domingo, setembro 28, 2008

Fragmento (pensando no banho)

Ela estava no balcão, entediada, esperando o tempo passar. Quanto mais tarde saisse dali, menos tempo passaria se dando conta do quanto estava sozinha. Um olhar brilhou do outro lado do bar, por entre todas as mesas, todas as pessoas que conversavam alto, bebiam e riam, e faziam com que ela fosse o único ser solitário de um universo inteiro. Sem saber muito o que ou quem era, ela não pode evitar de virar-se. Do outro lado, ele sorriu discretamente e moveu a cabeça num cumprimento sutil. Ela sorriu de volta, sem mostrar os dentes, e tornou a encarar seu copo de água mineral com gas e suco de limão.
A garçonete passou por detrás dela, puxou uma pequena mexa de seus cabelos crespos, aproximou o rosto de seu ouvido.

- Vai ficar bêbada, Monica.
- Ah vou... - respondeu sorrindo
- Devia. Não aguento mais te ver assim.

Mônica balançou a cabeça sem olhar para trás, num sinal claro de que a conversa não a interessava, e tomou mais um gole de água com gas.
Ao ouvir um pedido de licença, ela afastou um pouco seu banco para a direita, abrindo espaço para uma jaqueta marrom, cujo dono parecia ocupar mais espaço do que lhe era de direito. Incomodada, virou-se para a esquerda pronta para reclamar ou no mínimo fazer cara feia, mas seu mal humor foi interceptado por um sorriso.
- Posso te pagar um drink?
- Não, obrigada. - disse com um meio sorriso querendo escapar, e deu mais um gole na água com gás.
Ele baixou a cabeça, rindo
- Droga...um cheese cake?
Ela abriu um pouco mais o sorriso, sem poder evitar.
- Não...
- Um salgado, um jantar, um café?
- Não, obrigada.
- Flores?
Ela apenas sorriu.
- Carona?
Ela balançou a cabeça negativamente.
- To de carro.
- Uma casa, um castelo na Suíça, um anel de diamante?
- Nada.
- Não é possível...você tem que querer alguma coisa. Não tem nada que eu possa te dar?
Ela virou-se inteira, olhou para ele cuidadosamente observando cada detalhe do rosto, do cabelo, da roupa...
- Não, nada.
- Pena...
Ele se preparava para sair quando ela o segurou pelo braço.
- Mas não precisa ir embora.
- Posso ficar?
- Pode.
- Eu tava me achando um completo loser.
- Losers não usam esse perfume. - e olhando para o barman - dá uma vodka pra ele.
- Como você sabe que eu bebo vodka?
- Eu não sei.
Pegando a bebida, ele disse:
- Você não precisa de nada...mas eu preciso: seu nome.
- Mônica.
- Edu.
Os dois apertaram as mãos, mas quando Monica tentou se desvencilhar, ele segurou sua mão com mais força.
- E se você pudesse pedir qualquer coisa essa noite, e eu pudesse realizar o seu desejo, o que seria?
Ela sorriu.
- Se eu pudesse...hum...um namorado de mentira. Só hoje. Alguém pra fingir que é meu namorado.
Edu soltou a mão dela olhando em seus olhos com estranheza.
- Você não precisa disso...
- Você perguntou, eu respondi.
- Você é linda! Eu não acredito que ninguém...
- Não. Ninguém...
- Não dá pra acreditar.
- Bom, você perguntou. E é isso. Só hoje eu queria que alguém me amasse como eu sempre quis. Me quisesse como eu sempre sonhei. Fosse apaixonado, me surpreendesse...mas...

Ele tirou uma cacho de cabelo do rosto dela
- Por que?
- Porque já passou, eu já tive, acabou, não tem mais.
- Por que?
- Por que o que?
- Ele te deixou.
- Ele estava lá...presente...totalmente presente, e bum. Foi instantâneo, ninguém pôde fazer nada. Se foi. De lá para cá eu não quero. Ninguém vai conseguir que eu....impossível. Mas tem dias...
Com um suspiro longo, Edu afastou o banco alto do bar, pegou a mão de Mônica e a induziu a levantar também.
- Vem cá.
Ela levantou sem entender.
- Onde?
- Vou começar como se começa.
Ele puxou Mônica.
- Dança comigo. Eu sou o seu namorado hoje.

Sem saber reagir, Mônica foi com ele até a pista de dança.
- Que maluca...desculpa Edu. Eu nem te conheço e...você não precisa fazer isso.
- Como não me conhece? Eu sou seu namorado há séculos.
Ela sorriu
- Não sei qual de nós é mais louco.
- Você, claro...ainda bem, senão eu ainda estaria te olhando de longe. Ia ser péssimo. "Quer um drink? um castelo...?" hahaha eu sou patético.

Pela primeira vez Mônica sorriu de verdade, com todos os dentes, vendo nos olhos dele o mesmo brilho que veio do outro lado do bar, minutos atrás.
- O que você quer? - ela perguntou
- De você?
- De mim. Um castelo, um anel de brilhante...?
- Um beijo.

Edu segurou o rosto de Mônica com uma das mãos, puxou-a para perto e beijou sua boca. De olhos fechados, Mônica sentiu nos lábios dele o que já havia esquecido. Entre beijos ela sussurrou:
- Não pode...
- Shhhhh...eu sou seu namorado.
- Só hoje...
e voltando a beijá-la Edu respondeu:
- Impossível...



Fade to black
Sobe música
bye bye.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Fortaleza


Eu reparei que aos 42 anos comecei a construir uma gaiola. Aos poucos fui pintando as grades da cor do céu que me cerca, fui acrescentando um pouco de conforto, boa comida, água fresca, tentando fingir que eu nada construía, e de pedra em pedra, de barra em barra, construí uma fortaleza ao meu redor. Uma fortaleza de paredes sólidas para me proteger.

Nos últimos cinco anos, acho que vivi sim trancada dentro deste forte, tentando me poupar - não me privar - de ver que ali fora alguns maus espíritos transitam para lá e para cá, algumas coisas são feias, algumas pessoas são más. Acho que é isso que meu marido quer dizer quando repete que eu vivo num mundinho cor-de-rosa (deus conserve!). Claro que é.
Pois meu mundinho cor-de-rosa existe sim. Só que deixei janelas abertas nas paredes para que minha voz fosse ouvida.
E foi assim, escrevendo o que eu penso e jogando pelas minhas janelas, que vivi esses anos últimos...como a bruxa do castelo, a fada da gruta, ou a princesa da torre; depende do dia. Foi só quando cheguei aqui, quando terminei de levantar as paredes, que eu consegui gritar mais alto e ser ouvida. Foi só aqui que eu descobri quem eu sou e para quê eu sirvo. Daqui de dentro fiz amigos. "Hello stranger..." isso mesmo, estranhos vindos de lugar nenhum, vindos de todo lugar, vindos do céu que me cerca, e eu posso chamá-los de amigos. Foi daqui que eu pude buscar os amigos deixados para trás, resgatar pessoas que eu sempre adorei, me aproximar delas como a vida lá fora jamais permitiu.
Aí estes amigos estranhos, essas pessoas distantes e ainda tão próximas, falam de luz, de ser imprescindível, de ser única, vêm buscar nas minhas palavras o que às vezes falta às delas...e eu vejo que só depois de aprisionada eu fui realmente livre.

Hoje fazem 47 anos que eu comecei uma busca até então sem fim. Achei.

quinta-feira, setembro 18, 2008

Quem perguntou?

Ninguém perguntou, mas eu vou contar como andam as coisas aqui no reino de Mercedes.

. Toda blusa é uma bata.
. Tem poeira em todos os cômodos.
. Estou dormindo no quarto de hóspedes, porque chegou a hora de pintar o meu quarto.
. Toda calça cai se eu andar rápido.
. Meu closet segue trancado porque agora eu estou com medo que roubem mais alguma coisa.
. Toda vez que eu preciso pegar uma roupa, esqueço de pegar a chave.
. A cozinha tem cheiro de tinta esmalte.
. A escada ainda está forrada com papel craft.
. O banheiro do quarto de hóspedes não comporta este casal espaçoso.
. Meu carro vai demorar quase 20 dias para ficar pronto.
. Meu carro-reserva é uma pulga cujo único feature interessante sou eu.
. Eu ainda fico meio aflita se o Diogo demora pra chegar.
. O lugar preferido do meu marido virou depósito de tinta e roupa fedida de pintor.
. Hoje fiquei sem luz mais de 3 horas.
. Eu não saio de casa antes das 4:30, porque (de novo) tenho medo que roubem mais alguma coisa.
. Meu banheiro está inteiro coberto com plástico preto empoeirado.
. Não treino há quase um mês.
. Sigo comendo mil calorias por dia, mas ontem descontrolei geral e comi pizza. Com certeza, o nome do descontrole era "pintor".
. Desde que roubaram a câmera eu só consegui ir ao médico uma vez.
. Todos os CDs da casa estão dentro de uma caixa plástica gigante e eu nem penso em guardar.
. Estou com a mesma blusa há dois dias, porque esqueci a chave e resolvi vestir a de ontem.
. Não importa para onde se olhe, haverá um rastro dos pintores.

Quer trocar?

sábado, setembro 13, 2008

Contando os dedos

O rostinho dele ainda sujo na sala de parto ainda não saiu da minha cabeça. Eu lá, na minha cesária, esperando que algo acontecesse enquanto o Sena ganhava mais uma corrida e o Galvão - que já era chato naquela época - gritava feito uma gralha na TV...e ele chorou! Aquele chorinho já era ele, e o rosto encostado no meu, tinha olhos que durante muito tempo estaríam enfeitando a minha existência.
Depois de algumas horas, ele veio para o quarto e a primeira coisa que eu fiz foi olhar bem para cada detalhe dele. Abri a manta, tirei o tip-top, quis saber se tudo estava no lugar. De brincadeira, contei os dedinhos. "Ufa...dez nas mãos e 10 nos pés. Tudo sob controle!"

Quinta-feira, 11 de setembro, (já sexta) meia noite e quinze:

- Mãe, eu bati numa pedra na Marginal, não sei de onde ela veio, mas o carro não liga. Arrancou a tampa do carter, não anda de jeito nenhum.

Droga...a gente ia viajar de carro amanhã, mas ainda bem que ele não se machucou...liguei para o seguro, acionei o guincho e o telefone tocou de novo.

- Mãe, ta meio perigoso aqui. Mais quatro carros bateram na pedra...pede pra eles virem logo.

Desliguei a ligação para continuar falando com o seguro, passei o telefone dele para que a moça entrasse em contato, liguei pra ele outra vez...não atendeu. Liguei pro CET pra eles irem pra lá, Liguei de novo pro Di:

- (gritaria..) caralho!!!

Meu coração gelou. Meu cérebro tentou, por alguns poucos segundos, me convencer de que era só uma confusão porque algum outro carro bateu na pedra, mas meu coração não se engana: alguém estava com o celular do meu filho naquela hora, e todas as cenas que eu vi e pensei quase me fizeram morrer.
Impotência! Impotência! Não tem como explicar um filho em perigo. Não tem como explicar que ele esteja em algum lugar que você desconhece, sofrendo, e você não esteja lá para colocar um band-aid, dar um beijo e dizer que vai passar. Não tem como explicar o ódio súbito de quem pode ter colocado as mãos nele, por um segundo que seja. Cada minuto é uma eternidade, cada passo de um lado para o outro é um caminho gigantesco, cada frase da oração que você não sabe parar de repetir é um terço inteiro, uma novena inteira, uma vida inteira, uma promessa, um compromisso eterno com deus ou quem quiser por favor trazer meu filho de volta pra mim. Foi horrível...a maior violência que eu jamais senti. Violência contra a minha alma!

Liguei para a polícia. Não queria ouvir que levaram meu filho. Tive medo de ser tratada com descaso. Tive medo de tudo. O policial me acalmou dizendo que o meu chamado já havia sido atendido porque outras pessoas tinham ligado, e várias viaturas estavam no local. Sim, a pedra foi plantada lá. Sim, era coisa de assaltante.
Perguntei pelo meu filho, o policial perguntou se meu carro era um picasso azul e deu a placa certa. Eu disse que era preto, mas era esse, e ele me informou que já estavam rastreando o meu carro. Mas calma! O carro não liga! "Ah...Então fique tranquila que não levaram seu filho. Ele vai entrar em contato logo." Tranquila? Não existe essa hipótese. Tranquila e filho na mesma frase, num caso desses é, no mínimo, erro de concordância.

O tempo passou arrastado e torturante enquanto o Cláudio foi tentar encontrá-lo, o Marcelo saiu de casa e foi também, o motorista do Cláudio bateu record ao fazer Carapicuíba - Alphaville em doze minutos, e eu não sei quantos recordes de pensamento e esperança eu quebrei. Fiquei em casa esperando alguma notícia, até que o telefone tocou de um número estranho e era ele! Ah! música nos meus ouvidos:

- Oi mãe...ta tudo bem, viu? eu estou com a polícia.

Ai...que dor! Que vontade de me transformar num para-quedas gigante e cobrir o mundo inteiro num campo de força tão poderoso que pudesse deixar todo o mal do universo longe dos meus filhos! Fiquei mais tranquila. Mas horas mais tarde, quando ele entrou em casa, eu queria abraçar e beijar, e conferir. Levaram o que ele tinha: dois celulares, a carteira com cinco reais, todos os documentos e um chiclete. Enquanto um assaltante revistou o carro, o outro fez com que ele se ajoelhasse de costas e manteve a arma na cabeça dele. Depois de pegar o que queriam, mandaram o Diogo correr...ele correu até o carro da polícia que estava chegando na outra pista. End of story.

Tudo acabou bem, pelo menos por enquanto, que eu ainda não sei se ele está bem psicologicamente (eu não estou). Mas o que eu quero mesmo dizer, é que certas coisas não mudam com o tempo. Se eu pudesse, teria tirado a manta e o tip-top, conferido parte por parte para ver se tudo estava lá, depois eu o enrolava bem apertadinho e ficava pra sempre com ele no colo.
Quando ele chegou, eu só queria contar os dedos.

Not a little cake...


importante:
1. atéia que sou, na hora do vamovê eu rezo!
2. a polícia militar de São Paulo, ao contrário do que dizem na TV, é educada, eficiente, extremamemte gentil e eu só tenho a agradecer.
3. a polícia civil de São Paulo tem um serviço de informação no telefone 197 que rocks! E a Delegada Malta da polícia civil é fodona e manda em policial metido que não quer fazer B.O.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Sobre Ex-Provolones Gigantes


22/11/2007 - Mercedes Gameiro toma uma atitude quanto ao seu tamanho incrivelmente avantajado, após experimentar 650 vestidos de avó de noiva, na tentativa de parecer ao menos meio decente numa cerimônica de casamento.

22/01/2008 - Mercedes Gameiro, com 5 kilos a menos, tá crente que tá abafando.

22/05/2008 - Mercedes Gameiro quase pede arrego quando seu peso resolve empacar num número impronunciável dizendo que "não baixa! não baixa! não baixa!"

28/08/2008 - Mercedes Gameiro escuta pela primeira vez o que ela já esperava: "agora chega,! Você era um mulherão e está ficando pequenininha!" Ha! chega nada!

08/09/2008 - Mercedes Gameiro mal se reconhece quando passa pelo espelho e morre de rir toda vez que vê o tamanho de sua própria cintura. Se diverte vestindo roupas que sobram e caem, e anda por aí toda se achando.

A saga do provolone ainda está longe de terminar, mas já é incrivelmente prazeiroso dar de cara comigo mesma, tão parecida comigo mesma antes de não ser mais eu mesma. Entendeu? Ha!


** foto meramente ilustrativa pra dizer: saca a finura do braço da pessoa....eeeeeee!

Meus poetas...

gente que parte sem nunca ir embora


Peu Xavier
*
Poesia estampada nos olhos.

ou são os meus?

*passou dois anos sentado atrás de mim numa sala de aula, abrindo a boca esporadicamente, me fazendo rir invariavelmente. Amigo inesquecível. Fotógrafo querido. Pessoa que não passa.


A tempestade que chega é da cor dos seus olhos...

- Oi.
- Nossa...saudade enorme!
- Nem me fala...achei que não fosse mais te achar.
- Eu também, mas isso não acontece assim.
- Não?
- Só se quiser. Quer?
- Nunca!
- Nunca...
- To aflita.
- Aflita como?
- Não sei, frio na barriga, parece que tem alguma coisa importante que eu não sei o que é.
- Sou eu.
- Hahahah!
- Frio na barriga tipo paixão?
- Não...paixão a gente sabe.

- Você se apaixonaria por mim?
- Um milhão de vezes, vezes mil.
- Mentira.
- Juro. Se desse pra escolher...
- Tipo prateleira de apaixonáveis no supermercado?
- Ahaha! Acho que na farmácia. Paixão ta mais pra remédio.
- Remédio amargo... a gente some anos da vida do outro. Ia doer mais do que curar.
- Eu sei, mas toda volta seria linda.
- Tá lindo agora.
- É.

- Faz um favor?
- Faço. O que?
- Se apaixona por mim? Agora?
- Não precisa.
- Precisa sim.
- Não...de um jeito eu sempre fui meio apaixonada por você.
- Foi nada, nunca me ligou e a única vez que disse que ia me encontrar, me deu um mega bolo.
- Ai, verdade...então acho que você nunca reparou.
- No que?
- Na paixão.
- Na sua? Claro que não, nunca existiu.
- Cego.

- Me diz quando.
- Quando o que?
- Quando você mostrou alguma faísca minúscula dessa paixão mocada?
- Eu não mostrei muito...eu só quase morria, só de olhar você.
- Quando?
- Quando não: quanto! Muito! O tempo todo eu te olhava pensando: "Ai ai...not fair..."
- Mentira, eu que olhava.
- Olhava nada.
- Aquele cabelão...
- Que que tem o cabelão?
- Nossa...um dia eu te mostro.
- Mostra?
- Mostro.
- Promete?
- ...
- Ok sorry.
- Não! eu só fiquei pensando...ia ser genial se você soubesse tudo o que eu pensei...e se me pegasse mesmo da prateleira da farmácia.
- Hmm...
- Sempre quis.
- Ai, não mente!!
- To falando, sempre quis.
- ...
- Me passei?
- Não.
- O que que é o silêncio então?
- Sei lá...passou tanto tempo...
- Passou. Passado...eu to aqui agora.

...


quarta-feira, setembro 03, 2008

Vão-se os Anéis...e parte da alma


Essa semana começou punk. Logo na segunda-feira eu descobri que minha máquina fotográfica foi roubada debaixo do meu nariz. Muito muito debaixo do meu nariz: de dentro do armário que fica atrás de mim na sala onde eu passo 15 horas por dia, todos os dias.
A minha câmera! Aquela que foi comigo para a Patagônia, Madrid, Barcelona, Aranjuez, Los Angeles, New York, Miami, Disney, Roma, Paris, Curitiba, fotografou natais, amigos, mãos, sorrisos, histórias...e esteve comigo aqui em casa, fotografando detalhes da minha vida que ninguém vê. Quando meu filho pediu a câmera emprestado, e vi que o case estava vazio, vazio foi o que eu senti. Em segundos eu vasculhei o cérebro perguntando onde ele escondeu a informação que estava faltando ali. "Eu emprestei para alguém? Eu levei para Curitiba e esqueci lá? Eu guardei em outro lugar?" Não tem como sair daqui com uma tele 300 sem ser visto!! Não tem? Tem! Tem se você for minha empregada ha 4 anos, tiver toda a minha confiança, for uma amiga sem tempo ruim, for alguém que faz parte do patrimônio da família. Tem!
E foi aí que um vazio maior ainda tomou conta de tudo. Eu perdi uma câmera? Nada...perdi muito mais. Perdi uma pessoa, outra vez. Perdi a esperança, outra vez. Outra vez eu criei uma cobra para me morder, e ela entrou na minha vida na pele de pessoa atenciosa e bem intencionada, pobrezinha e tão boa, dedicada e leal. Outra fucking vez!
Quando é que eu vou aprender?
Por que será que aos quase 47 anos eu ainda não aprendi a reconhecer essas pessoas assim que elas aparecem? Ok...não consigo ver (quando é comigo), mas então por que é que quando eu percebo o primeiro sinal de que a punhalada virá, eu não me livro da criatura? E por que depois da primeira punhalada eu ainda acho que as pessoas mudam e que nunca mais farão aquilo comigo? E por que mesmo falhando em todas as alternativas anteriores, eu ainda fico achando que posso aguentar o baque e resolver tudo sozinha, sem dor, sem incomodar ninguém, sem escândalo? Juro que eu não entendo.
A sensação de ser roubada dessa maneira dói na alma, como doeram todas as outras vezes em que percebi que estava sendo usada, que tanta boa vontade e lealdade não passavam de parte de um plano, que havia um interesse maior capaz de usar meus pontos fracos e o meu coração mole para obter o que a pessoa queria, que ninguém está acima de qualquer suspeita, e se chegar a estar, se colocou lá para poder tirar mais de mim.
Uma, há muitos anos, me tirou o que era meu de direito. Outro me tirou parte da alma, quase leva minha dignidade, meu amor próprio, e minha esperança de viver em paz. Outra levou algum dinheiro e uma máquina fotográfica. Nos três casos, eu permiti.

Cadê a terapeuta aquela para me analisar agora que eu preciso?


...