quinta-feira, junho 28, 2007

A Outra História.


Já fazia tanto tempo que não se ouvia seu nome...
Desde que tudo mudou e pareceu tão obscuro. Do dia para a noite, tudo o que foi tão lindo pareceu ter desintegrado nas garras do tempo. Um dia, depois outro, depois as lembranças foram ficando escassas… E ela sabia que chegou a esse ponto por culpa dele. Sempre com tanto medo de se machucar. Sempre repetindo a mesma pergunta a cada encontro: “você vai ficar?”
Não...ela não ia ficar, e nem voltaria enquanto ele não usasse todas as letras para dizer, letra por letra, o que ela queria ouvir: “Não vai. Fica comigo.”
Ela tinha sempre essa impressão de que ele não queria. Mas ele também não entendia por que ela nunca ligou, por que ela nunca disse nada? Mas ela disse: ela escreveu, todos os dias, histórias sobre reis em reinos distantes, amados por suas rainhas como ninguém antes. Ela contou sua história mais vezes do que ele poderia ler. E ele não entendeu.

Houve um tempo em que ela não podia evitar que ele fosse seu primeiro pensamento do dia e último da noite. Ele estava em todo lugar, toda refeição, todo filme, todo livro. Mesmo que tão distante, sua ausência era uma presença palpável.
A vida passou. Os anos se foram. E assim, com seus nomes esquecidos em algum lugar já passado, os dois mantinham um ao outro guardados num canto qualquer da memória. Era nome para lembrar às vezes quando o céu estava vermelho, no fim da tarde. Era história para lembrar quando o fluido escorria pela esponja do Zippo deixando a mão oleosa, e ainda se lia algumas palavras que não descascaram. Era coisa pra se lembrar em dia de lua cheia, sozinha na praia, sozinha no escuro, sozinha...Só uma lembrança.

Mas ela voltava. Era sempre ela quem voltava. Voltava sempre muitos anos depois, enquanto ainda existia o tempo. Ele precisava do tempo e ela o presenteava com ele...mas o tempo se foi sem aviso.

Os cabelos prateados lhe caíam no rosto naquela manhã gelada, enquanto esquentava as mãos na caneca de café e abria o programa no computador para escrever. Em dias assim, os dedos doem se não forem aquecidos antes de digitar. O frio congela o peito dos pés. O frio congela as costas das mãos, fazendo sentir cada tendão num esforço incrível para pressionar a tecla certa. Pijama, cachecol, meias de lã, café, cigarro e seu zippo, era tudo o que ela precisava para passar o inverno escrevendo.
O vício de ler seus e-mails interrompeu a décima quinta tentativa de começar um conto. Ela abriu a infinita lista de e-mails de trabalho, de seus 5 grupos de discussão e incontáveis junkmails vindos dos produtos mais absurdos e não teve vontade de ler nada. A não ser por um nome que lhe chamou a atenção. Um nome já visto antes. “Por que meus neurônios me deixam? Onde estão vocês, amiguinhos? Can you hear me?”

“Mariana,
You probably don’t know me, but I know who you are. I need to talk to you about my dad. He’s an old friend of yours, and I think it’s time for you to know what is happening to him. Please, reply this e-mail with you phone number, and I’ll call you today.
I really need to talk to you. Please, don’t ignore me.

T.Ross"

Ela leu e releu, e leu e releu aquele e-mail, tentando não se deixar enganar por alguma lembrança perdida. Quem mais poderia ser? Não era possível que isso fosse uma brincadeira, não era possível que alguém brincasse com isso. A esta altura, aquele menino devia ter o que? Vinte e três? Vinte e quatro anos? Durante tanto tempo ele protegeu este filho, como se ela fosse capaz de fazer algum mal a ele. Neuroses. Pura neurose. Ao mesmo tempo que ele disse várias vezes: “eu sei o quanto você ama os seus filhos”, ele agia como se ela não fosse capaz de amar o dele. Nunca permitiu que se conhecessem, que se encontrassem. Não ferir este filho era a vida dele. Por que ele permitiria que se conhecessem? Apaixonante como ela era, o menino certamente sentiria segurança em sua presença, mas há poucas horas ela disse que não ficaria. Quando ela partisse, seriam dois a sentir a mesma dor contundente. Mal sabe ele o que causou a ela por tanto se proteger dessa dor!
Ela era aberta, entregue, alegre, transparente! Jogava sobre ele um amor que o cegava de tão grande, de tão certeiro. Ele recebia tudo e bebia esse amor com violência, mas depois se afastava guardando para si cada restinho de amor que ela tivesse esquecido num gesto, numa peça de roupa, num presente. A ela não restava nada. Ela partia, sempre deixando seu coração para trás. Levando consigo o maior de todos os sonhos: o de um dia ficar - o dia em que ele finalmente soubesse dizer: “FICA”.

Sem pensar duas vezes, ela respondeu ao e-mail e não pode mais escrever uma linha. Enquanto o telefone não tocasse, ela não seria ninguém.
Mas só no dia seguinte o celular finalmente vibrou.

- Alô?
- Mariana?
- Sim, quem é?
- Tarik Ross.
- Quem?
- Você não me conhece…eu sou filho do…
- Eu sei quem é você Tarik. Só queria ter certeza.
- Mariana, eu não sei nem como começar.
- Como está seu pai?
- Pois é. Meu pai não está bem.
- O que aconteceu?
- Ele está doente, Mariana. Ele está morrendo.
- Como? O que ele tem, Tarik?
- Ele não tem na verdade. Ele se deixou cair numa depressão enorme. Não tem sintomas físicos, e quando tem, são todos somatização. Mas está me dando um trabalho louco, porque não quer comer, não sai da cama, não sai de casa. Ele está tão desnutrido que às vezes precisa ir para o hospital para se alimentar. Está muito difícil.
- Meu Deus Tarik...mas...
- Desculpa estar ligando para você, mas eu andei mexendo nas coisas dele. Li coisas que vocês escreveram um pro outro, e resolvi que ia te achar.
- Sei...Ele ainda tem as coisas que eu escrevi?
- Tudo. Faz muito tempo que eu escuto o seu nome, Mariana. Desde que eu cresci um pouco, ele passou a falar de você. No ano passado foi quando ele falou mais, contou mais histórias, me mostrou mais fotos.
- É mesmo?
- É. Eu já tinha visto uma foto sua que estava no porta-retratos do quarto dele, há anos. Ele dizia que aquela era a mulher mais linda que ele conheceu.
- Ele tem uma foto minha num porta-retrato?
- Você não imagina o que ele tem…E eu…eu não sei como dizer…
- Fala Tarik.
- Mariana, eu tenho medo que ele morra sem ver você de novo.

Os olhos de Mariana já estavam cheios d’água desde que ouviu Tarik falar seu nome. Mas agora, o peso de promessas antigas feitas com os pés descalços na areia caiu sobre seus olhos, trazendo todas as lágrimas do mundo.
- E você, está bem Mariana?
- Ah Tarik...eu estou como sempre estive. Sentada aqui olhando para 26 letras no meu teclado, com os olhos cheios, sem saber se morro de alegria por saber que estou presente na vida do seu pai, ou de tristeza por tê-lo perdido por tanto tempo. Hoje como há 20 anos... nada mudou.
- Mas você ...Tem alguém?
- Não...eu estou viúva há 10 anos. O que você quer, Tarik? Seja claro.
- Eu quero que você venha ficar perto dele, Mariana. Eu acho que você pode salvar o meu pai.

Era um turbilhão de lembranças, medos, informações, alegrias, lágrimas, tudo ao mesmo tempo. Que vida é essa que faz com que pessoas esperem 20 anos para se encontrar, e só façam isso pouco antes da morte?
Mariana chorou aquele dia, mais do que nos últimos cinco anos, lembrado das noites em que deitava na cama e pedia para que sonhasse com ele. Em seus sonhos, os abraços eram reais. Ele, o rei de todos os abraços, com seu corpo enorme que tomava cada centímetro do seu e a levantava do chão. Não havia outro abraço como o dele, nem em dez mil histórias de amor.



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O mar estava calmo como todos os dias no canal. As velas brancas e os motores dos barcos desenhavam a água com seu rastro branco, avisando que o dia começou. Pouco a pouco as janelas da casa foram se abrindo para deixar o sol de verão entrar trazendo a marezia e a folia das gaivotas. E era assim que ele entrava todas as manhãs pela janela da cozinha da casa dos Ross.
Apesar de se tratar da casa de dois homens sozinhos, o lugar tinha detalhes femininos e um ar bucólico, com prateleiras que circulavam todo o espaço, na altura das portas, para exibir antigas e delicadas porcelanas do tempo da grande depressão.
Pela janela aberta, vê-se o céu eternamente azul da cidade, o canal e o mar, as gaivotas e a torre de salva-vidas que guardava os segredos desta história.

- Pai, desce pra tomar café?
Tarik termina de colocar na mesa os talheres e a caixa de cereais.

– Pai! Desce!
Sem resposta, ele sobe a escada impaciente e abre a porta do quarto do pai.
- Pai, o café está pronto.
- Pode comer.
Deitado na cama, abatido de magro, está Daren. Antes um homem enorme e saudável, de pele dourada de sol e olhos brilhantes, que hoje são foscos de tristeza.
- Eu não vou comer sem você. Aliás, grande idéia! Se você não comer eu não como mais. Aí você vai ter que levantar dessa cama para cuidar de mim.
- Ah, garoto…não faz isso comigo. Me deixa aqui e vai ser feliz.
- Pai… não existe eu ser feliz com você jogado aí.

O telefone tocou na mesa de cabeceira interrompendo a conversa -- o que parecia satisfazer a Daren, que ganhou mais alguns minutos de sossego. Tarik atende:

- Alô?… Oi. Onde você está?…que bom! Não, de jeito nenhum, eu faço questão

Tarik virou-se de costas e falou mais baixo para evitar ser ouvido pelo pai.

- Não, eu convidei. Não tem graça. Vem pra casa.

Ele desliga o telefone e reclama novamente do pai:

- Vai pai, levanta!
- Quem era? – Perguntou Daren sentando-se na cama.
- Ninguém.
- Quem “vem pra casa”?
- A vida! A vida vem pra casa! E se eu fosse você se arrumava e vinha tomar café, porque a Vida vai te encontrar com esse pijama horrível!
Daren levantou-se reclamando e foi em direção ao banheiro.
- A vida! …ha! A vida já acabou comigo. Só falta ela acabar com o meu café.
Tarik jogou uma toalha de banho no pai.
- Aproveita e toma um banho. Você está um lixo.
- Aaaai!
Daren bateu a porta do banheiro e continuou reclamando lá de dentro.
- Se eu soubesse que você ia crescer pra me dar ordens, tinha deixado você virar um mauricinho lá com a sua mãe!
- Sem chance, velhinho! Eu estaria aqui de qualquer jeito.
Daren abre novamente a porta:
- É a sua mãe que está vindo para cá?
- Não pai, relaxa. Ninguém está vindo para cá.
- Ufa! Aí era pra acabar comigo de uma vez.

Tarik desceu a escada rindo, feliz pelo pai ter se levantado e estar mais falante hoje do que de costume. Reclamações são só o que ele tem a dizer, mas ainda assim, é melhor do que quando ele parece não estar neste mundo.

Algum tempo depois, a campainha tocou. Tarik foi abrir a porta e encontrou Mariana, com seus cabelos loiros-prateados despenteados pelo vento, olhando para o mar, de costas para a porta. Ela tinha uma grande mala vermelha, uma sacola de mão e o olhar na praia.
- Mariana?
Ela continuou parada onde estava, virou apenas a cabeça para trás, suspirando.
- Quando você me deu o endereço, eu não imaginei que esta fosse a casa.
- Você já tinha vindo aqui?
- Eu passei por aqui uma vez, há muitos anos. Ainda tem uma torre ali na praia?
- A torre do meu pai? Claro. No mesmo lugar de sempre.
Mariana sorriu para Tarik.
- Bem vinda à minha casa.
-
Obrigada Tarik. Você ficou igual ao seu pai...
- Não dá pra negar. E você...o tempo só ajuda...
- Quem dera! Vamos lá? Encarar a fera?
Tarik pegou as malas e abriu espaço para que Mariana entrasse primeiro.
- Ele não sabe que você está aqui.
- O que? Mas ele tinha que saber!
- Entra Mariana. Fica tranquila. Vai dar tudo certo.

Os dois entraram na casa em silêncio. Mariana podia ouvir apenas o bater escandaloso de seu próprio coração que parecia querer sair pela boca de nervoso. Ao mesmo tempo que esta angústia quase explodia em seu peito, seu rosto não conseguia conter um sorriso de euforia.
Tarik pegou Mariana pelos ombros, olhou diretamente em seu olhos sorrindo:
- Obrigada por ter vindo. Você não imagina o que isso significa pra mim.
Mariana puxou Tarik para perto de si num longo abraço.
- E pra mim... Sabe que eu sempre quis te abraçar assim?

Ele conduziu Mariana para dentro da cozinha e subiu até a metade da escada:
- Fica aqui… Pai?
- Quem era na porta?
- O correio. Chegou um pacote pra você.
- Ah! Pensei que fosse a "vida"! Deixa aí. Não deve ser importante.
- Acho que é.
Daren apareceu no alto da escada.
- Acha porque?
- Porque é do Brasil.
- Do Brasil? –descendo a escada o mais rápido que podia, mesmo isso sendo muito devagar - Cadê?
- Não corre assim, Pai.
- Ah…eu to velho mas não to morto. Não vou cair. Cadê o pacote?

Ele andou pela sala de estar procurando o pacote sem encontrar. Mariana chegou na porta da cozinha, encostando-se calmamente:
- Aqui.

Tarik ficou imóvel no meio da escada, esperando para saber a reação de seu pai. Daren, que estava agitado, parou...virou-se devagar, ainda descrente da voz que ouvira. Na porta, Mariana sorria um sorriso aberto, com seus olhos negros brilhando como não acontecia há muito tempo. Durante alguns segundos -- quase uma eternidade -- isso foi tudo o que aconteceu: Daren paralizado pelos olhos brilhantes de Mariana. Mariana sorrindo na porta vendo de novo o único rosto que seus neurônios fujões não permitiram que ela apagasse, Tarik sentando-se devagar no degrau da escada, e o silêncio. Só as gaivotas ousavam se mexer numa hora dessas...

Mas a voz de Mariana rompeu o silêncio:
- Na minha história, esta é a hora que você me abraça.

Daren não podia se mexer, mas algo em seus olhos estava mudado. Um brilho antigo parecia ressuscitar de repente, trazendo um sorriso pequeno, mas feliz.

- Na minha história, essa é a hora que você anda até aqui.

Sem uma palavra, Mariana desencostou da porta da cozinha e andou até a sala de estar para perto de Daren. Quando estava próxima o bastante, ela moveu levemente o rosto, perguntando, sem mover os lábios, o que mais deveria fazer.
Mais alguns segundos de olhos brilhando e silêncio eloquente... Os olhos falavam mais do que poderia ter sido dito nos anos que passaram. Daren e Mariana estavam parados ali, passando a limpo os motivos que os separaram por tanto tempo, assistindo a um filme triste, um nos olhos do outro, enquanto Tarik, emocionado, assistia.

Daren levou a mão ao rosto de Mariana. Ela fechou os olhos e debruçou a cabeça na a mão grande sobre a qual escreveu tantas vezes. Ele passou os dedos em torno de seus olhos, de seus lábios, tirou dos olhos os fios de cabelo prateados e sorriu. Mariana tinha lágrimas nos olhos, outra vez, como das outras vezes, como todas as vezes. Daren tinha o poder de emocioná-la apenas por existir. O olhar de Daren foi sempre seu ponto fraco. A presença dele, sempre sua rendição.
Daren encostou a testa na testa dela:
- Você demorou tanto…

Os dois se abraçaram, chorando.


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Precisa continuar?

sábado, junho 23, 2007

quinta-feira, junho 21, 2007

Inexistência


Não quero escrever para você.
Não quero pensar,
Não quero lembrar.
Joguei fora os restos de mim, com restos seus.
Escolhi a pedra mais áspera, raspei a pele até sangrar.
Troquei as células, a carne, a alma.

Extirpei de mim sua semente:
Não há nada seu em meu cérebro,
Nada em meu ventre,
Nada em meu peito.

Não quero falar de você.
Não lembro. Não sei quem é.
Não o reconheço nas fotos que já queimei.
Não sinto seu cheiro nas migalhas amargas que restaram.
Não vejo seus olhos quando fecho os meus.

Não quero saber de você.
Não sei, não lembro, não vejo.
Não sei das mentiras em que acreditei.
Não sei dos sonhos que sonhei.
Não sei seus lábios, seu corpo, sua voz.

Não quero escrever para você.
Não há mais palavras em mim que lhe caibam.
Não há nada seu que me reste,
E se há em você algo meu,
me foi tirado, é vazio,
já não sou eu.

segunda-feira, junho 18, 2007

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Sweet Sixteen

Eu tinha 16 anos e rezava todas as noites. Nas minha orações eu pedia, entre outras coisas, que um dia eu conseguisse amar mais do que ser amada.
Fui medrosa desde pequena. Medo de elevador, medo de altura, medo da violência física, medo de leões soltos na rua*. Mas nada me assombrou mais do que o pavor de nunca amar de verdade.

Meu outro medo era o tempo. A incapacidade de planejar. E se o o futuro chegasse e eu simplesmente não tivesse planejado nada para ele? E se eu não fosse capaz de esperar o futuro? E se todas as coisas durassem só dois anos, ou um, ou seis meses? Que tipo de pessoa eu seria se passasse a vida a reciclar e trocar de situação, de emprego, de namorado, de marido, de verdades, de vontades? "Será que um dia eu consigo resolver os meus dois medos de um vez só? Amar demais e por muito tempo?"
E quanto tempo dura uma dor? E uma saudade? E uma vontade maior que o mundo? Será que além de não ser capaz de amar como eu gostaria, eu ainda seria fadada a não sentir nada que fosse duradouro, fosse amor ou saudade?

Hoje arrumei meus armários. Do meio de uma confusão incrível caiu um papel. Eram vários na verdade. Quatro folhas com oito páginas do xerox de um livro: "Seu Futuro Astrológico". A parte xerocada era “A Mulher de Balança”. Atrás da última página tem alguns gráficos do “Livro do Destino” (que eu não sei onde anda) feitos à mão e datados de 10/06/88. Wow! Dezenove anos.

Eu reli o texto que destrincha a mulher de Libra. Algumas linhas estão sublinhadas, outras tinham uma observação com caneta vermelha dizendo: ERRADO!
Céus, não estava errado! Talvez estivesse para aquela libriana de 27 anos, mas não está para esta, de 45. Os óculos que a gente usa mudam as lentes, automaticamente, conforme o tempo passa. Há todo um novo jeito de ver a vida e a si mesmo. E é um jeito tão mais tranquilo, que me dá pena ver uma multidão de aflitos gritando pelos motivos errados. “Muda os óculos!” é o que me dá vontade de dizer. Mas é preciso deixar a aflição deles com eles, para que mereçam as novas lentes.
Lá pelas tantas, o texto diz: As mulheres de Libra que procuram astrólogos têm uma pergunta em comum. “Quando encontrarei alguém que eu realmente ame?” Então, talvez meu antigo medo não fosse uma coisa só minha. Talvez seja o mal que aflige às librianas. Talvez todas elas, como eu, mal podem esperar pelo momento de se dedicar, administrar e cuidar de alguém, com a alma e o corpo inteiros. Aparentemente uma aflição tão besta…mas não é (esperem pelos 45 anos e me contem).

Incrível como eu divago…Não era nada disso que eu queria dizer. Era que meus medos eram bobagem. Eu descobri que sou capaz de tudo o que eu temia não ser.
Existem esperas que são eternas. Enormes. Monstruosas. But you know what? Foi há um instante. Há poucos minutos. Assim, ontem, que a espera começou. E eu, que me julgava incapaz de esperar ou de manter uma convicção, espero tranquila, como se o banco desta praça fosse o mais confortável. E tenho tempo. Tenho muito tempo. A vida urge e eu sigo com ela, mas o banco da minha praça me acompanha onde quer que eu vá, mesmo que eu não queira. E quanto a ser capaz de amar muito absurdamente demais? Calma libriana…você vai encontrar isso no caminho mais vezes do que gostaria. E dure o que durar – que vai ser bastante – este amor será maior do que tudo o que você pode ter pedido.

*Leões soltos na rua - o meu pesadelo recorrente durante toda a infância.


Morning, sunshine.

sexta-feira, junho 15, 2007

A beleza e as palavras

O que está na beleza? O belo é admirando desde sempre, desde que o mundo é mundo, ou antes, porque deve ter sido lindo assistir ao big bang e a cada minúsucula partícula de transformação de tudo até o mundo que vemos hoje e tentamos destruir.
Belo é o céu, belas as estrelas, belas as mulheres, belos os homens quando adultos, belos os rostos, as mãos, os campos, o mar, os rios. Belas as palavras.
De todas as coisa belas, a mais bela aos meus olhos...é a palavra. Nas línguas que eu sei, elas fascinam.
Algumas coisas simplesmente não podem ser ditas em português, como AMAZING. Amazing só é really amazing se for assim. Já eu te amo, I love you, je t’aime, todas funcionam igual. Mas outras não. Não há nada como escutar sussurrado ao pé do ouvido, bem baixinho, “my love...” Há coisas que são mais “benditas” em inglês. Outras podem ser ditas em qualquer língua, desde que, por favor, sejam ditas.

Eu diria que as palavras são uma criação do diabo, se eu acreditasse nele. Elas seduzem. Elas enganam. Elas convencem. Elas explicam mais do que devem. São usadas com um sorriso nos lábios ou com lágrimas nos olhos. Nem sempre as palavras são verdadeiras. Mas sempre cumprem sua missão. Poucos mísseis têm a precisão das palavras. Poucas armas são mais perigosas. É por isso que sempre que alguém me diz que eu tenho um dom divino eu sorrio. Não...divino assim “feito por deus?”...não. Este dom não é divino. É o dom de persuadir. De iludir. De fazer brotar paixão em corações sossegados. De trazer à vida sentimentos esquecidos.
Se eu faço chorar de emoção a quem lê, não é divino.
Se eu salvo uma alma ao escrever uma linha, não é divino.
Se eu tranquilizo uma angústia ao contar de um amor, não é divino.

Não é divino porque é irresponsável. Egoísta, o dono das palavras diz apenas o que sente. Talvez amanhã nem se lembre. Claro, lembrar por que? As palavras já saíram do estômago, da alma, do fígado, do coração. Elas já tiraram a fórceps o sentimento que estava lá. Agora ele se foi…agora ele virou vapor…agora ele já não é. E isso – que já não é – sai por aí aspergindo sentimentos e forjando soluções na vida de outras pessoas. Não é divino. É obra de algum outro deus ardiloso, brincalhão, que quer ver o mundo pulsando como um coração perdido.

Eu vivo como uma criança que não tem certeza se comer bolo quente é certo ou errado. Se ser bela é bom ou ruim. Se um sorriso é um presente ou uma facada no peito. A beleza e as palavras rondam a minha vida desde a infância. Venus, ou seja lá que força tem aquela bola brilhante no céu, traz para a minha alma um prazer imenso nessas duas drogas viciantes: palavra e beleza. Ambas tão eternas quanto efêmeras, por isso mágicas. Ambas causam extases momentâneos e inesquecíveis. Ambas são armas fáceis e contundentes. Ambas movem a vaidade humana a um patamar inimaginável. E ambas se assemelham ao nirvana por raros, rápidos e inebriantes instantes.

E o que é a beleza? E o que são as palavras?
Fatias de bolo quente com perfume de infância numa tarde de inverno…o doce pouco a pouco tomando a língua…o calor aquecendo o corpo por onde passa…o sabor chegando aos olhos que se fecham de prazer. Segundos de extase quase eternos.



**me recuso a acentuar a palavra EXTASE. Uma coisa linda que se transforma numa palavra feia de se ler por causa de um chapéu ridículo.

quinta-feira, junho 14, 2007

Gotas

Eu precisava mostrar isso!
Estas são as partes do mapa mundi onde pessoas entraram neste blog hoje, 13 de junho, segundo o GeoVisitors.
Eu fiquei impressionada com a quantidade de gente no Brasil. Que delícia.
Foram 341 "page views" de 286 visitantes únicos, só hoje.
Tá bom que pode ser tudo por engano, tipo pessoas procurando alguma bobagem no google, como "borboleta", "loira", "arquivo PPS"... Mas mesmo assim, adoro!

Cada uma dessas gotinhas é alguém. Se você é uma delas, obrigada!
Você é uma gotinha vermelha que me faz feliz.

(clica na foto para ver direito...ou no botão do geovisitors ali, perto do users online, que todos os dias mostra os visitantes das últimas 24 horas.

Bom dia.

quarta-feira, junho 13, 2007

As minhas linhas da mão

***Este texto foi escrito nos idos de novembro de 2003, aos 42 anos, no velho e bom TPM. mas é sempre bom ler de novo para não esquecer o que eu quero da vida.


Fiquei olhando pra linha da vida na minha mão. Nas duas. Ela começa abaixo do meu dedo indicador...Entre o indicador e o polegar - é preciso virar a mão pra poder ver. E termina no pulso, abaixo do polegar. É enorme!
Será que faz sentido? A linha da vida diz mesmo quanto de vida você tem pela frente? Em que ponto dessa coisa infinita eu estou? É assustador...Quase dá a volta na mão e eu não sei onde estou!

Normal eu? Imagina...Nunca prometi ser normal. Tenho delírios assim. Fico tentando entender os "mecanismos" da vida. Como ela funciona? Que armas eu tenho pra vencê-la caso um golpe me pegue de surpresa? Se fizer algum sentido essa coisa das linhas da mão, é bom eu cuidar do corpinho...Porque da cabeça já é tarde!

Perder a sanidade pode ser uma opção bem simples. Pensa: depois de muito tempo de vida, se tudo estiver um saco, se seus filhos virarem aqueles adultos de novela que você jamais imaginou que existissem; se seus amigos todos se forem; se morrer o seu amor, o amor da sua vida, e aquele que você guardou desde criancinha também; se não te deixarem mais fumar; se já tiverem lançado todas as biografias que acabam cruzando a sua vida, algumas falando mal de você...Nada como turn off e ficar insano. Nossa! Que confortável! Só apertar o botão. Ninguém vai te levar a sério mesmo, certo? Então melhor assumir que não se preocupem com isso! Seu mundo já caiu, seu peito já caiu, sua orelha já ficou enorme...so fuck off! Com uma vantagem maravilhosa: uma vez gagá, você ta liberado pra dizer o que quiser. E fingir que não escuta nada também!

Na verdade não acontece bem assim...Minha autocrítica é tão ridiculamente forte que eu não seria capaz de ficar assim. Acho.

Meu ideal de vida é "ideal" porque é quase impossível. E simples: Rolling Stones. Pink Floyd. Joe Pytka. Assim: você está caído, mas é o máximo! Seu rosto é uma uva passa, um figo seco ou os dois juntos, como o do Keith Richards, mas você anda na frente, pensa na frente e toca um horror! Ta muito vivo, obrigado, e bebeu a vida aos tragos! Aquele bocão super sexy que foi o delírio de uma geração virou um peru de thanksgiven, mas ainda hoje, quando você fala, escreve, pensa, canta, pinta, o que for, alguém em algum lugar do mundo, 40 anos mais novo que você, pergunta: WOW!! Ele é velho? Mas como pode?

É...Ele é velho e todo mundo imita o que ele faz! E ninguém consegue pensar na idade do Mick Jagger, do Steven Tyler, do David Gilmore. Ninguém diz: “Como esse velhinho toca, né?” Ao ver um clip do Eric Clapton.
Claro que isso tudo quer dizer: ENVELHECER SÓ POR FORA. Continuar alive and kicking! Entender as mudanças do mundo, das gerações que chegam e saber exatamente do que se está falando. No caso dos citados acima, ainda DITAR as mudanças do mundo... "Só não me deixe sentar na poltrona no dia de Domingo!"

Tá...Já estou ouvindo uma multidão de cochichos e pensamentos e burburinhos de pessoas dizendo: “AH...Então é bom você voltar logo a trabalhar, Mercedes, senão vai virar uma avó rabugenta! E seu ideal de vida vai pro saquinho.” Hm...balela! Primeiro porque eu sempre fui rabugenta anyway. Segundo, porque estou falando da minha cabeça. Não da minha imagem. Volto a trabalhar sim, assim que alguma coisa me brilhar os olhos. Mas tem que brilhar messss porque isso faz parte do meu Rolling Stone Way.* Não estou mais aí pra ter um emprego. Estou acima do bem e do mal...lembra? Passei dos 40. Estou aí pra ter um trabalho. Foi o que eu tive a vida inteira. Fui sempre seduzida pelo trabalho e minha relação com a carreira foi sempre de amor, de paixão. Por que mudaria isso depois de saber como a vida funciona? Agora que tudo é tão mais fácil… O lobo mau não assusta mais...Você muito já comeu a chapeuzinho...Já matou o lobo, já passou por tudo...

Eu me dou o direito de sentar nesse computador horas e horas e escrever pra me divertir. De sentar na minha varanda e ouvir a grama crescer. De colocar um filme e morrer de chorar, ou de rir, ou de raiva! Fazer o que eu quiser, até que alguém me acene com algo que me seduza. Enquanto isso aplaudo uma outra carreira, de um outro seduzido pelo próprio trabalho...

Claro que sou uma abençoada e agradeço todos os dias pela vida que tenho, pelas oportunidades que tive, por poder escolher. Só tenho medo de perder a saúde. Tenho medo da guerra. São coisas que podem mudar todo o curso da vida.

Então...Voltando as linhas da mão...Se entendo alguma coisa, estou na metade da minha vida. Vou repetir. Presta atenção: estou na METADE da minha vida. As pessoas na minha família morrem depois dos 90. Então, espera! Falta muito tempo! Aos 42**, posso apertar Ctrl+Alt+Del e fazer cursinho, vestibular pra medicina, me formar, fazer residência, especialização, ficar em dúvida, mudar de especialização, e vão me sobrar uns 25 anos para medicar!

Ctrl+Alt+Del: Posso ir pro Tibet, (passar sete anos com o Brad Pitt) virar monja e ainda me sobram 40 anos pra ser missionária pelo mundo.

Ctrl+Alt+Del: Posso abrir outra produtora, criar mais uns três diretores, ficar bem rica, estressar, pousar nua e lançar um CD (brincadeirinha), ficar viciada em algum antidepressivo, gastar todo o meu patrimônio em terapia e ainda vão restar 30 anos pra escrever uma coluna rancorosa em alguma revista de propaganda.

Ctrl+Alt+Del: Posso adotar 20 crianças carentes, vê-las crescer, ir às suas formaturas e casamentos, e me sobra algum tempo pra ajuda-las a criar seus filhos.

Ctrl+Alt+Del é o segredo! Desde que se tenha um objetivo: ser feliz. E feliz é coletivo, não é singular. Pra complicar. :)

É...como diria Michael Stipe "Life is bigger!"



* Já encontrei o trabalho que me brilha os olhinhos...e é ainda sentada nesse computador escrevendo feito uma louca.
** Aos 45, quase 46, parece que tenho ainda mais tempo para viver.

quarta-feira, junho 06, 2007

* Tortura Moderna


“Tenta sim. Vai ficar lindo.”
Foi assim que decidi, por livre e espontânea pressão de amigas, me render à depilação na virilha. Falaram que eu ia me sentir dez quilos mais leve. Mas acho que pentelho não pesa tanto assim. Disseram que meu namorado ia amar, que eu nunca mais ia querer outra coisa. Eu imaginava que ia doer, porque elas ao menos me avisaram que isso aconteceria. Mas não esperava que por trás disso, e bota por trás nisso, havia toda uma indústria pornô-ginecológica-estética.

- Oi, queria marcar depilação com a Penélope.
- Vai depilar o quê?
- Virilha.
- Normal ou cavada?
Parei aí. Eu lá sabia o que seria uma virilha cavada. Mas já que era pra fazer, quis fazer direito.
- Cavada mesmo.
- Amanhã, às... deixa eu ver...13h?
- Ok. Marcado.

Chegou o dia em que perderia dez quilos. Almocei coisas leves, porque sabia lá o que me esperava, coloquei roupas bonitas, assim, pra ficar chique. Escolhi uma calcinha apresentável. E lá fui. Assim que cheguei, Penélope estava esperando. Moça alta, mulata, bonitona. Oba, vou ficar que nem ela, legal. Pediu que eu a seguisse até o local onde o ritual seria realizado. Saímos da sala de espera e logo entrei num longo corredor. De um lado a parede e do outro, várias cortinas brancas. Por trás delas ouvia gemidos, gritos, conversas. Uma mistura de Calígula com O Albergue. Já senti um frio na barriga ali mesmo, sem desabotoar nem um botão. Eis que chegamos ao nosso cantinho: uma maca, cercada de cortinas.
- Querida, pode deitar.

Tirei a calça e, timidamente, fiquei lá estirada de calcinha na maca. Mas a Penélope mal olhou pra mim. Virou de costas e ficou de frente pra uma mesinha. Ali estavam os aparelhos de tortura. Vi coisas estranhas. Uma panela, uma máquina de cortar cabelo, uma pinça. Meu Deus, era O Albergue mesmo. De repente ela vem com um barbante na mão. Fingi que era natural e sabia o que ela faria com aquilo, mas fiquei surpresa quando ela passou a cordinha pelas laterais da calcinha e a amarrou bem forte.
- Quer bem cavada?
- ...é... é, isso.

Penélope então deixou a calcinha tampando apenas uma fina faixa da Abigail, nome carinhoso de meu órgão, esqueci de apresentar antes.
- Os pêlos estão altos demais. Vou cortar um pouco senão vai doer mais ainda.
- Ah, sim, claro.
Claro nada, não entendia porra nenhuma do que ela fazia. Mas confiei. De repente, ela volta da mesinha de tortura com uma espátula melada de um líquido viscoso e quente (via pela fumaça).
- Pode abrir as pernas.
- Assim?
- Não, querida. Que nem borboleta, sabe? Dobra os joelhos e depois joga cada perna pra um lado.
- Arreganhada, né?
Ela riu. Que situação. E então, Pê passou a primeira camada de cera quente em minha virilha virgem. Gostoso, quentinho, agradável. Até a hora de puxar.

Foi rápido e fatal. Achei que toda a pele de meu corpo tivesse saído, que apenas minha ossada havia sobrado na maca. Não tive coragem de olhar. Achei que havia sangue jorrando até o teto. Até procurei minha bolsa com os olhos, já cogitando a possibilidade de ligar para o Samu. Tudo isso buscando me concentrar em minha expressão, para fingir que era tudo supernatural. Penélope perguntou se estava tudo bem quando me notou roxa. Eu havia esquecido de respirar. Tinha medo de que doesse mais.
- Tudo ótimo. E você?
Ela riu de novo como quem pensa “que garota estranha”. Mas deve ter aprendido a ser simpática para manter clientes.

O processo medieval continuou. A cada puxada eu tinha vontade de espancar Penélope. Lembrava de minhas amigas recomendando a depilação e imaginava que era tudo uma grande sacanagem, só pra me fazer sofrer. Todas recomendam a todos porque se cansam de sofrer sozinhas.
- Quer que tire dos lábios?
- Não, eu quero só virilha, bigode não.
- Não, querida, os lábios dela aqui ó.
Não, não, pára tudo. Depilar os tais grandes lábios ? Putz, que idéia. Mas topei. Quem está na maca tem que se fuder mesmo.
- Ah, arranca aí. Faz isso valer a pena, por favor.
Não bastasse minha condição, a depiladora do lado invade o cafofinho de Penélope e dá uma conferida na Abigail.
- Olha, tá ficando linda essa depilação.
- Menina, mas tá cheio de encravado aqui. Olha de perto.

Se tivesse sobrado algum pentelhinho, ele teria balançado com a respiração das duas. Estavam bem perto dali. Cerrei os olhos e pedi que fosse um pesadelo. “Me leva daqui, Deus, me teletransporta”. Só voltei à terra quando entre uns blábláblás ouvi a palavra pinça.
- Vou dar uma pinçada aqui porque ficaram um pelinhos, tá?
- Pode pinçar, tá tudo dormente mesmo, tô sentindo nada.
Estava enganada. Senti cada picadinha daquela pinça filha da mãe arrancar cabelinhos resistentes da pele já dolorida. E quis matá-la. Mas mal sabia que o motivo para isso ainda estava por vir.

- Vamos ficar de lado agora?
- Hein?
- Deitar de lado pra fazer a parte cavada.
Pior não podia ficar. Obedeci à Penélope. Deitei de ladinho e fiquei esperando novas ordens.
- Segura sua bunda aqui?
- Hein?
- Essa banda aqui de cima, puxa ela pra afastar da outra banda.
Tive vontade de chorar. Eu não podia ver o que Pê via. Mas ela estava de cara para ele, o olho que nada vê. Quantos haviam visto, à luz do dia, aquela cena? Nem minha ginecologista. Quis chorar, gritar, peidar na cara dela, como se pudesse envenená-la. Fiquei pensando nela acordando à noite com um pesadelo. O marido perguntaria:
- Tudo bem, Pê?
- Sim... sonhei de novo com o cu de uma cliente.

Mas de repente fui novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego falso da cera quente besuntando meu tuin peaks. Não sabia se ficava com mais medo da puxada ou com vergonha da situação. Sei que ela deve ver mil cus por dia. Aliás, isso até alivia minha situação. Por que ela lembraria justamente do meu entre tantos? E aí me veio o pensamento: peraí, mas tem cabelo lá? Fui impedida de desfiar o questionamento. Pê puxou a cera. Achei que a bunda tivesse ido toda embora. Num puxão só, Pê arrancou qualquer coisa que tivesse ali. Com certeza não havia nem uma preguinha pra contar a história mais. Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo. Sons guturais, xingamentos, preces, tudo junto.

- Vira agora do outro lado.
Porra.. por que não arrancou tudo de uma vez? Virei e segurei novamente a bandinha. E então, piora. A broaca da salinha do lado novamente abre a cortina.
- Penélope, empresta um chumaço de algodão?
Apenas uma lágrima solitária escorreu de meus olhos. Era dor demais, vergonha demais. Aquilo não fazia sentido. Estava me depilando pra quem? Ninguém ia ver o tobinha tão de perto daquele jeito. Só mesmo Penélope. E agora a vizinha inconveniente.

- Terminamos. Pode virar que vou passar maquininha.
- Máquina de quê?!
- Pra deixar ela com o pêlo baixinho, que nem campo de futebol.
- Dói?
- Dói nada.
- Tá, passa essa merda...
- Baixa a calcinha, por favor.
Foram dois segundos de choque extremo. Baixe a calcinha, como alguém fala isso sem antes pegar no peitinho? Mas o choque foi substituído por uma total redenção. Ela viu tudo, da perereca ao cu. O que seria baixar a calcinha? E essa parte não doeu mesmo, foi até bem agradável.
- Prontinha. Posso passar um talco?
- Pode, vai lá, deixa a bicha grisalha.
- Tá linda! Pode namorar muito agora.
Namorar...namorar... eu estava com sede de vingança. Admito que o resultado é bonito, lisinho, sedoso. Mas doía e incomodava demais. Queria matar minhas amigas. Queria virar feminista, morrer peluda, protestar contra isso. Queria fazer passeatas, criar uma lei antidepilação cavada. Queria comprar o domínio preserveasbucetaspeludas.com.br. Queria tudo.
Menos namorar.

*Recebi este texto e passei mal de tanto rir. Me disseram que era de "autora desconhecida". Deconhecida de quem? Fiquei nervosa e fui procurar. Achei! Impagável o blog das meninas: REDATORAS DE MERDA.

BOOOM!


Mgmyself: Existe alguém que você gostaria que não tivesse nascido?

Mercedes: Não…imagina. Todas as pessoas têm direito de nascer. Mas existem pessoas que merecem explodir como um homem bomba!

Mgmyself: Nossa! Que radical!

Mercedes: Homem bomba radical é pleonasmo.

Mgmyself: Você sugeriria que essa "pessoa" se suicidasse?

Mercedes: Nunca! Credo! Isso seria muito bom para ele. Eu queria ser a pessoa a instalar bombinha por bombinha no cinturão dele. E uma na cueca. Queria ver ele explodir como um show de fogos de artifício na Disney. Espetáculo lindo!

Mgmyself: Você parece nervosa.

Mercedes: Não…estou calma. Isso que é pior. Tenho até medo de tanta calma.

Mgmyself: Mas se você está calma, não consegue parar para pensar um minuto e ver que isso é horrível?

Mercedes: É verdade. Horrível mesmo, né? Acho que não seria justo matar a criatura desta maneira.

Mgmyself: Ah que bom…

Mercedes: Acho que tinha que ser uma coisa mais lenta, ne? Quem sabe uma noite no formigueiro…depois algum remédio bem amargo…ácido no suquinho…

Mgmyself: MERCEDES!

Mercedes: O que???

Mgmyself: Por que você está tão malvadona?

Mercedes: Porque eu sou normal.

Mgmyself: Você sempre foi uma pessoa boa…

Mercedes: Talvez por isso tenha sempre um mané pra me fazer de trouxa!

Mgmyself: Você sente sempre essas coisas? Essa vontade de matar alguém?

Mercedes: Não…só senti duas vezes na vida.

Mgmyself: Quando?

Mercedes: Na primeira, alguém ameaçou se matar e eu fiquei horrorizada comigo mesma, porque suspirei muito muito fundo e pensei: “Ai Deus…faz ele conseguir!” É claro que , como fui criada dentro das regras judaico-cristãs, tive logo um ataque de culpa, pedi perdão a Deus por pensar uma coisa horrível daquela e fui para a terapia. Mas na sequência a terapeuta disse que eu não estava errada em desejar aquilo, porque a decisão não era minha, e ele fez por merecer muito mais ódio do que isso.
Ok. Comprei a versão dela.

Mgmyself: E a outra?

Mercedes: Foi hoje.

Mgmyself: Você acha que essa pessoa de hoje se mataria?

Mercedes: Claro que não…ela vive das facilidades que eu, trouxa idiota, proporcionei. Vai se matar nada! Gente ruim não se mata. O outro não está vivo até hoje? Eles gostam demais de encher o saco, pra acabar com a brincadeira assim tão rápido!

Mgmyself: Mas você não vai matar a pessoa, né?

Mercedes: Não…Depois que você vive 45 anos, descobre que “aqui se faz, aqui se paga” não é só um dito popular. É a realidade. A vida se encarrega sem eu ter que mexer um único dedo.

Mgmyself: A vida se encarrega de matar?

Mercedes: Não…de tirar. De ensinar. De fazer sofrer pra reavaliar os valores.

Mgmyself: Você deseja isso para alguém, Mercedes?

Mercedes: Não é uma questão de desejar. É assim que acontece. E eu desejo sim, que todos reavaliem suas atitudes. Que as pessoas tenham mais consideração pela vida alheia. Eu estou de saco muito cheio de gente sem escrúpulo, querendo levar vantagem em tudo, achando que o que você tem veio de graça, e o que eles têm é que tem valor. Eu não sou apegada a coisa nenhuma, dinheiro, bens, nada... mas não trabalhei a vida toda pra sustentar vagabundo! E hoje, que eu não trabalho, sei exatamente o que custa o esforço do meu marido para manter o que a gente consquistou. Fico furiosa quando vem um mané aproveitador se fazer de coitadinho.

Mgmyself: É ….você está amarga mesmo.

Mercedes: Não, Mg. Eu estou cansada…

Mgmyself: vai descansar então…

Mercedes: Não se preocupa. Isso passa como já passou antes.

Mgmyself: Você não vai encerrar com uma frase de efeito?

Mercedes: Não. Só se for de "efeito especial", tipo explosão nuclear!



(MgMyself é o lado mais calmo desta pessoa que hoje quer explodir tudo. Ainda bem que existe um outro lado...)
(**Ilustração 50% Mercedes, 50% Rodrigo = MR Gameiro)

sábado, junho 02, 2007

Luz

Diogo - Setembro 1984 - 3 meses
Tinha ainda o tamanho do nada, mas preenchia um espaço enorme que eu antes não sabia que existia. Chegou avisando que eu não era mais menina. Que não sabia nada ainda. Que minha vida até ali havia sido uma grande coisa nenhuma, pois só agora ela começava de verdade.
Chegou mostrando um outro mundo. Um céu diferente. Núvens mais claras. Chegou dizendo que trasformar é a única maneira de ser feliz. E era ele próprio a minha transformação.

Quando existiu em forma, abriu seus grandes olhos claros e um sorriso mágico. Nem era preciso sorrir com aqueles olhos que eram toda a luz do universo.
Com sua voz deliciosa encheu meu caminho de todas as esperanças que existem em todas as cores do mundo. Presenteou minha alma com toda alegria e inspiração que as pedras no caminho tentavam esconder.
Quando surgiu assim, removeu as dúvidas, os obstáculos, as tristezas, e me disse que estaria sempre ali. Sempre.
Sempre era ainda uma palavra tão vaga...
Até aquele dia, nada havia sido para sempre, nada a longo prazo, nada feito de material durável. Até aquele dia, todo amor era efêmero, toda paixão passageira, toda condição temporária. Só ele seria sempre. De todos os sempres, além de todos os sonhos, só ele seria constante, eterno, presente sempre.
Até aquele dia, "futuro" era uma palavra distante, ininteligível, cheia de mistérios. Mas ele, ali, naquela forma linda, com seus sons e passos incertos, escancarava o sentido da palavra, tornando-a algo tão certo. Futuro era a certeza de dias cheios de alegria. Futuro era eu nele. Éramos nós e esse amor imenso.

Há 23 anos minha vida se encheu de uma luz intraduzível.
Há 23 anos tudo fez mais sentido.
Há 23 anos acordo e durmo, todos os dias, sabendo que há uma parte de mim que é pra sempre, e agradeço.



Domingo é aniversário dele. 23 anos de vida. Na minha vida.

P.Leminski