mais quietas, mais descabeladas. Mais tarde essa diferença deixou de existir, porque ninguém consegue fazer a linha meu-cabelo-é-feio-mas-sou-inteligente a vida inteira. Algumas delas se tornaram mulhers bem bonitas.
Tinha as superamigas: meninas que estudaram juntas desde o jardim, vieram da turma da tarde e não se separavam para nada. Eu passei três anos inteiros me sentindo uma outsider perto delas.
E tinha “nós”. Nós éramos as que não viajavam nas férias, não eram convidadas para as festas de 15 anos, não frequentavam a casa das outras a não ser que tivessem trabalho em grupo pra fazer, ficavam sabendo das festas do final de semana só na segunda, pelos comentários. Nós não éramos importantes. Apenas estávamos lá.

A diferença básica entre eu e a maioria das meninas da minha sala, numa escola de elite, é que elas faziam parte desta elite, enquanto eu era bem quebrada. Nessa época eu morava num apartamento/sobrado perto da Escola e meus pais estavam tentando se reerguer de um daqueles golpes do destino que levam embora todos os centavos que você pensava que tivesse. Até hoje eu não sei direito se os 4 filhos da minha mãe eram bolsistas, ou se meu pai vendia a alma para a diretora da Escola uma vez por ano. Provavelmente a segunda hipótese.
Então um desses jantares foi na minha casa. Eu lembro que o tema era “jantar brega”. Lembro de procurar a toalha de mesa mais estampada, flores de plástico para um arranjo, e a roupa mais esdrúxula.  Lembro de pensar num cardápio igualmente brega. Me preparei para tudo. Quase tudo. Tudo menos o olhar de reprovação de duas das minhas “amigas”. 
Lembro de querer ser surda pra não escutar os comentários maldosos que elas não se preocuparam em esconder. Lembro de querer não ver as duas andando pela minha casa e comentando as cortinas, os móveis, a louça, até os talheres de servir. Lembro de sentarem na minha cama (eu dormia com minhas duas irmãs) e uma delas passar a mão na colcha cor-de-rosa-medonha (ou era azul-medonha?) e olhar para a outra com um sorrisinho malvadão. Talvez tenha sido a coisa mais rude que eu vivi. 
Mas eu sempre fui desligada. Sempre fui tranquila. Nunca achei grandes diferenças entre o meu apartamento humilde e algumas das mansões em que minhas amigas bonitas moravam. Era meio que uma regra: as bonitas eram legais e muito ricas. As outras apenas moravam bem. Mas eu nunca quis a casa de nenhuma delas, ou estilo de vida, nem o guarda-roupa. -- Quis o intercâmbio...mas também quis assim tipo “nossa que legal seria”,  nunca passou disso. Não ter, jamais foi um problema pra mim. Não ser sim...isso seria um golpe terrível bem no meio do coração dos meus pais, e me faria tremendamente infeliz. Ser, eu sempre fui.
E acho que foi por isso que me chocou a atitude das duas. Por eu não entender que diferença tão enorme elas viram. O que era tão absurdo na casa de uma família trabalhadora e digna, que as fez rir tanto? O que era tão fora do comum na casa de uma família unida, que causou nojinho a elas?
Eu não fiquei triste. Eu não me senti humilhada. Mas esta foi a primeira vez que eu achei que o mundo talvez não fosse um lugar muito amigável. Foi a primeira vez que eu vi que alguns humanos nasceram cruéis e pequenos. E tive pena. Delas. Torci para que os pais delas nunca ficassem sem dinheiro, porque talvez elas não soubessem mais viver. Talvez elas sofressem demais, e talvez não conseguissem ver o mundo com os meus olhos, como um alívio. Seria cruel.

Aí os anos passaram, a vida passou, a tecnologia evoluiu, e chegou o Facebook. Ah Facebook! Não faz assim comigo! Adivinha quem veio me adicionar como amiga?
Sim, senhoras e senhores...pois é.
E foi aí que eu descobri uma coisa horrível sobre mim mesma: eu não sou legal. Não consigo ser legal. Não tem como eu clicar “aceitar”. Não tem como eu achar normal que 30 e sei lá quantos anos depois eu não tenha esquecido essa história, mas também não dá pra acreditar que elas tenham. Aí eu simplesmente não quero que elas participem da minha vida. Passaram todos esses anos vivendo sem mim e eu sem elas, certo? Pra que mudar isso agora? Eu seria bacana se desse a elas a chance de mostrar que se tornaram mulheres melhores. Eu seria generosa se as deixasse entrar na minha vida pra conferir as cortinas da minha casa nova. Talvez.
Mas eu não sou legal, bacaninha, generosa...é tudo mentira. Eu guardo rancor. Esse, pelo menos, parece estar bem guardado.
Desculpa mundo. Não dá pra ser uma linda o tempo todo. It’s beyond my control.


**não precisa me dizer pra não dar bola pra isso, não precisa me dizer que eu sou melhor que elas, não precisa...não precisa. Obrigada

quarta-feira, dezembro 12, 2012

_chatice



Oi você.
Eu fiquei pensando se deveria ou não dizer isso, mas talvez seja muito injusto deixar você descobrir sozinho. Vou tentar ser suave, não machucar, não amedrontar, mas não garanto nada.
Vamos lá.
É que crescer dói.
É...logo eu ! Logo eu com a minha teoria de que a infância é a pior fase da vida. Pois é. Mas é verdade: crescer também é chato.
Não! Não é que a vida seja chata. A vida é muito boa! Muito! Mas ela tem coisas, rapaz...tem coisas que eu queria poder pular.

Uma das coisas mais chatas de crescer é o trabalho. Claro que não chato CHATO, mas é chato às vezes. É bom se você ama o que faz, mas mesmo amando muito, vai ter que encarar gente que não é legal. Tem os legais...tem sim, mas não existe um lugar no mundo onde todos sejam legais. No trabalho, você pode querer fazer só o que combina com os seus valores e convicções. Pode. Mas às vezes vem a tentação de se desviar um pouco, por uma proposta financeira irrecusável. Aí você começa a não dormir tão bem, porque abriu mão dos seus princípios por dinheiro e isso se parece muito com corrupção.  Aí você arruma uma desculpa pra você mesmo: “tivemos que ampliar nosso campo de ação para sobreviver num mercado competitivo.” Balela. Você quis a grana! Ela falou mais alto! Você é agora um adulto. Um adulto como os outros. Chato isso. Muito chato.
E depois disso o dinheiro começa a ser seu amigo, comprar as coisas que você sempre quis, encher a sua vida de presentes. Ou não...ele não basta para as coisas que você sempre quis, e faz com que você se esforce mais, trabalhe mais, seja mais competitivo, use palavras horríveis como “empreendedorismo” e “agregar valor”, e se torne escravo do dinheiro, e desprezível aos olhos de quem você era antes -- embora bem vestido. Complicado, mas você tenta com todas as forças criar seus filhos de acordo com aqueles valores que você trancou numa gaveta no fundo do armário, e agora estão mofados e manchados de poeira.

Tem muita coisa boa na vida sim, mas tem as contas. As contas são ok quando você tem dinheiro pra elas. São ok também quando são poucas. Mas elas enchem o saco em três casos:
. quando o dinheiro não dá
. quando você queria guardar dinheiro pra outra coisa
. quando você esqueceu de pagar e agora elas valem mais do que todo o tesouro do mundo.
Mas conta não é nada: tem imposto. Imposto é conta com dor. O DARF é um boleto que quer torturar você. É aquele dinheiro injusto que você não pode deixar de pagar senão tiram tudo o que é seu. Você não pode deixar de dar 1/3 do que ganha para que o governo mantenha o país em ordem, mas eles podem usá-lo pra enriquecer políticos corruptos...ninguém vai tirar nada deles. Chatice. Mas a maior chatice dos impostos é que ninguém prepara você para eles. Você não aprende na escola que quando tiver sucesso, vai ter que dividi-lo com o governo. Você até pode sacar isso sozinho, mas nunca vai entender como eles funcionam, nem quantos eles são. Juro. Chatice.

Outra coisa chata da vida é ceder. Meu deus como você vai ter que ceder...
É no trabalho, em casa, no namoro, no casamento, no trânsito, ceder, ceder, ceder! Aí você me diz que se recusa a ceder sempre.  Ta bom. Talvez você ache que outras pessoas não cedem nunca. Não seja bobo! Todo mundo cede muito o tempo todo, e mesmo os mais durões um dia vão amarelar para um filho, um amor, uma mãe. Chatice.

Tem as partidas também. As partidas são o mais duro. Quanto mais velho você fica, mais duras elas são. Tem gente que morre, assim do nada, deixando você sem se chão. Tem gente que vai embora e não volta. Tem gente que vira as costas sem piedade. Tem gente que cresce e parte, porque tem que ser, porque é assim que é, porque faz parte. E dói demais. Bem chato.

Tem o espelho. O espelho é cruel porque ele é inconstante. Por muitos anos ele elogia você,  enche de vaidade, levanta a sua bola. Mas chega um dia que você percebe que ele não acha que você acordou “bonitinho”, nem que o seu corpo é aquilo tudo, nem que o seu cabelo seja um mínimo atraente. Não! Horror!  E depois desse dia, ele passa a apontar seus defeitos diariamente, mostrando sem dó o quanto você era melhor antigamente. Cruel o espelho. Muito cruel. Chatice.

Fora tudo isso, tem as pessoas. O mundo está atrolhado delas, não tem como escapar. O problema com as pessoas é que, apesar de previsíveis, elas não são controláveis. Algumas vão com você do começo ao fim – não sem dar algum trabalho – outras só estarão por perto quando você não precisar. Experimente ter muito dinheiro e depois perder e talvez você tenha que aprender o significado da frase “lots of money, lots of friends”, para depois contar suas pessoas nos dedos. Pessoas não são fáceis, amigo. Algumas vão lhe amar. Outras vão usufruir do que você puder lhes dar. Umas serão a sua família. Outras passarão. Outras serão a sua família e passarão. Acontece. Algumas decepcionam demais, outras são tão previsíveis que nem isso conseguem. Chatice...

E tem os documentos, a burocracia, as leis, as filas nas repartições, o tempo de espera de um simples passaporte ou um visto, pra você poder ir pra onde quer, fazer o que quer. Ou de um papel que comprove que a sua casa é sua, mesmo todo mundo sabendo que você a comprou. Ou os milhares de comprovantes de que você existe, mesmo todo mundo vendo que você está ali, vivo, falando. Chatice!

Crescer é chato. E dói às vezes. A gente cresce e não dá mais pra não fazer a lição de casa e, mesmo assim, se safar. Não dá mais pra morder o doce ruim, e jogar o resto embaixo do sofá da avó. Não dá mais pra fechar a porta do quarto e dormir até tudo passar. E nem adianta chorar. Não dá.
Desculpa, ta? Eu não queria assustar, mas corre! Eu juro! Corre, que crescer é uma armadilha!

Beijo

quarta-feira, outubro 31, 2012

_família, família


As pessoas têm me olhado de olhos esbugalhados e exclamado frases espantadas, talvez por não me conhecer bem...talvez por me conhecer bem demais, e com certeza, por não conseguir entender o que eu sou e como quero viver.
O fato é que o dia de ficar mais velha está chegando. Não...não é meu aniversário. É um daqueles momentos em que você tem de se conformar: você não é mais menina, o tempo passou, agora dá um passinho pra trás e abre caminho para a outra geração.
É isso. Meu filho vai casar.
O fato dele ter quase 30 anos não me fez tão "gente grande" quanto a notícia do casamento. Calma...presta atenção: notícia do casamento = sua família vai formar família. Você pode ser avó. A.V. Ó. Entendeu?
Então...talvez eu devesse fazer charminho e dizer que isso me deprime, mas não. Eu estou louca pra ser avó de uma vez e, nem de longe, isso mudaria a louca aquela que existe em mim. Sorry. Eu continuo envelhecendo (bastante), só por fora.

Nessas horas, a noção de família vem à tona. E o espanto das pessoas também. Sei lá o que elas imaginam que seja uma família. "Meus pais, meus filhos, meus irmãos e sobrinhos"? Não. Família é uma coisa mais ampla. Pelo menos a minha. Todo aquele que toca um dos meus de maneira mais próxima, mais constante, mais presente, é parte da minha família. Foi assim que a família do meu marido se tornou a minha (ou você acha mesmo possível casar com uma pessoa só?). Foi assim que a minha sogra se tornou minha filha, meu sogro virou meu amigo, os sobrinhos deles, e os filhos dos sobrinhos, as esposas dos meus sobrinhos... E dá pra ir mais longe: os primos dos meus primos e seus filhos, e a sogra da minha irmã, as enteadas do meu concunhado e seus maridos... Meus filhos têm amigos que me chamam de mãe. Pelo menos três das minhas amigas são minhas irmãs. E tem também as amigas-filhas. Somos todos uma coisa só, gostem ou não, queiram ou não. E assim a família cresce em progressão geométrica, não na árvore genealógica, mas no coração.

E senhoras e senhores, tem aquela outra parte da família. Aquela que causa o tal espanto que eu contei ali em cima. É o lado de lá: o pai, a madrasta e o irmão do meu filho. História longa essa...uma vida inteira de amizade, mesmo que distante, e ao mesmo tempo totalmente presente. Ela, minha amiga e confidente de adolescência - aquela amiga que promete ser madrinha do seu primeiro filho, sabe? - foi levada de mim pelo tempo, pela vida adulta, por aqueles caminhos que de repente se bifurcam...e se perdeu. Mas quando voltou, voltou no posto prometido. Virou madrinha. Mais do que madrinha, virou mãe-2. Voltou pra dividir comigo o que eu tinha de mais precioso e, sábia como ninguém, mostrou que amizade é sim eterna. Ele manteve-se em sua cadeira cativa, sempre pronto para ajudar, para ser cúmplice, para ser nobre - o que sempre foi e sempre será seu talento maior - dono de toda a nobreza do mundo. Juntos, eles tiveram um filho incrível. Um garoto tão genial quanto o meu (cof cof), tão doce e querido e tão... da família! E como poderia ser diferente? Eles são a família do meu filho, que também a minha, logo somos todos. 
Quando era pequena, minha filha fez um desenho na escola, que mostrava todos nós: os sete. O desenho chocou a professora, que mandou me chamar, mas me deixou feliz: minha filha era uma pessoa de verdade. Porque é assim que é. E se todas as famílias fossem assim, eu garanto, a vida de todo mundo seria mais feliz.

Pois então, quando a minha familia, de todos os lados, já era enorme, lá veio mais um carregamento de gente. Meu filho vai ter sua própria família, que também será a minha...Que venham todos!

Eu acho lindo, sabia? Eu acho que a vida é boa quando se soma, quando ela mesma se multiplica, quando ela é feita de pessoas que sabem que não é preciso contar, mas ser capaz de acumular e dividir o amor que se tem, bem direitinho.

Era isso.


sexta-feira, junho 01, 2012

_enquanto isso na Irlanda




Então havia este lugar verde e cheio de árvores, muitas flores e alguns móveis. Era bucólico como deveria ser um país exuberante em natureza e história.
Numa cadeira de jardim estava ele. Camisa branca, gravata borboleta desamarrada, um sorriso enorme estampado no rosto. Como eu  sabia.
Antes que eu me manifestasse, ele se levantou sorrindo e abriu os braços. Eu ali...
Era tão real e deliciosa aquela visão.
Meu amigo querido...
O abraço mais alegre e eu descubro que as flores eram para o meu casamento.
- Meu casamento? Eu sou casada!

- Você não pode FICAR casada comigo, mas a gente pode se casar só hoje, só pra ser feliz.

E fomos para a cozinha da casa grande ajudar com os doces, e ele cantou e fez graça e me exibiu as pessoas que ele ama, e arrumamos as flores nas mesas.
O lugar cheio de amigos,  num dia inundado de sol e sorrisos.

Foi isso: um casamento para selar essa amizade à distância de tantos anos, para dizer que a gente se tem para sempre, haja o que houver, mesmo que o mundo acabe, ou um de nós.


Sonhos são ingênuos. E felizes.


Imagens: Summertime e Together - By Paddy Higgins 
@hisIrishness

segunda-feira, maio 28, 2012

_saudade de mim


Sinto saudade da minha insanidade.
O tempo passou e com ele veio uma serenidade que deveria ser bem vinda, mas ao contrário, é incômoda. A serenidade trouxe mais tempo. Mais tempo significa que o que eu não fiz hoje posso fazer amanhã, a pressa passou, a ansiedade passou, o turbilhão de idéias borbulhando na cabeça passou.
Isso não é bom.
Deveria ser ao contrário. Eu deveria ter mais pressa agora que a maturidade chegou. De hoje em diante as mudanças são diárias. Meu rosto se modifica, meu corpo se modifica, e o que eu mais temia também acontece: fica mais difícil sonhar acordada.
É como se de repente eu tivesse instalado um plugin que me aprisiona à realidade. E a realidade é gostosa, não se engane. Eu leio, eu cuido do jardim, eu sorrio mais tranquila, eu penso em coisas que antes não pensava. Eu até tenho mais paciência com as pessoas. Mas e a paixão? E os pensamentos desvairados? E a eterna conversa com personagens impossíveis, as histórias de amores inatingíveis? Cadê?
Será que envelhecer é assim? É ficar mais calma, mais feliz, mais tranquila? Se é, deixa eu contar pra vocês que é chato. É muito chato envelhecer.
Morro de saudade de pegar o carro e não saber para onde estava indo, porque na verdade estava viajando por algum mundo distante onde viviam magos e monstros. Saudade de chegar na ponta do pier e ver emergir do oceano o moço de olhos azuis que tentava levar Mônica para o seu mundo.
Saudade de ver Daren tentar conquistar Mariana, Jack se indignar de amor, Nani ficar dividida entre  dois homens perfeitos.
Muita saudade de ser eu.
Será que ao perfurar o solo para os alicerces da minha casa eu criei raízes que nunca mais me deixarão voar? Será que estou enfeitiçada, atada irreversivelmente ao mundo real , condenada a cuidar das contas e do supermercado? Será que nunca mais vou encontrar uma história de amor entre uma caixa de chá e um pote de doce de leite? Será?

Estou pagando meu próprio resgate a quem quer que saiba como sair deste marasmo confortável.

Alguém me dá uma poção desconfortabilizadora de escritoras adormecidas.
Me beija, príncipe. Eu quero acordar.



terça-feira, janeiro 10, 2012

_as gavetas do caixão

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A gente vive num tempo voltado para o dinheiro. Dinheiro este voltado para o conforto - ou essa é a desculpa. Cientistas descobrem maneiras de vivermos mais e melhor. Inventores resolvem problemas básicos como encurtar distâncias, minimizar esforço, diminuir stress. A tecnologia caminha a passos largos para que nossos passos possam ser cada vez menores e mais leves. Menos esforço = mais conforto, como se nossa espécie estivesse cansada já ao nascer. Além do dinheiro comprar conforto - e celulares cada vez mais legais - também compra saúde, ou maneiras de fazê-la perdurar. Às vezes compra relações, mas não há garantia extendida para isso. O dinheiro compra. Fato. Mas e daí? "Caixão não tem gaveta", diria minha avó.

Mas se caixão tivesse gaveta, o que iria dentro dela? Não cabem seus feitos, mas cabem seus sonhos. Não cabem suas conquistas, mas cabem seus amores. Não cabem seus milhões, mas cabe o que você viu neste mundão de meu deus. Não cabem as pessoas...nem a lembrança delas, nem nada. Tudo mentira. Eu sou o tipo de pessoa que para para pensar no que cabe nesta gaveta, acredite. E depois de pensar muito, concluí que é inútil perder o tempo do carpinteiro com a execução de um caixão/cômoda/armarinho, porque no final você não leva nada desta vida. Você DEIXA.

Não vamos nem discutir a existência da vida eterna - teoricamente você tem a eternidade para esta discussão -, não vamos nem querer saber se existe um deus lá em cima anotando os seus pecados, não vamos avaliar se o juiz do juízo final usa toga ou peruca branca ou se o fórum vai estar em recesso quando/se você chegar lá, o fato é que a vida que você leva aqui é a vida que você deixa aqui. Não! Você não deixa filhos, mulher, parentes, obras...você deixa a sua história. Quer julgamento pior do que deixar a história aí para todo mundo ver, e não estar presente para se defender? Ah-ha! agora você entende o "julgamento final"? Você a sete palmos do chão, mãos cruzadas sobre o peito, aquelas flores já murchando e o povo aqui fora analisando os seus feitos e defeitos? E você com medo de Deus...ai ai ai que equívoco!
Os seus segredos mais bem guardados virão à tona. Seus amores platônicos serão revelados. Sua segunda familia aparecerá no velório. Suas caixas de lembranças serão abertas, seus bilhetes serão lidos, suas mazelas serão descobertas...e você lá, impotente.
Aí as pessoas acham que precisam andar direito para que sejam salvas. Salve-se! É você quem salva a sua reputação deixando as pessoas cheias de coisas boas para lembrar sobre você. Se não for capaz destas "coisas boas", seja engraçado, seja diferente, seja inteligente, mas por favor faça alguma coisa para que a sua vida dure mais do que os anos de vida que você teve. Ser esquecido, este sim, talvez seja o inferno. A eternidade pode ser a lágrima que escorre pelo rosto de alguém ao falar de você, o sorriso de admiração ao conhecer uma história sua, um traço de gratidão no olhar de alguém que você ajudou... A vida eterna talvez more nesta lembrança pairada no ar, fazendo seu nome viver por mais tempo, nas histórias contadas nos almoços de domingo, ou nas páginas de um livro de memórias...de alguém outro.

Talvez a salvação - se é que alguém precisa ser salvo - seja só a certeza de uma vida bem vivida.

quinta-feira, novembro 10, 2011

_...

Oi pai,

Já é Novembro. O Natal vai chegando perto e a gente vai tentando dar um jeito de esconder a sua ausência. Imaginando a bagunça, as chegadas, a comida, e pensando o que você gostaria de comer, o que diria para o último a chegar, a que horas declararia abertos os trabalhos e abriria a primeira garrafa...
Eu fico tentando fugir destes encontros com você, como se fosse possível. É pensar em Natal e eu já escuto a mãe brigando porque você está roubando fatias de peru e bagunçando o prato que ela arrumou. Aí eu já quero abrir um pacote gigante de pepino na salmora do mercado municipal, e comer com você.
Lembra do terreno que a gente comprou? Você falou tanto que a gente tinha que morar num lugar nosso. Então...a casa está pronta e a gente já se mudou. É tão linda, pai... qualquer janela que você abra dá para a mata. Os sons são os mais incríveis: grilo, passarinho, sapo (é...claro que tem sapo. Você sabe que eu não vivo sem sapos), um tucano que nos acorda de manhã, e o jardim é incrível. Plantei dois pés de romã pra não esquecer o que você me ensinou: "a fruta não precisa apodrecer por causa de uma semente estragada - como a romã." E plantei pitanga, jaboticaba, lichia, limão, tangerina, um monte de lavanda. Na frente da casa, resedás e cerejeiras, para encher tudo de flor. E a cada árvore que foi plantada eu pensei na sua aprovação. Todos os dias, quando eu abro a porta da varanda com um céu imenso e a mata, e sinto o cheiro da lavanda, não consigo evitar de pensar como você gostaria deste lugar.

É o terceiro Natal sem você. Saudade três vezes maior. Não passa, sabe? Desde que você foi embora eu não fiz muita coisa. É, eu sei, eu construí uma casa e plantei uma dúzia de árvores, mas eu não terminei o meu livro. Não consegui mais escrever. Republiquei textos, escrevi uma bobagem ou outra, mas escrever, escrever MESMO, não. O livro ficou encostado, como se tudo o que eu tinha a dizer tivesse esvaziado. Eu também não quis mais fazer ginástica, nem regime. Eu sei o que você diria disso. "Vai pra terapia, Mercedes. Você precisa superar." Hm...não sei. Até porque no fundo eu sei que usei você como desculpa para esvaziar. Andar tão cheia cansa um pouco (mentira!). Eu acho que apesar de todos os altos e baixos, minha vida foi sempre tão cor-de-rosa - ou eu tão irresposável -, que antes era mais fácil fantasiar e escrever. Depois que você foi embora, ficou tudo tão mais duro e real...
Eu sei...preciso resolver.
Mas fora esse pequeno desvio, estamos todos bem. A vida - apesar de mais real - está boa, todo mundo feliz, e não deixei de cumprir as promessas que fiz pra você. Todas elas.

Então Pai...o Natal vai ser aqui em casa. As duas familias inteiras e juntas. A Dona Marilia, matriarca absoluta, fazendo fios de ovos, os meninos na piscina, as meninas fazendo barulho, todo mundo falando ao mesmo tempo, os acessos de riso de hábito, as histórias engraçadas da infância das quais você faz parte. E a gente vai chorar, claro, a gente chora só de se olhar. Isso nunca mudou. Aí eu fico pensando se não vai faltar o seu sorriso. Mas não vai não Pai, porque na verdade ele sempre está lá quando a gente se reúne. É a sua obra. Porque se tem uma obra que você deixou na vida, foi este amor que a gente sente.

Era isso, Pai. Acho que eu precisava chorar.

Beijo


eu sei que este texto vai afetar demais algumas pessoas. Me desculpem, mas fazia muito tempo que eu precisava fazer isso. 
Só não me telefonem pra falar disso, ta? por favor...porque eu vou chorar no telefone e ninguém vai entender nada do que eu falo. Sorry.

sexta-feira, setembro 23, 2011

_5.0


Dizem que quem nasce nos domingos de sol é vaidoso, alegre, barulhento. Não sei se é verdade. Sei que sou vaidosa sim, que passei 90% desses 50 anos sorrindo e que já fui bem mais barulhenta do que sou hoje. Ultimamente gosto de ficar quieta e às vezes nem estou a fim de conversa. Mas há um barulho intenso dentro de mim, 24 horas por dia, sete dias por semana, desde  sempre. E sol.

Em outros 90% dessa minha vida estive triste. Não triste triste. Triste...triste. Só lá no fundo, numa outra vida imaginária que quase ninguém conhece. Espera...NINGUÉM conhece!
É lá que eu vou buscar poesia quando preciso, porque não é possível escrever feliz. Não pra mim. Existem coisas que escrevo que são de uma tristeza mais profunda do que a profundidade em si, mas nem é verdade, embora seja. Dá pra entender? Provavelmente não. Mas se eu não convivesse com essa dor que não existe, jamais escreveria uma linha. Nem as obscuras nem as felizes. Então não me dê remédio, não me trate, não me mande para a terapia, porque não existe remédio melhor do que ler o que sai de mim, mesmo que eu jogue fora depois. É o meu falar sozinha, é o meu falar com deus. 
É, eu sei...de perto ninguém é normal. Não eu.
75% dos meus dias foram de paixão arrasadora. Ou mais: mais que 75, mais que arrasadora. Me apaixonei pelos outros, por mim, pelas coisas, fui obsessiva, fui maluca, fui inconsequente, assustadora. Fiz coisas talvez codenáveis, se é que é possível condenar o amor em qualquer de suas formas. Se for, sou culpada, aceito, confesso sem a menor vergonha na cara, porque é assim que eu sou 100% do tempo.

32% dos dias de sol eu sorri. 99,9% dos de primavera eu sonhei acordada. 87,2% dos dias de chuva eu chorei.

É quando a tristeza me toma de assalto que minha vida imaginária acontece, e ah! não me faça rir porque eu não quero! Me deixa sofrer por nada. Me deixa descabelar as madeixas e me jogar na cama só hoje...só pra cozinhar essa tristeza boa, porque a vida é chata sem ela, porque ser feliz pode virar rotina e toda rotina torna-se um nada. É preciso enxergar a felicidade, então deixa chover em mim...deixa eu chover no mundo.
Mas a dor em mim dura pouco...eu canso. Passou.
40% dos meus dias eu trabalhei. Meu nome foi trabalho durante quase toda uma vida, até meu nome se tornar família, não por vontade própria, mas por pura birra. Sim...as pessoas que nascem nos domingos de sol são teimosas, odeiam ser contrariadas e conseguem ressurgir das cinzas só pra contrariar de volta. Eu trabalhei 15 horas por dia dos 18 aos 40, - e menos um pouco desde os 13 - porque precisava, porque queria e parei  só pra não dar o braço a torcer. Long story... Mas aí que recomeçar é o que eu sei fazer melhor, em qualquer território. Então por que não? Funcionou.

65% da minha vida profissional foi criar. Criar pelos outros, criar os outros, arrumar a criação dos outros, criar um mercado, criar diretores, criar laços, criar problema (oops)...criar. Criei condições de trabalho onde não existia. Criei pupilos e ensinei até quando não sabia que estava ensinando. E eles cresceram. Cada um deles era um mini-príncipe encantado ou uma princesinha perdida e todos viraram reis e rainhas enquanto eu, rainha mãe, os via crescer orgulhosa. Também criei meus filhos e meu marido  - ele mesmo criado por mim em várias áreas da vida, agora está me criando - e meio que terminei de criar meus pais e meus sogros. Agora sigo criando formas de recriar a minha própria vida.

73% desses anos eu questionei a existência de deus na forma que conhecemos. Questionei a Bíblia, o Torah, todas as versões e traduções dos textos sagrados, fiquei de mau com a igreja e com a humanidade, mas rezei. Aprendi a rezar do meu jeito pra um deus que eu entendi e pra Santa Rita,  Maria Padilha, Iansã e para as forças que aprendi a dominar dentro de mim. Aprendi que o bem e o mau são a mesma mão e a minha é parte disso, como a sua, não importa de que lado você ache que está. Já soube ler tarot, já aprendi kabalah, já dominei os cristais, já purifiquei coisas e pessoas que precisavam, e já esqueci como fazer tudo isso. Já salvei casamentos e aliviei angústias. Fui chamada de bruxa mais vezes do que gostaria, mas a verdade é bem mais simples: aprendi que as palavras têm força. Aí evitei as que não gosto, procurei outras - novas - para proteger os meus de um mundo que pode ser cruel, quando me distraio. Aprendi a confiar no destino e a modificá-lo dentro das minhas limitações - que são muitas quando me sinto fraca, e nenhuma quando estou feliz -. E respeitei a lei do retorno. Aprendi que é aqui e agora que nasce e cresce o que a gente planta. E durante 80% do meu tempo, planto coisas que você nem vê...mas elas crescem.

94% dos dias, fui grata. Grata pelas minhas escolhas, grata pelas minhas pessoas, grata até pelos meus erros.
Entendi que não tem como dar errado quando você faz as coisas por intuição. Segui as reviravoltas do meu estômago, derrubei meus castelos e construi outros, milhares de vezes, porque achava que daria certo e, mesmo não dando, deu...ou eu que sou iludida. Mas fui feliz. Funciona assim: se fui feliz deu certo. End of story.
Não aprendi matemática (talvez você note, pelos percentuais aí em cima) mas entendi a vida. É que quantidade, assim como tempo e espaço, é uma coisa relativa e mutável – na minha matemática.
Que tipo de vida besta soma só 100%?  Tão lógica...tão banal... não serve pra mim.

O exagero, este sim, guarda a totalidade das coisas que eu sinto. Só ele pode definir a minha vida: um exagero de vida, um transbordar de tudo. Esse sem número de acontecimentos que até eu duvido...um eterno “despencar na cabeça” de vida.

É assim que é: 50 anos de vida despencando na cabeça e transbordando em milhares de histórias indescritíveis, quase todos os dias, em todos os planos da vida: no real e no imaginário. Ou eu, que sou irresponsável, entendo assim.

Em resumo...schlevers por cento da minha vida eu fui feliz, mesmo quando não fui.

Tem sido bom demais.

E faz sol.


Amanhã, 24 de Setembro de 2011, eu faço 50 anos. And inside, I'm dancing.