quarta-feira, julho 28, 2010

_mágica

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O mundo está em ordem -- nessa desordem natural que parece nunca ter fim -- os dias de caos e trânsito, as noites de sons assustadores, os humanos correndo de um lado para o outro como se soubessem onde vão. As guerras e a indústria de armas, os líderes criando mentiras escabrosas para justificá-las, o vizinho do terceiro andar chegando tarde, nas pontas dos pés, com cheiro de perfume barato; a moça da floricultura que escreve cartões que sonha receber, a menina dormindo sobre o papelão que sonha com um cobertor, com uma casa, com uma mãe...
Tudo parece feio. Tudo parece sujo. A solidão das pessoas é latejante e eu tropeço nela a toda hora como se fosse um sapato jogado no meio da casa. Meus amigos procuram alguém. Minhas amigas procuram alguém. As pessoas se desencontram todo o tempo...se procuram tanto que não se enxergam, se olham mas não se vêem. A lista de exigências para o parceiro perfeito parece vir impressa num manual mais pesado que o mundo. São regras novas. São regras burras. É um medo de amar, de se entregar, de mergulhar em um lago seco...E os lagos secam mais, quanto mais se criam regras, como a roda da fortuna girando ao contrário, condenando a humanidade a andar sozinha, triste, testa franzida, roupa provocante, travesseiro encharcado de lágrimas. 
Creia, há mais travesseiros sujos de rimmel hoje do que jamais antes na história das máquinas de lavar que nunca param de bater. Há mais lençois sujos de sexo do que de amor secando nas lavanderias dos hotéis. Nem mesmo nos bordéis a falta de esperança foi tão enormemente arrasadora. E o mundo segue em seu caos de solidão: solidão acompanhada, solidão na fila do caixa, mesmo quando alguém se aproxima e toca sem querer o braço da moça que chorou sábado à noite, ou segunda cedo, quando viu que o moço não ligaria e ela não o veria outra vez.
É triste assistir a isso quando não se é sozinha. Será que os outros percebem? Será que a dor dessa tristeza dói nos olhos de quem passa correndo pelo homem no ponto de ônibus, que vai até o ponto final, onde fica o seu quarto de pensão de paredes encardidas, pintadas com tinta óleo verde, e o porta-retratos com foto dos filhos que ele não vai mais ver?
Será que a mulher que ri alto esmagada entre os passageiros não ve que talvez ele precise da alegria dela?
Não sei. Só sei que quando, no meio do dia, eu escuto a voz que eu gosto e ela me diz três palavras pequenas, minúsculas, quase nada...toda a dor do mundo me deixa, eu esqueço que a roda da fortuna girou ao contrário, esqueço a menina e o papelão, as fronhas e as lavanderias, as regras, o rimmel, as amigas solitárias, esqueço o sangue derramado do soldado que queria voltar para casa. 
"Vem cá, vem?" -- e tudo o que sou se revela num sorriso imenso, que se dividido em pequenas partes, seria capaz de curar a solidão do planeta.

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_diálogos

A pessoa que vos fala e seu próprio filho no Facebook, hoje, discutindo uma matéria sobre a possível não existência de dragões:



Diogo: Mom, are they saying that dragons didn't exist?

Mercedes: scientists know nothing, honey. Now take off your armor and your sword and go to bed. It's late. 

Diogo: can I keep the helmet on, please?

Mercedes: ok...but don't use it in the shower. 

(...)



Sim..minha família é normal.

segunda-feira, julho 26, 2010

_sobre presentes


Confesso: eu sou romântica. Romântica não, intensa. Intensa e persistente. Não sou muito boa com rejeição, sabe...No início ser rejeitada me fazia sofrer muito. Mais tarde passou a ser um desafio bom. Aí você junta o romantismo latejante da pessoa, com uma grande - quase insurportável - carga de intensidade e uma persistência ferrenha, e o resultado é sempre lindo. Pros outros.
A junção dessas coisas me fez acreditar que eu sou o homem da minha vida. Se eu fosse criar um Frankenstein pra chamar de meu, ele teria que ter o meu DNA e aprender tudo comigo antes que eu pudesse pular pelo sótão gritando: "HE'S ALIVE! HE'S ALIVE!"
E ele seria o namorado perfeito. Romântico sem ser chato. Presente sem ser stalker. Engraçado - sem achar que eu vou rir de piada de pum. Teria seus amigos, seu bar, seu poker/futebol/banda/whatever, só  pra não ser um grudento chato, mas não sem vir me ver no final da noite. Ele ligaria, escreveria, mandaria mensagem, sem se preocupar se está sendo disponível demais, se eu vou achar que isso ou aquilo, sem se preocupar se eu vou querer casar com ele amanhã de manhã ou estragar algum plano que só ele conhece. Mas, principalmente, ele saberia me presentear. 
É... porque eu não conheço alguém que saiba dar presentes como eu sei.
Eu conheci um único homem capaz de presentear como eu. Durante o pouco tempo que estive com ele, ganhei coisas sem nenhum valor financeiro, todas incríveis, com histórias incríveis e efeito (em mim) igualmente incrível. Você pode saber um pouco mais sobre isso aqui, se quiser, embora haja um pouco de ficção misturada à realidade: Coisas da Vida #5. MAS DEPOIS!

Por causa de uma conversa hoje à tarde, resolvi lembrar alguns presentes que dei. Vou tentar passar o perfil do presenteado também. Quem sabe assim, o efeito do presente fique claro para quem ler.

. Namorado #1. 
Tremendo problema. Grego, vaidoso, mentiroso, daqueles que gostam de fingir mais grana do que têm, mais poder do que um dia terão, mais segurança do que um deus do Olimpo. Presente certo, porém erradíssimo. Fique claro que eu só tinha 18 anos e era burra. Vítima perfeita. Mesmo assim, usei todo o meu salário para comprar uma caneta Cartier incrivelmente maravilhosa e, surpreendentemente, não brega, para ele.
Plim! Roda o painel luminoso: ponto para mim. Durante um ano ele ficou ao meu lado, fingindo ser um grande homem e depois foi embora levando a caneta. Mas o vi trocentos anos mais tarde, quando ele apareceu na missa de sétimo dia do meu pai, parou na minha frente sem dizer uma palavra, me abraçou um abraço de trinta anos, me olhou com aqueles olhos indecentemente azuis e sorriu. No bolso do paletó, aposto, uma caneta Cartier.

. Pretendente #2. 
Não era um namorado. Nunca foi. Era a coisa mais linda que eu vi em toda a minha existência...talvez a segunda mais linda. O rosto mais perfeito, o corpo mais incrível (mentira, ele era baixo e eu hoje não posso me imaginar com um homem baixo), a coisa mais deliciosa de carinhoso, de atencioso, de nhenhenhe, mimimi, cuticuti e outras fofices ridículas. Não me dava a menor bola. Dava, mas fugia. Morcego: mordia e soprava, não sabia se vinha ou ia...uma tragédia. Vaidozérrimo, queria que o mundo acabasse em espelho porque niguém jamais seria mais bonito, cool, bem vestido do que ele. Hoje eu diria que ele era gay. Mas eu não sabia nada naquela época.
Um dia, peguei uma foto dele e fiquei olhando...bingo! o que poderia conquistá-lo que não ele mesmo? Com essas mãozinhas habilidosas eu fiz um cartão vermelho -- que eu devia ter guardado proque era uma obra prima -- que quando aberto mostrava ELE. O texto eu não lembro direito, mas mandava que ele abrisse o cartão para ver a coisa maravilhosa que eu havia encontrado e queria para mim. Para acompanhar o cartão, um vaso com um pé de morangos, com morangos. Morangos maduros, cartão vermelho, vaidade ativada. Plim! Piscam as luzes, fogos de artifício: recebi uma visita surpresa aquela noite. E algumas noites seguintes. Depois ele se foi...absorto pelo espelho que não podia parar de refletí-lo.

. Amor literário #3. 
O correspondente dos anos 80 para o amor virtual de hoje. Inatingível. Eu o conheci na hora errada, numa agência de publicidade do Rio, no momento mais absurdo que uma mulher pode conhecer um homem e pensar em qualquer coisa além de apertar sua mão e dizer até logo. Não foi bem assim. Foi meio sofrido, mas eu respirei fundo e esqueci sua existência. Ele era intelectual, brilhante, escritor, brilhante, interessante, brilhante...eu já disse brilhante?
Bom, esqueci a existência da criatura, até o dia em que já era permitido lembrar. A vida é hilária -- de um humor de péssimo gosto -- e fez com que eu fosse trabalhar na mesma agência, só que em outra cidade. Havia uma forma precária de comunicação naquela época chamada malote. Todos os dias, saía um malote para o Rio e vice  versa. Foi aí que começou o romance literário. Cartas via malote. 
Mas eu tenho essa mania de confeccionar coisas (tinha) e de tempos em tempos eu fazia algum cartão absurdo. Uma vez ele me chamou de bruxa...disse que minhas palavras encantavam e isso só podia ser bruxaria, e eu fiz um cartão que incluia uma vassoura, uma foto minha, as palavras dele...e ai ai ai. As cartas dele eram meio lights. As entrelinhas eram perigosas, mas o contexto geral era sempre cuidadoso. Mais uma vez, era alguém bem mais  velho do que eu, que parecia saber onde estava pisando e pisava em ovos, enquanto eu - inconsequente - queria mais era sapatear e dançar uma rumba em cima da granja. Muito bem...e o presente? Uma semente. Uma pequena semente vermelha oca,  tampada com um minúsculo elefante esculpido em marfim. Dentro da semente, deveriam estar 12 micro-mini-elefantes esculpidos na polpa da própria semente. Cada elefante daria direito a um desejo. Eu roubei onze. Deixei dentro da semente apenas um elefante - um desejo - e o desejo era meu. Coloquei a semente dentro de uma caixa minúscula de vidro e mandei junto o manual de instrução dizendo que aquele era o meu desejo. Que ele poderia usá-lo ou jogar fora, ou guardar para sempre com ele. 
Ponto pros dois! Bruxa!
Mais tarde, mas não muito, eu soube que ele trocava as cartas. Escrevia, colocava no malote, depois corria la e trocava por alguma coisa mais leve, menos comprometedora, mais tranquila. Mesmo assim nos correspondemos por alguns anos. E nos encontramos. E ficamos juntos. E depois ainda nos tornamos amigos. Eu ainda tenho todas as cartas, eu ainda falo com ele, e nosso romance por escrito foi uma das coisas mais bonitas que eu vivi. Ele ainda tem as cartas, ainda me chama de Mercedita e ainda diz que eu sou uma bruxa.

. Amor inexistente #4. 
Não, ele não existe. Ele é alto, ele é grande, ele surfa, ele tem olhos azuis, pele bronzeada, cara de Marlboro man. Ele é dourado. O trabalho dele é fascinante, o humor dele é fascinante. É um mix de gentileza extrema e sarcasmo, ele é ácido, ele é romântico, ele é tão impressionante que só podia mesmo ser de mentira. Ele canta, ele toca guitarra, ele dirige um carro enorme, ele te pega no colo para você não pisar na água, ele esconde a chave do seu carro e diz que perdeu, só porque você bebeu; depois ele leva você para casa e no dia seguinte seu carro aparece na sua driveway, a chave na sua porta e ele já pagou as suas multas. Traumatizado por um divórcio que o deixou zerado, ele tem medo de compromisso, mas não sabe não amar profundamente. Ele viaja demais, vive na estrada, encara vendavais e tempestades com a coragem de um gigante...mas tem a docilidade de um menino. Ele desaparece por anos, como se tivesse esquecido você, e quando volta é como se tivesse dado boa noite ontem, com um beijo, antes de dormir ao seu lado. A frase preferida? "Estamos sob a mesma lua."
E o presente? Um zippo. O único isqueiro que acende no vento, na chuva, na água. Aí você vai dizer que isso nem é um presente especial. Não, não seria se eu não tivesse mandado imprimir a lazer, em letras escuras, os dois lados do zippo. De um lado: "me under your moon". Do outro: "you under my moon". E não, se ele não tivesse ido ao banheiro e na volta, eu não tivesse pedido fogo, e ele não tivesse achado o zippo em  cima do Marlboro vermelho, e olhado para ele sem entender o que estava vendo, e não tivesse sorrido com os olhos cheios de lágrimas, e não tivesse acendido o meu cigarro, dado a volta na mesa e me beijado do jeito que beijou. Não seria especial se ele pudesse me esquecer. Não pode. O Zippo não deixa. E se deixar, a lua vem e estraga tudo.

. Amor proibido #5
Eu não podia namorar aquele moço. Eu tinha 19 anos, ele 32. Ou era 34? Não lembro. Ele um intelectual, eu uma menina. Ele me constrangia. A presença dele era grande demais e eu um grande nada em formação. Mas ele queria e eu deixava rolar. Fazia bem para o meu ego recém descoberto que o moço cool, no auge da carreira, olhasse para mim. Era como ter quinze anos e desfilar por aí com um livro da Simone du Bevoir autografado, embaixo do braço: fazia de mim uma intelectual precoce. Até aquele momento, eu era o brinquedo, ele era o ábil manipulador de marionetes. Mas aí chegou o aniversário dele, e não era exatamente fácil agradar um homem com o gosto refinado dele, cuja casa tinha obras de arte por todos os lados, livros autografados por amigos famosos, e uma discoteca (sim, estou falando dos tempos do vinil) que ocupava uma parede inteira. Mas o que eu tinha a perder, fora uma parte do meu salário do mês e algumas horas procurando o presente perfeito? Foi assim que, muito antes de alguém pensar em juntar vários DCs num box, eu comprei toda a discografia dos Beatles, juntos e separados, disco por disco, single por single, e mais alguns discos de nomes importantes que gravaram Beatles em algum momento da carreira...coloquei tudo numa grande caixa, embrulhei para presente e fui entregar.
Ele também foi embora. Mas eu que mandei.

E tem mais. Tem muito mais, mas eu estou com preguiça, e algo me diz que se eu me extender mais você também vai ficar com preguiça de ler. Mas tem um piano que chegou junto com uma cesta de café da manhã. Tem um anel gravado com um mantra mágico de amor eterno (que eu espero que tenha sido jogado num rio a essa altura do campeonato). Tem um money clip com o primeiro dolar simbólico de uma viagem sonhada. Tem um escaravelho egípcio que viajou meio mundo para dizer a alguém que aquele era o meu coração que mudou de lugar. Tem um pedaço do meu tempo, da minha vida e do meu pensamento em cada presente que eu dei para alguém a quem eu amei eternamente, mesmo que por pouco tempo. Por que como eu já disse uma vez "amar profundamente é a maior das verdades passageiras".

quinta-feira, julho 22, 2010

_80's

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Outro dia eu comentei com alguém que eu não gosto dos anos 80. Ele me perguntou por que e eu fiquei meio com preguiça de responder. Teria que voltar no tempo e repensar milhões de coisas. Não havia nem tempo nem razão para tanto...e numa resposta rápida eu seria leviana, deixando para trás coisas importantes como, por exemplo, os pontos positivos dos meus anos 80. Sim, os meus, porque os dos outros eu não sei.

Então, tudo começa com a música. Não toda a música, mas o festejado Rock Brasileiro dos 80. Eu não gosto. Já não gostava naquela época, hoje quando não tenho saída e acabo indo numa daquelas festas que acabam com uma banda meia boca ou um DJ executando uma seleção "sou-engraçado-e-você-se-diverte-com-qualquer-merda", eu chego a pensar que a vida numa caverna deva ser mais interessante. Não acho a menor graça em dançar Ursinho Blau Blau e Balão Mágico, odeio a Xuxa e suas próximas vinte e cinco gerações de descendentes, e eu não era criança nos 80 pra lembrar dessas músicas com o menor carinho. Ah...mas eu estava falando do Rock dos anos 80...claro. Rock...Blitz? Paralamas? Três neguinhos tocando mal e um cantando pior? "Eu e minha gata rolando na relva, rolava de tudo"? "Eu não matei Joana D'arc"? Ah me poupe. Eu detestava tudo isso.
Tá, primeiro é preciso explicar que eu era bicho grilo. Sim sim, poncho e conga. Não, espera...são 10 anos de anos inteiros, que começaram quando eu tinha 18 pra 19, terminaram quando eu tinha 29. Como afirmar que eu era bicho grilo? Eu usei alpargata e camiseta do Solidarnosc, depois usei calça jeans justérrima com salto alto e camisa, muito lenço no pescoço (em 2010 eu ainda não tirei os trapos do pescoço), usei ombreiras imensas, fui uma jovem senhora de saia e stiletto, fui de tudo em 10 anos.  Cantei MPB em teatro universitário, fui a um sem número de shows ruins de amigos talentosos. Comecei a década com a MPB que já estava nas veias e não tinha como fugir: Chico, Caetano, Milton, Elis, Gal, etc, claro que Beatles, Rolling Stones e Doors, Janis Joplin e outros já vinham de antes também...passei por The Police, U2, Queen, Eric Clapton, Nina Simone, Genesis e os eternos (não gostava de Led Zeppelin); depois Talking Heads, Laurie Anderson, Annie Lennox, Bruce Springsteen, Bob Geldof, David Gilmour...eu era normal. Mas não tinha como ouvir Eric Clapton e depois deixar o Marcelo Nova ou o Roger entrarem nos meus ouvidos. Não tinha. E eu odiava Legião. Só consegui prestar atenção nas letras do Renato Russo quando alguns outros cantores regravaram, num ritmo mais lento e um arranjo menos irritante. E tinha Cazuza...mas Cazuza eu gostava. Não dá pra comparar. Sem falar que a música dance dos 80 (não todas) tinha uma batida que até hoje me faz achar que é alguma brincadeira de um músico que resolveu curtir com a cara da humanidade.

Então esquece a música. O que foram os anos 80?
Vou ter que contar numa timeline de amores: Comecei com um namoro escondido, com um homem 12 anos mais velho que foi fundamental na minha formação intelectual, mas tive que largá-lo quando, em pleno carnaval, ele usou as frases "guinada na vida", "sentir segurança" e "construir juntos" no mesmo texto. Troquei de namorado.
1983
Me casei em 1983 com meu namorado de dois anos, ou um pouco menos, não lembro. Tive um filho lindo, e uma vida linda -- e curta -- com os dois, cheia de ideais telúricos e revolucionários. Uma vida cheia de música e talento transbordante. Não, eu não casei grávida. Me separei em 85.
Como sempre, meu nome era trabalho. Comecei a trabalhar aos 13 anos e não admitia a hipótese de mudar isso. Era RTVC na filial curitibana de uma agência paulista naquela época, cuidava da casa, do filho, do trabalho, de mim. Como sou impaciente, não esperei que meu ex saísse de casa: peguei minhas trouxinhas, meus livros e discos e voltei para casa dos meus pais, o que não foi legal. Depois namorei quase três anos com um homem com quem jurava que eu ia casar, e mudei de agência. No final deste período de  três anos, tive uma decepção estapafúrdia com ele - quando precisei que ele fosse um homem, ele foi um menino - e o maior amor do mundo se esvaziou em um mês. Neste momento eu ganhava bem, não tinha porque morar com meus pais, me mudei para um apartamento com meu filho, e trabalhei muito mais. Trabalhei e namorei muito mais, até que a história foi mais complicada, vou até mudar de linha pra contar.

grávida em 1984
Conheci o moço antes de casar. Ele era o amigo novinho e lindo do meu padrinho de casamento. No meu casamento bicho grilo, ele tocou uma música que eu nunca vou contar qual era, porque uma coisa é eu dizer que eu era bicho grilo, outra coisa é vocês conseguirem mensurar a bicho grilice da pessoa. Bom, ele tocava muito, cantava incrivelmente bem e não era lindo. Não. Era um deus. A beleza dele era incômoda de tão incrivelmente linda, e o jeito que ele me olhava doía na alma. Mas isso eu só vi depois. Fato, duranto o tempo em que estive casada, só vi esse moço poucas vezes, quando vinha do interior -- sim eu tentei aquela coisa linda de ser dona de casa e deixar o marido comandar a vida, e criar meu filho num lugar verde e livre, ar puro e blablabla...por menos de seis meses -- então eu saía com os amigos para tomar um pouco de poluição e cerveja. Sempre que eu ia pra Curitiba, meu próprio marido ligava para todos e pedia pra me socorrerem. Sim...e o moço-deus estava sempre lá me olhando. Ele casou também e teve uma filha. Então, faz as contas ali em cima, me separei em 85, depois namorei mais dois anos e meio...e foi quando o moço-deus reapareceu, trabalhando comigo na agência, como fotógrafo. Susto no corredor quando o vi pela primeira vez. Susto número 1: o que esta criatura está fazendo aqui? Susto número 2: a que horas ele ficou tão bonito que eu não tinha visto?
Aí põe o papo em dia, eu no estúdio fotográfico, ele na minha sala, eu infeliz com o namorado que virou menino, ele saindo de um casamento recheado de histórias dramáticas...receitinha básica para confusão.
1986
Como estava escrito nos planos dele desde o dia que me conheceu (nem vem agora dizer que não, porque me contaram), pa-buf! Ficamos juntos. Ele era de uma cara de pau tão incrível, que foi morar com o meu ex-marido quando se separou, pode? E, devagarzinho, foi deixando uma pecinha de roupa, um livro, um disco...na minha casa. No final de seis meses eu tive que explicar para ele que aquela era a MINHA casa, e aquele era o MEU armário, que o quadro da sala era MEU e ele não podia mudá-lo de lugar, porque a sala também era MINHA. E, principalmente, que ele tinha que procurar um lugar para morar de verdade. Mas era lindo...assim...em tudo. Eu tenho ainda impressos na memória vários retratos incríveis e cenas impressionantes dele. Unforgettable. Se eu tivesse uma prateleirinha de troféus, ele teria lugar de destaque. Hoje é um bom fotógrafo e continua lindo igual.
Pois então...menos um.
Depois dele eu resolvi que tinha que parar de me apaixonar. Pelo menos tinha que parar de me apaixonar por pessoas frágeis que dependeriam de mim para existir e crescer, e que eu deixaria de admirar em tempo récorde, acabando por usar a ponta da bota em suas lindas bundinhas. Então me coloquei de castigo.
Comofas? Faz assim: você se deixa engordar um pouco (naquela época REALMENTE pouco) se tranca em casa depois do trabalho e escreve, escreve, escreve, sonha, sonha, sonha, e não convive com ninguém. 
Mas a vida não é bem assim. Eu sou antes de tudo um ser social que faz amigos de graça por esse mundo de meu deus. Em pouco tempo, eu tinha um novo grupo de amigos - fora os sempre fiéis que conheci nos lugares por onde passei. Logo as tentações me rondavam mas eu fui firme. Não deixei ninguém se aproximar o bastante para que eu me apaixonasse. Assim, segui até o final dos anos 80 sozinha.

Me e Diogo e a vuvuzela dos 80's
Aí eu pergunto: os 80 foram ruins? Não...não foram. Foram ricos em acontecimentos, paixões, uma criança crescendo a minha volta, realização profissional, e muito mais. Mas foram também anos de estar perdida. Eu troquei de estilo, de grupo de amigos e de namorado, o tempo todo. Isso é um sinal de que eu era uma barata tonta. De 1980 a 89, eu não sabia exatamente quem eu era, a não ser profissionalmente. Profissionalmente foram os anos decisivos para que os 90 pudessem chegar e  mudar tudo radicalmente. Mas até lá, eu estive no escuro. Sabia que era forte. Sabia que era uma super mulher capaz de suportar fardos nunca antes imaginados. Sabia que queria saber mais, pesquisar mais, estudar mais, mas estive de olhos vendados para o futuro -- coisa essa que eu não podia imaginar como seria. Futuro era uma coisa distante, que fazia minha inner bússola enlouquecer. Era mais fácil andar um pouco todos os dias como a vida me permitisse, do que traçar um caminho. Eu simplesmente não sabia para onde ir. Tinha em mente que minha profissão era prioridade, porque ela era o que permitia que meu filho tivesse uma vida decente, e ele sim, era a prioridade máxima. Todo o resto não importava.
Mas os 90 chegaram...no início eu fiz umas bobagens bem grandes, mas logo a bússola passou a funcionar...e eu cheguei aqui.

É isso. Sempre que alguém morre de saudades dos anos 80, eu torço o nariz por isso: bússolas.


Bom dia

Essa timeline é falha. Contei o que foi importante mas existem dezenas de paixonites, casinhos e coisas que não se conta, ali nas entrelinhas. Os anos 80 foram responsáveis pela teoria das minhas amigas da época, de que existiam 4 homens para cada mulher em curitiba e todas elas estavam solteiras por minha causa. #maldade!

terça-feira, julho 20, 2010

_queria

queria deletar teus textos
engordar trinta quilos
dormir trinta anos
perder o tempo
não ver sumir o homem que eu queria tanto

não ver passar

queria ser bonita --
tão generosa
bondoza
entender teu ponto
te dar razão
encontrar meu equilíbrio e te dar de presente
queria ser perfeita

mas não sou

queria cavar um buraco
trinta metros abaixo dos trinta dias
que tive pra te perder
me deitar dentro dele
me esfregar na lama
de raiva
de ódio

de medo

queria te achar patético

não sentir saudade
não lembrar teu cheiro
queria não querer teu resto
tuas migalhas
nada que seja teu

mentira
não queria nada

queria deitar agora
cabeça no teu peito
teus pelos
teu cheiro
depois acordar nos teus braços
morrer nos teus beijos
e fim

segunda-feira, julho 19, 2010

_iansã e oxóssi

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"Ele é filho de Oxóssi, tu ta perdida, filha...é filho de Oxóssi".
Como ela poderia saber de tão longe? E ainda mais longe estava essa outra cultura, que não traduzia nada em referências que ela pudesse entender. Era só mais uma informação. Ela sabia seu signo -- mas o que importa se ela nem acredita? -- Sabia o nome, o sorriso, a cor do carro. Acho que só. Talvez a preferência escancarada por alguma cor de camisa, mas sabia tudo antes.
Ela deu com os ombros como se ele fosse primo distante de alguma amiga de infância -- nomes que vivem longe, coisas nada palpáveis -- e seguiu com a vida sem olhar os sinais. Mas toda vez que ele franzia a testa ela sorria. Toda vez que as sobrancelhas se juntavam, ela sabia que queria mais daqueles pensamentos, queria mais daquele perfume, queria muito mais.
Orgulho. Era meio que isso: orgulho, como se ele fosse dela, sabe? Dela desde sempre, mesmo que não existisse semanas atrás. "Meu", ela dizia, sem saber porque. E todo gesto dele, todo olhar para o lado, toda gentileza, era um orgulho grande, uma alegria besta, como se fosse dela.
"É Iansã...tua mãe não te deixa largar um home desse".
"O que?"
"Filho de Oxóssi te vira do avesso, filha, faz de tu o que quer...não tem como tu largar." 
"Ele me larga, eu sei."
Frases tão sem sentido...
E foi levando a vida como se fosse assim, antes mesmo dele aparecer. Esperava por tudo,  menos por ele -- só sabia o nome, o sorriso, a cor do carro.
Queria ter entendido quando dava tempo, antes de ver a pele pegar fogo. Queria ter ouvido antes de provar o gosto. Mas não. 

E foi assim que tudo ganhou outra cor: Iansã e Oxóssi -- e a vida do avesso.
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terça-feira, julho 13, 2010

_fogo

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ela vira de lado fingindo dormir 
mas não há vestígio de sono em qualquer orifício de seu corpo
queria apagar
mas a carne dói uma dor que é forte
domina a sanidade
leva embora o sossego
embrulha o estômago. 

ela abraça o travesseiro extra como se fosse a última pedra antes da cachoeira
é vertiginosa a queda quando o desejo não cede
é sangrento o tombo quando a lucidez é frágil

a cada fechar de olhos uma imagem mais dura
as mãos dele em outro corpo
a boca dele em outra pele
o sorriso dele em outros olhos

encolhe as pernas então
esconde a cabeça no edredon
guarda o gosto dele no fundo morno da boca
procura a última lembrança
                                  ...as luzes
                                  ...a madeira fria nas pernas
                                  ...o toque liso na língua

a cama
em chamas
a consome

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domingo, julho 11, 2010

_freeze (mais do mesmo)

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"maybe i'm amazed at the way you pulled me out of time, hung me on a line. 
maybe I'm amazed at the way I really need you"

"Café?"
"Isso...um café e só. E a gente fica amigo pra sempre."
Mentiras, mentiras...
Não mentiras graves. Só mentiras de auto-defesa. Não tinha como pensar de outra forma quando os dois estavam morrendo de medo do que encontraríam. Não...mentira de novo. A verdade é que ela estava morrendo de medo de ser rejeitada. Difícil lidar com isso depois de tanta expectativa, tantos finais imaginários.
Café. Que mal poderia haver num café em lugar público? Em caso de ficar sem graça, olhar o movimento seria uma solução. Em caso de susto, quem sabe entrar numa loja, sair de fininho, sei lá. Em caso de rejeição extrema, tem sempre um banheiro por perto para trancar a porta e morrer de chorar.
Café.

"So I look in your direction, but you never even see me, do you?"
Assim que ela virou a esquina do estacionamento, cantando Shiver (da banda que ele nem gosta), com o vidro do carro aberto e a certeza de que ele jamais apareceria, deu de cara com o que seria ele: dois palmos mais alto e cinco vezes mais impressionante do que ela imaginou. Mas no que isso poderia importar quando ele já era impressionante antes, pelas coisas que dizia -- e como as dizia --, pelo sorriso encantador e o olhar delicioso que ela já sabia de cor?
Foi instantâneo.
Num estacionamento aberto, através de milhares de carros e uma multidão de pessoas, os dois se reconheceram imediatamente. Medo. Muito. E os sorrisos rasgados foram como um reflexo natural inevitável -- uma martelada no joelho e a perna pula -- assim.
Ela baixou o volume, parou o carro ao lado dele:
"Vou procurar uma vaga."
Ele entrou no carro, ela estacionou, desligou o motor, olhou para ele. E agora? O sorriso aberto e as duas mãos seguraram seu rosto, em seguida uma delas se aventurou a desbravar sua cabeleira. Ela estática, não sabia para que lado se mexer ou o que fazer agora. A mão macia em seu rosto a impedia de pensar...Ele fechou os olhos e deslisou o nariz pela pele -- testa, face, nariz, boca, queixo, pescoço -- respirou fundo como se a tragasse inteira para desaparecer numa névoa torpe de desejo. Fascinada, ela deixou que seu perfume o tomasse, o agridisse, o arrebatasse. Olhos abertos dentro dos olhos, e ele se movia de um jeito que ela esquecera se vivia ou não. Nem um beijo. Nada. Apenas a pele na pele, a mão nos cabelos, os cabelos no rosto, a voz no ouvido: "você é real...e agora?"
Real. Bem mais do que real. Era o que ele era. Totalmente irreal era o que parecia ser aquele carinho todo, aquele desejo todo. Ela hipnotizada, ele bêbado de cheiros. E todos os indicadores de que o mundo existia, se apagaram como mágica.
O beijo esperado. Não. Espera. O beijo esperado seria um simples beijo bom e nervoso na boca. Não foi bem assim. Daquele instante em diante não havia fronteira entre as bocas e o infinito. O beijo foi um beijo inteiro. A língua morna percorrendo o mundo a passos lentos e molhados, desligando o tempo e deslocando o eixo da terra. O ritmo dos planetas e dos corpos mudou, o big bang implodiu e inexistiu em milhonésimos de nano-fragmentos de vazio, e tudo parou.
O beijo. Um beijo. As mãos. Os cheiros. A voz: "eu sempre soube que era pra sempre."

Sempre, sempre foi um instante infinito roubado da alma do tempo.

...

_fragmento de tango

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Hoje, por causa de uma euforia no Twitter sobre minha novela de 2006 - Um Tango para George, talvez a bobagem mais divertida que eu jamais escrevi - acabei relendo o Tango inteiro e achei que deveria relembrar essa parte (fora essa tem o diálogo do Viagra que é demais, mas fica pra depois).
Antes, quero dizer que quando eu releio coisas antigas, tenho a impressão de que eu psicografo. Não lembro de ter escrito aquilo e fico tentando entrar na minha cabeça daquela data, para saber que mecanismo maluco me levou a pensar sobre aquilo, naquela hora. É gostoso... e sempre me surpreende.
Anyway, aqui vai um trecho de texto que eu gosto, sobre um assunto que eu gosto.


(...)
De qualquer maneira, estou autorizada a dizer que Lívia estava feliz. Seu sorriso era maior do que aquele que encantou George no primeiro dia. E George sorria como um menino que ganhou um autorama.
Homens sempre têm esse ar depois da conquista. Dependendo da pessoa envolvida, o autorama pode ser maior ou menor. Mas essa é mais uma diferença grave entre homens e mulheres: após o sexo, na primeira vez com alguém que quer muito, a mulher tem a expressão da princesa que acaba de ser coroada rainha. Ela tem agora um império para comandar. Seu sorriso é plácido e ela é soberana. Por isso seu tombo geralmente é doloroso ao perceber que o império não existia. Um dia ela é rainha, no outro mendiga! Sente-se usada, derrubada, invadida e esfarrapada. A última mulher moradora nas ruas num filme medieval sobre príncipes e plebeus. A conclusão - "ele só queria isso!" - é o pior de todos os pensamentos que podem atravessar o cérebro de uma mulher. Até porque é o coração que ele atravessa. Há tempos que as mulheres tentam fazer de conta que são capazes de querer só sexo. Mas este é um trabalho para a medicina genética, não para seres isolados.
Já os homens, ganham autoramas. Autoramas e ferroramas existem aos montes por aí. Impérios não. Logo os homens não caem. Eles só imaginam que o autorama veio com defeito, desdenham e deixam de desejar. Hum... Ou pelo menos esta é a visão de uma mulher um pouco mais intensa e dramática.

Voltemos então aos nossos outros impérios e autoramas.

Lívia já não via George como celebridade suspeita. Ela já havia parado de procurar e apontar os defeitos dele. Agora era a hora perigosa para Lívia: a contemplação que é sempre seguida de paixão contundente. Ela já não estava nua deitada ao lado do ator cuja beleza e talento ela sempre achou discutíveis. Agora ela estava nua, deitada ao lado do homem mais encantador e carinhoso que conheceu nos últimos anos, "... nas últimas vidas".

Silêncio na belíssima e espaçosa suíte do hotel cinco estrelas em Buenos Aires. George dormia. Lívia vivia aquele perigosíssimo momento pós-sexo, em que toda mulher deveria levantar-se da cama e ir fazer outra coisa, qualquer coisa. Ele dormia enquanto ela vigiava seu sono, analisava seu rosto, acompanhando o leve movimento de seus olhos, decorando as linhas de seus lábios, ouvindo a sua respiração. Armadilha! Arapuca! É neste momento que uma mulher se apaixona. Puro instinto materno! Quem inventou esta coisa do homem precisar dormir depois do sexo, sabia o que estava fazendo. Lívia caíra nesta armadilha milenar. Estava dentro da rede, pendurada de cabeça para baixo na árvore, e nem pedia socorro! Todos os seus pensamentos, ao passar a mão nos cabelos de um George adormecido, poderiam ser traduzidos assim: meu amado, meu império...sua rainha vai cuidar de você.

Relógios sem ponteiros. Mundo sem telefones. Vida sem compromissos. Universo sem bússolas. Entre cochilos profundos, palavras sussurradas, pernas entrelaçadas, abraços sonolentos e sorrisos involuntários, o dia passou tranqüilo. Uma cama em Neverland. Não havia vida fora do pequeno império de Lívia e George.

- Hey... Acorda... Tem uma mulher linda na minha cama.
- Hm... Diz pra ela ir embora que você é só meu.
- Boba... Tá com fome?
- Morrendo.
- Vamos sair pra jantar?
- Só se você me der um beijo.
- Só se você me der um banho.
- Também quero.
(...)
Arapuca...eu também acho. Interessante essa teoria de impérios e autoramas. A gente devia aprender isso na infância.
Bom dia pra você que acha que controla as coisas.


quinta-feira, julho 08, 2010

_na caixinha

Eu estava errada...eu estava certa...
A vida me traz surpresas que são velhas novidades.
Eu quero não saber exatamente o que está dentro do pacote, mas eu sei.
Me afasto querendo achar que nada do que vejo é bom.
Dou as costas, querendo a certeza de que não vale o risco da decepção.
Mas lá vem a vida, entregar em minhas mãos o presente perfeito.
E quando puxo a última fita, quando solto o último durex, a surpresa maior não é o que há lá dentro, mas o que eu sempre soube.
Como eu sabia, como eu queria, como eu senti quando desejei...
Sou tomada pelo perfume mais doce...pelo gosto mais delicado...o toque mais preciso, mais necessário. Era tão óbvio, e ainda tão surpreendente, que me rouba as palavras, me inebria, extasia, me vence.
É melhor que um sonho. 
É maior que as horas.

segunda-feira, julho 05, 2010

_broken heart healer

O meu papel na vida de algumas pessoas é surpreendente. E ao mesmo tempo um tormento
Parece que eu chego para mudar as coisas, ponho tudo no lugar, faço curativos, depois vou embora com as mãos vazias. E o peito estraçalhado. Não foi uma vez, não foram dez. Foram inúmeras. Todas elas me deixaram feliz no final.
Mas não ilesa.
É como encontrar um passarinho que bateu no vidro e caiu desmaiado, com a asa quebrada. Você cuida dele, arruma uma caixinha confortável, dá água açucarada no bico...passa dias nessa função. No terceiro dia ele já tem um nome. No quarto ele come na sua mão -- já não se assusta com a sua presença. E no quinto dia, quando você abre a caixa, ele se sacode feliz, bate as asas para mostrar que está curado...e voa.
É tão bonito, ne? É.
Mas no sexto dia, quando você acorda, a caixa está vazia. Ainda tem resquícios de alpiste por ali. Ainda dá para sentir o cheiro na caixa cheia da presença dele. A presença da ausência.
Não há o que fazer...ele não vai voltar. 
O que lhe resta é lembrar destes dias com carinho e se orgulhar de ter salvo uma alma que é livre. Dá uma certa tristeza, é verdade. Mas aí você respira fundo e deixa que a generosidade seja o único sentimento possível, porque era só um presente para o mundo. Um presente daqueles que é arrancado a fórceps do seu peito e quase sangra.
No final, você se sente digno.

sábado, julho 03, 2010

_sobre cordões umbilicais


Não era possível uma gravidez depois de uma pelvio-peritonite que quase me matou aos 29 anos. O último ultrassom mostrava uma bagunça danada...trompas enroladas no ovário como um novelinho de lã, daqueles de desenho animado que tem gatinhos. Fora de cogitação. Mas aí havia um jovem diretor que repetia o nome da futura filha e se recusava a ouvir que não seria possível realizar este sonho, a não ser que ele escolhesse outra loira. Talvez uma que não tivesse filhos. Talvez uma mais nova do que ele. Talvez, talvez, talvez, mas ele não queria. Ele queria aquela, e uma filha, e o nome seria Natasha - desde pequeno ele sabia disso - e eu baixava os olhos pensando que, mais cedo ou mais tarde, teria que abrir mão dele em prol dessa teimosia de infância.
Mas também havia um sexto sentido gritando, dizendo que aquele mal estar não poderia ser gastrite. Um teste de farmácia, por que não? Eu não ia chegar no médico e pedir um exame, porque ele ia sorrir aquele sorriso doce e dizer: "Ô, menina...eu já falei que você não pode mais ter filhos...". 
Era noite, depois da filmagem (lançamento da primeira telefonia celular no Brasil). Enquanto ele analisava um rolo de filme que talvez tivesse se perdido, eu fazia o teste. Oh.My.God! Pensei estar daltônica. Tinha que estar, ou aquela linha cor-de-rosa era uma alucinação. 

Uma Natasha maluquinha. Desde pequena uma gritalhona engraçada, com músicas alegres de letras inventadas: "o petinho dadô dadô e o tapo icaiêta faiô o peti tiêta!"...chorona, exigente, mimada, sorridente, de olhos enormes eternamente brilhantes.
Da noite para o dia, o irmão mais velho tornou-se um adulto (tadinho...pesado) e ela, o nenem da casa, enchendo o lugar com seu barulho. A vida dos que a cercam passou a existir em função da dela, como se fosse um contrato firmado ainda no misterioso interior mágico do meu corpo auto-curante.

Ela cresceu, como era de se esperar, para desespero do pai que queria mesmo que ela tivesses 5 anos para sempre, mas a gente não conseguiu enxergar. Não tem como...caçula é caçula (palavra graficamente horrorosa). De uma hora para a outra ela tem 16 anos, um corpão e uma cabeça que pensa. Pensa e pensa forte, com opiniões duras e regras claras. Mas mesmo assim, nosso cordão umbilical parecia feito de alguma fibra indestrutível...or so I thought.
Ontem eu deixei essa menina alegre e cheia de vontades, num terminal aéreo do Aeroporto Internacional de Garulhos. Sem a menor cerimônia, ela sacou da tesoura e cortou o cordão. Assim, sem uma lágrima, olhando nos meus olhos. E eu sorri orgulhosa.
Tavez isso não tenha a menor importância para nenhum de vocês, mas eu nem ligo. Para mim, foi uma cerimônia de iniciação. Iniciação minha, como mãe de dois adultos. Iniciação dela, numa vida que, agora sim, vai começar.

Era isso.
Bom dia, flores do dia!
É. Eu sou feliz.