Confesso: eu sou romântica. Romântica não, intensa. Intensa e persistente. Não sou muito boa com rejeição, sabe...No início ser rejeitada me fazia sofrer muito. Mais tarde passou a ser um desafio bom. Aí você junta o romantismo latejante da pessoa, com uma grande - quase insurportável - carga de intensidade e uma persistência ferrenha, e o resultado é sempre lindo. Pros outros.
A junção dessas coisas me fez acreditar que eu sou o homem da minha vida. Se eu fosse criar um Frankenstein pra chamar de meu, ele teria que ter o meu DNA e aprender tudo comigo antes que eu pudesse pular pelo sótão gritando: "HE'S ALIVE! HE'S ALIVE!"
E ele seria o namorado perfeito. Romântico sem ser chato. Presente sem ser stalker. Engraçado - sem achar que eu vou rir de piada de pum. Teria seus amigos, seu bar, seu poker/futebol/banda/whatever, só pra não ser um grudento chato, mas não sem vir me ver no final da noite. Ele ligaria, escreveria, mandaria mensagem, sem se preocupar se está sendo disponível demais, se eu vou achar que isso ou aquilo, sem se preocupar se eu vou querer casar com ele amanhã de manhã ou estragar algum plano que só ele conhece. Mas, principalmente, ele saberia me presentear.
É... porque eu não conheço alguém que saiba dar presentes como eu sei.
Eu conheci um único homem capaz de presentear como eu. Durante o pouco tempo que estive com ele, ganhei coisas sem nenhum valor financeiro, todas incríveis, com histórias incríveis e efeito (em mim) igualmente incrível. Você pode saber um pouco mais sobre isso aqui, se quiser, embora haja um pouco de ficção misturada à realidade:
Coisas da Vida #5. MAS DEPOIS!
Por causa de uma conversa hoje à tarde, resolvi lembrar alguns presentes que dei. Vou tentar passar o perfil do presenteado também. Quem sabe assim, o efeito do presente fique claro para quem ler.
. Namorado #1.
Tremendo problema. Grego, vaidoso, mentiroso, daqueles que gostam de fingir mais grana do que têm, mais poder do que um dia terão, mais segurança do que um deus do Olimpo. Presente certo, porém erradíssimo. Fique claro que eu só tinha 18 anos e era burra. Vítima perfeita. Mesmo assim, usei todo o meu salário para comprar uma caneta Cartier incrivelmente maravilhosa e, surpreendentemente, não brega, para ele.
Plim! Roda o painel luminoso: ponto para mim. Durante um ano ele ficou ao meu lado, fingindo ser um grande homem e depois foi embora levando a caneta. Mas o vi trocentos anos mais tarde, quando ele apareceu na missa de sétimo dia do meu pai, parou na minha frente sem dizer uma palavra, me abraçou um abraço de trinta anos, me olhou com aqueles olhos indecentemente azuis e sorriu. No bolso do paletó, aposto, uma caneta Cartier.
. Pretendente #2.
Não era um namorado. Nunca foi. Era a coisa mais linda que eu vi em toda a minha existência...talvez a segunda mais linda. O rosto mais perfeito, o corpo mais incrível (mentira, ele era baixo e eu hoje não posso me imaginar com um homem baixo), a coisa mais deliciosa de carinhoso, de atencioso, de nhenhenhe, mimimi, cuticuti e outras fofices ridículas. Não me dava a menor bola. Dava, mas fugia. Morcego: mordia e soprava, não sabia se vinha ou ia...uma tragédia. Vaidozérrimo, queria que o mundo acabasse em espelho porque niguém jamais seria mais bonito, cool, bem vestido do que ele. Hoje eu diria que ele era gay. Mas eu não sabia nada naquela época.
Um dia, peguei uma foto dele e fiquei olhando...bingo! o que poderia conquistá-lo que não ele mesmo? Com essas mãozinhas habilidosas eu fiz um cartão vermelho -- que eu devia ter guardado proque era uma obra prima -- que quando aberto mostrava ELE. O texto eu não lembro direito, mas mandava que ele abrisse o cartão para ver a coisa maravilhosa que eu havia encontrado e queria para mim. Para acompanhar o cartão, um vaso com um pé de morangos, com morangos. Morangos maduros, cartão vermelho, vaidade ativada. Plim! Piscam as luzes, fogos de artifício: recebi uma visita surpresa aquela noite. E algumas noites seguintes. Depois ele se foi...absorto pelo espelho que não podia parar de refletí-lo.
. Amor literário #3.
O correspondente dos anos 80 para o amor virtual de hoje. Inatingível. Eu o conheci na hora errada, numa agência de publicidade do Rio, no momento mais absurdo que uma mulher pode conhecer um homem e pensar em qualquer coisa além de apertar sua mão e dizer até logo. Não foi bem assim. Foi meio sofrido, mas eu respirei fundo e esqueci sua existência. Ele era intelectual, brilhante, escritor, brilhante, interessante, brilhante...eu já disse brilhante?
Bom, esqueci a existência da criatura, até o dia em que já era permitido lembrar. A vida é hilária -- de um humor de péssimo gosto -- e fez com que eu fosse trabalhar na mesma agência, só que em outra cidade. Havia uma forma precária de comunicação naquela época chamada malote. Todos os dias, saía um malote para o Rio e vice versa. Foi aí que começou o romance literário. Cartas via malote.
Mas eu tenho essa mania de confeccionar coisas (tinha) e de tempos em tempos eu fazia algum cartão absurdo. Uma vez ele me chamou de bruxa...disse que minhas palavras encantavam e isso só podia ser bruxaria, e eu fiz um cartão que incluia uma vassoura, uma foto minha, as palavras dele...e ai ai ai. As cartas dele eram meio lights. As entrelinhas eram perigosas, mas o contexto geral era sempre cuidadoso. Mais uma vez, era alguém bem mais velho do que eu, que parecia saber onde estava pisando e pisava em ovos, enquanto eu - inconsequente - queria mais era sapatear e dançar uma rumba em cima da granja. Muito bem...e o presente? Uma semente. Uma pequena semente vermelha oca, tampada com um minúsculo elefante esculpido em marfim. Dentro da semente, deveriam estar 12 micro-mini-elefantes esculpidos na polpa da própria semente. Cada elefante daria direito a um desejo. Eu roubei onze. Deixei dentro da semente apenas um elefante - um desejo - e o desejo era meu. Coloquei a semente dentro de uma caixa minúscula de vidro e mandei junto o manual de instrução dizendo que aquele era o meu desejo. Que ele poderia usá-lo ou jogar fora, ou guardar para sempre com ele.
Ponto pros dois! Bruxa!
Mais tarde, mas não muito, eu soube que ele trocava as cartas. Escrevia, colocava no malote, depois corria la e trocava por alguma coisa mais leve, menos comprometedora, mais tranquila. Mesmo assim nos correspondemos por alguns anos. E nos encontramos. E ficamos juntos. E depois ainda nos tornamos amigos. Eu ainda tenho todas as cartas, eu ainda falo com ele, e nosso romance por escrito foi uma das coisas mais bonitas que eu vivi. Ele ainda tem as cartas, ainda me chama de Mercedita e ainda diz que eu sou uma bruxa.
. Amor inexistente #4.
Não, ele não existe. Ele é alto, ele é grande, ele surfa, ele tem olhos azuis, pele bronzeada, cara de Marlboro man. Ele é dourado. O trabalho dele é fascinante, o humor dele é fascinante. É um mix de gentileza extrema e sarcasmo, ele é ácido, ele é romântico, ele é tão impressionante que só podia mesmo ser de mentira. Ele canta, ele toca guitarra, ele dirige um carro enorme, ele te pega no colo para você não pisar na água, ele esconde a chave do seu carro e diz que perdeu, só porque você bebeu; depois ele leva você para casa e no dia seguinte seu carro aparece na sua driveway, a chave na sua porta e ele já pagou as suas multas. Traumatizado por um divórcio que o deixou zerado, ele tem medo de compromisso, mas não sabe não amar profundamente. Ele viaja demais, vive na estrada, encara vendavais e tempestades com a coragem de um gigante...mas tem a docilidade de um menino. Ele desaparece por anos, como se tivesse esquecido você, e quando volta é como se tivesse dado boa noite ontem, com um beijo, antes de dormir ao seu lado. A frase preferida? "Estamos sob a mesma lua."
E o presente? Um zippo. O único isqueiro que acende no vento, na chuva, na água. Aí você vai dizer que isso nem é um presente especial. Não, não seria se eu não tivesse mandado imprimir a lazer, em letras escuras, os dois lados do zippo. De um lado: "me under your moon". Do outro: "you under my moon". E não, se ele não tivesse ido ao banheiro e na volta, eu não tivesse pedido fogo, e ele não tivesse achado o zippo em cima do Marlboro vermelho, e olhado para ele sem entender o que estava vendo, e não tivesse sorrido com os olhos cheios de lágrimas, e não tivesse acendido o meu cigarro, dado a volta na mesa e me beijado do jeito que beijou. Não seria especial se ele pudesse me esquecer. Não pode. O Zippo não deixa. E se deixar, a lua vem e estraga tudo.
. Amor proibido #5
Eu não podia namorar aquele moço. Eu tinha 19 anos, ele 32. Ou era 34? Não lembro. Ele um intelectual, eu uma menina. Ele me constrangia. A presença dele era grande demais e eu um grande nada em formação. Mas ele queria e eu deixava rolar. Fazia bem para o meu ego recém descoberto que o moço cool, no auge da carreira, olhasse para mim. Era como ter quinze anos e desfilar por aí com um livro da Simone du Bevoir autografado, embaixo do braço: fazia de mim uma intelectual precoce. Até aquele momento, eu era o brinquedo, ele era o ábil manipulador de marionetes. Mas aí chegou o aniversário dele, e não era exatamente fácil agradar um homem com o gosto refinado dele, cuja casa tinha obras de arte por todos os lados, livros autografados por amigos famosos, e uma discoteca (sim, estou falando dos tempos do vinil) que ocupava uma parede inteira. Mas o que eu tinha a perder, fora uma parte do meu salário do mês e algumas horas procurando o presente perfeito? Foi assim que, muito antes de alguém pensar em juntar vários DCs num box, eu comprei toda a discografia dos Beatles, juntos e separados, disco por disco, single por single, e mais alguns discos de nomes importantes que gravaram Beatles em algum momento da carreira...coloquei tudo numa grande caixa, embrulhei para presente e fui entregar.
Ele também foi embora. Mas eu que mandei.
E tem mais. Tem muito mais, mas eu estou com preguiça, e algo me diz que se eu me extender mais você também vai ficar com preguiça de ler. Mas tem um piano que chegou junto com uma cesta de café da manhã. Tem um anel gravado com um mantra mágico de amor eterno (que eu espero que tenha sido jogado num rio a essa altura do campeonato). Tem um money clip com o primeiro dolar simbólico de uma viagem sonhada. Tem um escaravelho egípcio que viajou meio mundo para dizer a alguém que aquele era o meu coração que mudou de lugar. Tem um pedaço do meu tempo, da minha vida e do meu pensamento em cada presente que eu dei para alguém a quem eu amei eternamente, mesmo que por pouco tempo. Por que como eu já disse uma vez "amar profundamente é a maior das verdades passageiras".