terça-feira, dezembro 21, 2010

_o novo post de natal

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Quando eu era pequena, Natal era uma festa religiosa. 
Minha mãe acendia a coroa do advento em cada um dos domingos que antecedem o Natal, e nós tínhamos que ficar ali olhando ela rezar - quer dizer...fingindo que rezávamos. De nós quatro, os filhos, acho que só a Bia era realmente religiosa. Os outros três, eu inclusive, eram fakes. Eu e meu irmão costumávamos ter acesso de riso em momentos religiosos: na missa, na oração das refeições...até que minha mãe cansou da gente e desistiu de rezar. Tadinha.
Anyway, Natal tinha coroa do Advento. Tinha também um boato de missa do galo -- boato, porque a gente nunca foi a uma -- tinha presépio e as coisas que as famílias católicas constumam ter. Mas aí os filhos cresceram. E aí meus pais meio que cansaram dos nossos (meus) questionamentos. Mas daí meu pai tinha o mesmo tipo de curiosidade científica que eu tenho e ficava meio difícil manter todos os mitos vivos.
Abre parênteses: só no final da vida ele voltou a se agarrar em assuntos religiosos. Me disse um dia que não queria ter certeza de que Deus não existe, porque ele estava no fim...e a existência de Deus era um tipo de alívio. Fecha parênteses.
De qualquer forma, foi meu pai quem me ensinou a pensar, e desde que isso aconteceu, eu não consegui mais ter uma religião.
Então o Natal deixou de ser uma festa religiosa. Quando passou a ser assim, me parece, passou a ser uma festa mais honesta. Levando em conta que Jesus nem nasceu em Dezembro, que a gente está na verdade comemorando o Solstício de Verão, e que, teoricamente, não haveria a menor necessidade de uma festa, o que é o Natal?
Para vocês eu não sei, mas para mim, o Natal é uma desculpa deliciosa para estar em família. 
Acho uma tremenda babaquice não gostar de Natal. Só quem nunca viu os olhos das crianças brilhando, asiosos, esperando a hora dos presentes, pode dizer que não gosta de Natal. Só quem não foi criança, não teve a casa enfeitada, não comeu fios de ovos, uva, não roubou ameixa, não passou o dedo em sobremesas que só aparecem na ceia de Natal e depois lambeu...só quem não foi feliz. Me desculpe... mas o Natal faz parte da minha história de felicidade.
Mesmo agora, que a gente chora. 
Desde que meu pai se foi - há dois anos - a gente chora mais. Antes a gente chorava porque a gente chora mesmo. Ha! Minha família inteira chora e não sabe porque. Acho que é uma saudade que na verdade é plena de presente. Não é uma saudade do passado, é uma conscientização momentânea, uma constatação: "Sempre fomos tão felizes!" E isso nos faz chorar, porque estamos felizes de novo, porque temos uns aos outros mesmo não nos vendo todos os dias. Porque sabemos que construímos uma vida que, quer você aí fora ache que deu certo, quer ache que deu errado, é uma vida cheia de histórias, cheia de...deixa eu ver...cheia de VIDA.
De qualquer maneira construímos uma história e temos um passado imenso em comum. Então agora a gente chora porque meu pai não está lá. Mas também porque a gente teve, por todos aqueles anos, a companhia daquele sorriso infalível, daquela ironia deliciosa, daquela alegria que ele era, sempre. E constatar que tivemos a sorte de viver com ele, só traz um mesmo pensamento: "Sempre fomos tão felizes!"
Então acho que Natal é festa e que não custa ter um Natal. Não importa se somos dez, trinta ou duas pessoas. Montar uma árvore, por pequenina que seja... fazer um jantar, por mais modesto...fazer um cartão, um presente, uma coisa qualquer para dar ao outro...e comemorar o nascimento de um sonho, seja ele qual for. Não precisa ser um sonho ambicioso: sonhar estar junto com gente que se ama, pra que mais? Isso já é o suficiente para uma festa. 
E festeje. Porque a vida é uma e não é tão longa, e por mais dura, existem momentos felizes. Invente um.
Piegas? Natal é piegas. O amor também é piegas, famílias são piegas e essa é a hora em que ser piegas é mais permitido. É o que eu desejo: se dê o direito de ser piegas e inventar um sonho.

Não importa se você é ateu, católico, evangélico, judeu, whatever, nasça de novo...e mais uma vez.

Feliz Natal.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

_I don't belong

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Não é complicado. É simples assim: I don't belong.

Eu simplesmente não pertenço à maioria dos grupos onde estive, que conheci, que convivi, que visitei. Não sou parte deles.

Por mais "dentro" de um determinado grupo, ou por mais próxima que eu seja das pessoas, o que eu sinto é que, de certa forma, eu pertenço a cada uma delas em separado, mas dificilmente sou ou serei como elas, como o grupo que as cerca, suas tribos, suas gangs, suas confrarias.

Sempre foi meio impossível, já deu pra sacar na infância.
A religião não trouxe os meus "iguais", embora meus pais tenham tentado. A escola também não. Mas eu cresceria e quem sabe a faculdade ou o trabalho... Não! Não aconteceu. Nem o esporte, nem o inglês, o francês, a vizinhança... eu não achei os meus iguais. Acho que igual é uma coisa que não existe na minha língua, ou pelo menos não na minha -- esta -- existência. Eu tenho amigos. Isso sim. Tenho muitos amigos e eles são sazonais, simplesmente porque eu não pertenço. Não que eu os esqueça ou deixe de amá-los, isso nunca. Mas eles ficam lá, nos grupos de seus iguais, enquanto eu passo. Eu só passo. Transito de grupo em grupo.

O fato é que eu amo rápida e facilmente a qualquer um que passe pela minha vida e preencha os requisitos básicos para me agradar. Em muito pouco tempo, aquela pessoa é minha. Isso... você me pertence. Muito provavelmente eu pertenço a você bem mais do que você pode vir a imaginar um dia, mas não se engane... eu não sou como você, não sou como o seu grupo. Vou me dar super bem com ele, mas é mentira que vou fazer parte de alguma coisa que não a sua vida. Não que eu não vá tentar. Mas eu vou estar lá, entre todos eles -- tão iguais a você, dividindo os mesmos gostos, as mesmas histórias, as mesmas experiências -- e eu vou olhar em volta com um sorriso e descobrir que não nessa vida, ou em outra qualquer, eu serei capaz de me sentir parte daquilo. Simplesmente porque não sou.

A sensação recorrente na minha vida é esta: sentar numa sala cheia de pessoas e procurar, nos olhos delas, alguma semelhança comigo. Eu me acomodo e me adapto como um vírus... mas não... nada muda. Eu continuo sendo um corpo estranho infiltrado num sistema que funcionaria perfeitamente sem mim. O sistema me aceita. Me deixa entrar e me instalar em todas as frestas, mas mesmo assim, eu não sou dali.

Sempre igual: muito maluca para andar com os certinhos, muito certinha para andar com os malucos. Sempre no meio do caminho, sempre em cima de um muro onde esqueceram de pregar a plaquinha.

Talvez um psicólogo resolvesse isso, mas hey! Não dói. Não dói e não é incômodo de maneira alguma. E depois, se a essa altura da vida um terapeuta me disser que eu perdi tempo, o que que eu faço? Me mato? Porque voltar é impossível!  Sem falar que o ele falaria em insegurança, necessidade de se sentir aceita, e outras bobagens que realmente não são o caso. Eu sei o meu lugar no mundo e acho que ele me recebe muito bem. Não é isso. Longe disso. Então deixa quieto, doutor.

Outro dia falei sobre domingos de novos amigos. Foi alguma coisa sobre um dia de sol com pássaros cantando, que me lembrou Domingos de adolescência em Curitiba. Daqueles em que alguém resolve ir para o aeroclube ver acrobacia aérea. Eu fiz isso várias vezes na vida, sempre com amigos novos. Os amigos do namorado, os amigos do namorado novo da amiga... whatever. Eu fiz. E os dias de sol ficaram marcados assim: dia de gente nova. Dia de tentar me encaixar. Dia de constatar que, por mais que eu queira, eu não me encaixo.

Agora as coisas se agravam um pouco. Além de ter ainda o mesmo probleminha sobre malucos e certinhos, eu me tornei muito diferente das mulheres da minha idade que, embora tenham a vida um pouco parecida com a minha, por alguma razão misteriosa, não têm os mesmos interesses, nem os mesmos gostos. Aí me tornei também muito mais velha do que as pessoas que compartilham dos meus interesses. Isso não seria problema se elas não fossem solteiras, ou se eu combinasse com os lugares que elas vão, ou com o que elas fazem nestes lugares. Não preciso continuar, você sabe...eu não me encaixo.

Então não é um gosto musical, não é o estado civil nem a quantidade de filhos, não é um jeito de se vestir, não é uma crença ou um talento em comum. Não é. Eu sempre senti que o mundo inteiro é dividido em grupos com diferenças muito claramente definidas que, no fundo, torna todos eles "grupos de pessoas menos eu".
Simples assim.
Aí eu pergunto... sou só eu?

segunda-feira, dezembro 06, 2010

_fix me

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Tem dias que a vida me presenteia com cheiros que eu amo.
Nem todos eles existem de verdade.
Alguns existiram por um efêmero segundo, mas não tem como esquecê-los.
À simples menção de um nome, um dia, um lugar, tais cheiros me invadem - narinas e alma -, trazendo essa nostalgia doída, deliciosa, do jeito que eu -  mãe de toda intensidade - adoro.

I need a fix
camon and fix me.



sábado, dezembro 04, 2010

_sobre escrever

"e sobre mim"

Era uma vez uma adolescente sonhadora que adorava inventar diálogos na frente do espelho...
É. Isso também. Mas também era uma vez uma pessoa impaciente e nada perfeccionista, que jamais conseguiu ficar muito tempo em cima do mesmo projeto - fosse ele um desenho, um texto ou uma salada.
Essa mesma pessoa - eu - também não gostava de fazer trabalho de colégio. Não! Ui que saco! Sempre deixei para o resto da equipe e a minha parte era a que doía nos outros: a apresentação. Ah o palco! Delícia master subir ali naquele degrauzinho, sem saber nada de verdade,  começar a falar sem parar...e convencer todo mundo de que o trabalho merecia um dez. É o meu jeitinho.
Falar sempre foi meu forte. Falar por escrito não demorou muito a acontecer. Mas eu não gosto... Eu não gosto de escrever certinho. Mesmo que eu publique vinte livros eu nunca vou escrever como se deve. Vou escrever como eu penso, como eu falo, como você escuta. Também não vou querer/gostar/aceitar que um editor meta o bedelho no meu texto e saia arrumando a gramática. Tira a mão do que é meu e foca na ortografia...no máximo. Se eu escrevi assim, era assim que eu queria escrever.

De tempos em tempos eu sofro influências do que ando lendo, e me pego escrevendo como os outros. Minha sintaxe desaparece e viro uma coisa meio chata, meio arrastada que eu odeio. É como ir pro Rio passar um mês e voltar falando "meixmo", ou voltar de um final de semana em Porto Alegre, tri-diferente. Acontece. Tenho facilidade pra línguas. Ha!
Mas o que a pessoa que não gostava de ficar muito tempo em cima do mesmo projeto tem com isso? Elaborarei.
Eu não escrevo um texto em vários dias. Eu não guardo para revisar e re-escrever. Eu não esquematizo uma história com 1º, 2º e 3º atos e seus clímaxes e final. Eu tenho uma idéia e começo a escrever, como na vida: você nasceu...coisas foram acontecendo...você vai morrer mas não sabe como. É assim que esse meu cérebro doente funciona, e é por isso que meu livro nunca acaba: simplesmente porque quando eu comecei, eu não sabia o que aconteceria, e toda vez que eu sento para escrever, coisas novas acontecem...e agora, o "Senhor dos Livros" ainda não veio me dizer como aquela moça tem que acabar. Não sei! Não sei! não me pressione. Assim que ele ditar, psicografarei.
Assim são os textos do blog. Lá estou eu andando na rua ou dirigindo meu carro e cantando feito uma louca, quando algum pensamento cruza de uma orelha para a outra e resolvo elaborar. Vou para casa pensando (oh! eu penso?) e quando chego, escrevo direto no form do blogger, tipo irresponsável, numa tempestade cerebral...depois dou uma revisada meia-boca, aperto "publicar postagem", ainda com muitos erros.

É assim. Puro instinto. Pura tempestade. Pura paixão cega e burra. É como um beijo na boca que não devia acontecer ali, naquele lugar, na frente daquelas pessoas, mas que não podia esperar. 
Meus textos são como meus amores, como vivo meus dias, como decido o almoço. Se eu estiver inspirada, o mundo inteiro será amado e bem alimentado. Do contrário me aguentem.
É por isso que às vezes publico um texto tosco. Em dias que estou morna, não tem como fazer a coisa fluir, mas me forço a escrever porque passei a vida ouvindo que se eu sentar aqui, uma hora por dia, vou escrever mais. É...funciona com engenheiros da literatura, mas não comigo - o que eu faço nem deve ser literatura.
Comigo funciona me apaixonar: pelo texto, pela idéia, pelas pessoas. Se eu não estiver perdidamente apaixonada, as pessoas estão mortas, a idéia é vaga, o texto inexiste. 
Imaturidade...pode ser. Excesso de intensidade...com certeza. Escrever é como sexo: dá pra fingir, mas né? Que graça faz? Enquanto eu escrever com paixão, cada palavra será verdadeira e eu garanto o meu próprio prazer que, me desculpe, é o que interessa.
É assim que eu gosto.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

other

sometimes i think there is another woman inside of me
and she suffers.
all the happiness and plenitude in my life mean nothing to her.
she suffers and she cries for she needs to find her love.

she tells me he suffers as well.
she says he claims and prays and cries out our names so maybe we follow the sound...

yes i know! i know how he smells like and the sound of his voice
i know his eyes and his hands
but his face is unclear.

she makes me wait for him at the door with the heaviest weight on my shoulders.
it's like he is running towards me and i can even hear his steps.

we are both lost in this sharp emptiness.

and we are here.
i am here
stuck at this door
tears in my eyes
wondering where?
wondering why?
why does she need me to cry her tears?

quarta-feira, dezembro 01, 2010

_natal em família

Este conto é um fragmento da série "Sapatos"


Noite de Natal.
A festa acontece na casa de Clara, irmã mais velha de Eliza. A casa está inteira enfeitada. No banheiro, as toalhas são natalinas, na cozinha os panos de prato, talheres de servir, louças. Na mesa da ceia, tudo - absolutamente tudo - é natalino. Não existe um canto da casa que não diga alto e em bom som que é noite de Natal.
E ser Natal não é nada. O bom é ser Natal na casa de uma família italiana. Tudo é motivo de muita alegria ou muita tristeza. Na mesa, muita comida. Debaixo da árvore, muito presente. Espalhados pela grande sala, muitos membros da família. É difícil contá-los, mas podemos tentar.

Começamos com a dona da casa: Clara. 65 anos, descasada de Mario, que em sua idade avançada ainda é charmoso, forte, conservado, apesar dos cabelos meio mal pintados. Sua filha Cristina, o marido Marcio e o casal de filhos adolescentes.  André -- o mais  velho de Clara e Mario -- e sua esposa recém apresentada à família Marina, com um neném de 1 ano que começa a andar.

A irmã de Clara - Zoê - e o marido Fabrício com três filhos: Fernanda, Mauro e Gabriela - uma escadinha: 10, 8 e 6 anos.
A outra irmã, Eliza, o marido Horácio, seus quatro filhos - todos com nomes de imperador romano:  Adriano, Augusto, Máximo e César, e as respectivas esposas: Maria Alice, Maria Joana, Maria Claudia e Maria Eugênia mais os netos de Eliza que somam oito. O mais velho com 20, o mais novo com 4.
Temos também as tias de Eliza, Tia Ilda e Tia Tutáia, solteiras e eternamente virgens, segundo reza a lenda, mas ninguém acredita.

Está armada assim a grande noite de Natal. Trinta e quatro pessoas da mesma família, algumas com 100% de sangue italiano. A criança mais misturada, chega ainda a 15% de italianice no sangue.
O que isso tem a ver com a nossa história? Tudo. Todo este percentual sanguíneo resulta numa só palavra: BARULHO.
Muito barulho! As pessoas falam muito alto umas com as outras. Crianças correm em volta da mesa incansavelmente. Avós reclamam do comportamento das crianças, chamando as mães que continuam conversando confortavelmente e não dão a mínima. Comida...muita comida! Ainda não é hora da ceia, mas todos mastigam alguma coisa. Há frutas secas, nozes, avelãs e salgadinhos em todas as mesas da casa. Copos cheios de vinho, cerveja, whisky, refrigerante. De tempos em tempos uma empregada de avental passa recolhendo os copos e trocando cinzeiros, mas as guarnições parecem nunca acabar.
Debaixo da árvore de Natal há uma quantidade absurda de presentes. É presente para manter um orfanato inteiro ocupado por muito tempo. Além de pacotes convencionais, existem alguns sacos enormes, cheios de pacotes dentro. Eliza desfila por entre os pacotes com a Tia Ilda, dando seu toque final aos sacos grandes, enquanto o falatório e o corre-corre de crianças continua.
ILDA: - Que horror! Quem vai ganhar uma coisa desse tamanho?
ELIZA: - As crianças. Eu juntei todos os presentes deles em sacos. Não é uma idéia ótima?
ILDA: - Não. É horrível! Que graça tem ganhar um presente só?
ELIZA: (olhando decepcionada para a Tia) - Ai Tia! Não é um presente só. Tem um monte de presentes aqui dentro!
ILDA: - Ora Eliza, você gosta de chamar atenção. Quer que seus netos fiquem horas abrindo tudo o que tem nesse saco, para não prestarem atenção aos presentes que vão ganhar dos outros.
ELIZA: - Eu nem pensei nisso, Tia. Você que é ruim e pensou!
ILDA:- Pior ainda. Se tivesse pensado pelo menos mostrava que é inteligente. Se não pensou, além de exibida é burra.
ELIZA:- Tia!
ILDA:- Graaaaças a Deus sua mãe não está mais aqui para ver as suas atitudes.

ELIZA sai de perto da Tia, furiosa, e vai reclamar para a irmã CLARA.

ELIZA: - Você acredita que a Tia Ilda já evocou o nome da mamãe pra me criticar? Eu não levo essa chata pra casa hoje.
Mário passa por elas e escuta a queixa
MÁRIO: - É Natal, Elizinha...deixa a velha. Claro que eu vou levar ela pra casa. Você já viu ela pedir pra outro?
CLARA: - Você ainda vai descobrir que ela é apaixonada por você.

A campainha toca.
Cristina vai abrir, mas é empurrada por Clara, Zoê e Eliza que correm eufóricas.
Todas exclamam juntas:
- É o PAPAI NOEEEEEEL!
Ao dizerem isso, um interminável coro de pessoas se forma: “Papai Noel! Papai Noel! É o Papai Noel! Noel, Noel, Noel, Noel...”
A porta é aberta por Clara, tendo todas as irmãs ao seu lado, como uma tropa que será passada em revista. Papai Noel olha para as três mexendo apenas os olhos e sorri:
- HOHOHO! FELIZ NATAL!
Há um silêncio de décimos de segundo, e então a confusão começa. As crianças correm para perto da árvore. Uma das noras de Eliza comenta com outra:

MARIA JOANA:- Que papai noel horrível!
MARIA CLAUDIA: - A Mamãe Noel não tava em casa pra passar a roupa dele. Foi pra balada, a perua...
Papai Noel é bruscamente puxado por Eliza até a árvore de Natal. A criança menor chora copiosamente se agarrando à mãe, de pavor do homem de vermelho que acaba de chegar. 
ELIZA: -Papai Noel, esses grandes são pros meus netos. Aquele da Brenda, aquele do Paulo, Aquele da Rosana, do Felipe é o menorzinho ali atrás...BRENDAAA! Vem pegar o seu presente!!

Papai Noel tenta cumprimentar algumas pessoas, mas não consegue. Ele achava que se sentaria numa poltrona e chamaria um por um, mas é impossível. Todos falam ao mesmo tempo e colocam pacotes de todos os tamanhos na mão dele. As senhoras da família correm em volta do Papai Noel deixando o pobre homem atordoado.
CLARA: - Esse aqui, Papai Noel! Esse! É do Germano. GERMAAAANO! Vem buscar!
Papai Noel fica com o presente de Germano na Mão esperando, mas Eliza arranca dele, passa para outra pessoa...
ELIZA: - Dá lá pro Germano. PAPAI NOEL, esse é do Adriano, esse do César. César, vem aqui, filho. Esse é da tua mulher. Pega esse também.

Papai Noel tenta administrar isso tudo, mas tudo o que lhe resta é rodopiar feito um peru, e repetir alguns nomes, logo depois de Clara, Eliza e Zoê que não param de colocar pacotes em suas mãos e tirar dois segundos depois, entregando para o dono.
ELIZA: - Cassio!
PAPAI NOEL: - Caaaaassio...
CLARA: Cristina! Márcio!
PAPAI NOEL: Máaaaarcio...

Num determinado momento, ele já está sentado na poltrona assistindo ao espetáculo da distribuição que parece não acabar jamais. Milhares de papéis rasgados pelo chão...um menino pequeno pega uma camiseta enorme, sobe no sofá e pergunta repetidamente:
- Quem me deu isso? HEIN?? ÔOO! ALGUÉM! QUEM ME DEU ISSO???

Augusto arranca a camiseta da mão do menino.
- Isso não é seu, guri! Adriano, essa praga abriu o seu presente. É nosso pra você.
Olha para o menino e xinga:
- Mosca!
Adriano pega a camiseta, coloca na frente do corpo e abraça o irmão. O menino fica no sofá falando:
- Mas não fui eu. O papai noel que me deu...

A confusão continua...Eliza se aproxima do marido.
ELIZA: - Onde você colocou o presente dos meninos?
HORáCIO: - Nos envelopes que você me deu.
ELIZA: - Mas onde?
HORáCIO: - Eu te dei.
ELIZA - Deu nada, Horácio. Onde você enfiou isso? Eu já virei tudo lá na árvore. Não achei nada!

Ao fundo, o mesmo menino da camiseta abre um presente que não é dele. Tira do pacote uma boneca, sobe novamente no sofá:
-QUEM ME DEU ISSO AQUI? ÔOOOO! VOCÊS!? QUEM ME DEU ISSO??
HORÁCIO: - Ta louca? Se alguém pegar esses cheques vai descontar. Está ao portador!
ELIZA: - Ninguém vai roubar os cheques, Horácio. Só tem família aqui.
HORÁCIO: - Sei lá,  o Papai Noel não é da familia! Vai saber quem é esse homem?
ELIZA: - HORÁCIO! QUE HORROR! O HOMEM TA TRABALHANDO! COMO VOCÊ PODE PENSAR UMA COISA DESSAS? TA LOUCO!?
HORÁCIO: - Nunca se sabe...Eu acho que você perdeu os envelopes. Eu vou ligar pro banco agora e sustar os cheques. Clara, posso usar o Telefone? A Eliza perdeu o presente dos meninos, e eram cheques, agora eu vou ter que sustar...
CLARA: - Perdeu nada, Horácio. Você colocou em cima da cristaleira.
ELIZA: - Fala de mim, fala! Ele já tava feliz de sustar os cheques!
HORáCIO: - Eu pensei que tinha dado pra você.
ELIZA: - Pensou...quando eu penso eu sou maluca. Quando você pensa é o que?

Eliza vai voando pegar os envelopes para entregar para os filhos. Dando um envelope com o cheque para cada um.
ELIZA: - Se for pouco, briga com esse pão duro, porque eu quero matar ele todo ano na hora de fazer o cheque de vocês!

Augusto, que é mais sério agradece abraçando a mãe:
AUGUSTO: - Obrigada mãe. Vai quebrar um galhão.
Máximo e Adriano, mais gozadores, abrem o envelope, olham e dizem juntos:
- Puta que pariu! Que pão duro esse Horácio! 

César apenas coloca o envelope na bolsa da mulher sem fazer nenhum comentário. Eliza fica aflita e vai ver de quanto é o cheque de Máximo, que esconde o cheque e não mostra pra ela.
MÁXIMO: - Não...você vai matar o pai. Melhor não. Deixa guardado aqui.
ADRIANO: - Pode depositar ou é só pra enganar a Elizinha?

Horácio fica todo sem graça quando Máximo tenta abraçá-lo para agradecer e dá só uns tapinhas nas costas para se livrar logo.
HORáCIO: - Nãaao! Pode depositar. É de vocês.
ELIZA: - Se você mandar eles esperarem pra depositar eu nunca mais falo com você!
Horácio tenta abraçar Eliza
HORáCIO: - Calma, minha potranca....
ELIZA: - Potranca tua vó!

E a confusão continua. Papai Noel ainda está estupefato, aceitando salgadinhos que Cristina oferece a ele. Uma das crianças menores escuta o conselho de um tio.
MÁRCIO: - Paulinho...vai lá e puxa a barba do Papai Noel.
PAULO: - Eu não. Depois ele não me dá presente...
MÁRCIO: - É falsa!
PAULO: - To nem aí. Só quero presente.

Quando os presentes acabam finalmente, e a confusão das mulheres da família tem uma trégua, Papai Noel se levanta para sair. Eliza, Zoê e Clara o cercam e o convidam para jantar.
PAPAI NOEL: - Muito obrigado. Eu tenho muitas casas para visitar. Muitas crianças para presentear. A noite está só começando.
CLARA: - Mas só uma cervejinha...TEREZINHAAA! Pega uma cerveja pro Papai Noel!
PAPAI NOEL: - Não não, por favor, eu não quero mesmo....
ELIZA: - O senhor não pode perder o macarrão com brachola. Receita da minha mãe!
ZOÊ: - Pelo menos um bolinho? Um doce? As sobremesas estão maravilhosas...Terezinhaaaa!
Papai Noel: - Obrigado mesmo...eu preciso ir. É noite de Natal.

Terezinha - a empregada -  aparece na porta da sala para atender, mas Maria Eugênia a segura, sinalizando que não é para servir nada.
CLARA: - Só um pouco, Papai Noel...
Mario se aproxima das três:
MÁRIO: - Dá o cheque do homem e deixa ele ir embora!
Uma das crianças reclama:
- Vóoo! O Tio Horácio deu presente pro Papai Noel também? Eu também quero cheque!
A criança vai correndo procurar por Horácio que empurra a criancinha  para frente, enquanto anda até a mesa.
HORÁCIO: - Vai pedir pro seu pai.

Papai Noel caminha para a porta, com seu saco, seu cajado e sua barba mal enjambrada. Clara abre a porta. Papai Noel se despede:
- FELIZ NATAL! FELIZ NATAL PARA TODOS! FELIZ NATAL!
A casa toda grita “Tchau Papai Noeeeel!”

Do lado de fora da porta, Papai Noel encosta na parede com a respiração ofegante, abaixa a barba e suspira aliviado por sair daquele inferno.



...continua

segunda-feira, novembro 29, 2010

_e se?

Ou "Como o MSN inspira textos bestas"


E se você encontrar aquela pessoa de novo, assim, do nada, num restaurante?
Vocês não se vêem desde aquele e-mail fatídico, mas você sempre nutriu uma esperança besta de que ela acordasse um dia morrendo de saudade e ligasse dizendo:
"Preciso te ver. Agora." Não vai acontecer. 

Agora que ela parou de balançar de um lado para o outro, acalmou um pouco o follow/unfollow/follow-de-novo no twitter, e aquela outra conta que depois de ir e voltar doze vezes, ela finalmente deletou (e você não tem mais como matar a saudade olhando fotos ou conferindo conversas), e até os velhos e-mails você já jogou fora...Bem agora que você está tranquila e livre do vício, pela primeira vez em mêses...bem agora, você entra na droga do restaurante e, naquela mesa do fundo à esquerda, bem de frente para você, ela carrega o primeiro par de olhos a cruzar com os seus.
Now what?

Ignorar, tenho certeza, está fora de questão. Acho que seu coração vai bater tão forte que é capaz de pular longe e sujar a toalha de alguma mesa de sangue. Eca! E duvido que você consiga evitar um sorriso de orelha a orelha, capaz de cegar metade da população presente. Mas espera! Você é mesmo capaz de desviar o olhar e fingir que não a viu? Será que você senta numa mesa bem longe da dela e almoça tranquila, ignorando solenemente a presença gigantesca que, com certeza, ocupa um restaurante e meio e te espreme contra o muro do outro lado da rua? Duvido.
Duvido e ao mesmo tempo acho triste.

Eu sei o que você vai fazer. Você vai encontrá-la no caminho do banheiro das mulheres, vai dizer:  
"Oi! Nossa, quanto tempo...tudo bem?"
Vai ficar olhando pra pessoa com cara de bobo, mal vai escutar a resposta dela que na verdade não interessa , vai dar dois beijinhos completamente sem graça -- quando queria mesmo que ela te agarrasse e te arrastasse pra dentro do banheiro com um beijo-na-boca-cinematográfico-mega-plus --, depois, vai virar as costas como se ela fosse o amigo do amigo da sua prima que você não vê desde aquele dia na sua festa de doze anos, e vai voltar pra sua mesa, engolir a comida sentindo raiva do mundo, pagar a conta e ir embora sem café.

Sabe o que eu acho? Vocês são dois bananas.
Era só.


Imagem: SuperStock

quinta-feira, novembro 11, 2010

_six pm



the magic hour.
in front of this window you are my shadow and I am yours
i am yours...
am i? 
this magical redish-mid-light makes me feel you closer
feel your smile in me
fill your smile 
(with mine)
 
please, dear, cut the lights. 
let me see you inside

(you
inside me)



segunda-feira, novembro 08, 2010

_síndrome de sereia



Quantas vezes me peguei rezando aos vinte e poucos anos...pedindo que me fizessem amar mais do que ser amada? Parece um pedido estúpido, parece uma queixa burra, mas não é. A aflição de parecer maior do que se é, tavez seja uma dor tão grande ou ainda maior do que a de não ser amado. Não ser amado é libertador, posto que não vem acompanhado de culpa. Já quando parece que seu amor não é suficiente, a culpa é gigantesca, e a sensação de incapacidade e de não estar vivendo o que se deveria, devora e entristece.

Depois de ter consciência disso, todo e qualquer disperdício de amor desespera. É preciso amar mais, é preciso amar igual, é preciso amar a qualquer preço - e mais do que tudo - é preciso provar que se ama.
Mas não adianta. Geralmente as pessoas carregam esta sina porque são endeusadas, não porque não amam ou amam de menos. Elas amam demais, mas não chegam onde querem. O pedestal onde foram colocadas não as deixa tocar a pessoa amada. É triste. É uma barreira que elas não querem que exista. Uma muralha quase intransponível que gostaríam de poder explodir...mas que não pertence a elas. É construída pelo objeto de seu desejo.
Não sei se elas preferem homens ou mulheres mais frágeis, que se julgam inferiores. Pode ser. Mas pela minha experiência, digo que não. Ou talvez..hum...agora não sei mais. Será que é isso? Será que a equação "amor + pedestal + muralha" só existe por uma necessidade inconsciente de ser adorado? Seria, no mínimo irônico: pessoas fazendo sofrer a elas mesmas... 
Porque eu te digo que é um sofrimento. Musas são feitas para serem endeusadas e, assim que tornam-se humanas, viram abóbora. Mas tornar-se humana é a única maneira de ser tocada, e não existe musa no mundo que não queira ser uma pessoa comum. 
É como o sofrimento da sereia, apaixonada pelo pescador. Ele espera por ela, ouve seu canto, delira, sonha acordado com o dia em que a sereia vai criar pernas e andar em sua direção. Lá do outro lado, a sereia tem os mesmos sonhos, então canta para o pescador, faz com que ele se aproxime, cria pernas e pula para dentro do barco. Ele quase morre de prazer por ter em seus braços um ser mítico. Ela também...mas por ser humana e, finalmente, poder tocar o amado. É a desgraça anunciada: ele quer que ela seja para sempre sereia - seu segredo, seu prêmio. Ela quer ser para sempre humana. Isso acaba sempre com uma sereia indo às lágrimas... e adeus...tchibum! Ela regressa ao mar, ele casa com uma humana qualquer e volta a sonhar acordado com a sereia, porque lugar de mito é no mundo dos sonhos.

As pessoas portadoras da "síndrome de sereia"  conhecem suas limitações, sabem que são pessoas comuns, têm milhares de inseguranças e amam pobres mortais...mas são vistas como inatingíveis e sagradas -- o Santo Graal dos seres da terra. Por isso nunca chegam a viver o que gostaríam. 
É triste.

quarta-feira, novembro 03, 2010

_férias, primos, praia...oh wait!

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Agora lembrei. Lembrei como era ir ao Rio todo ano para passar o Ano Novo e as férias de Julho. Tinha "oba" sim. Tinha porque eu esquecia sempre das coisas de sempre. Mas tinha as coisas de sempre. Então eu nem vou falar da parte óbvia, que era ver os primos da minha idade, fazer um monte de coisas gostosas, ser milhões de vezes mais livre do que eu era em Curitiba: cinema, boteco, sorvete, passeios...

Vamos então às coisas de sempre.

Eu nunca fui magra. Também nunca fui gorda antes dos 45 anos, quando virei este provolone gigante que vos fala. Eu era ajeitadinha, mas não era carioca. Não mais. Isso era chato. Depois de anos em Curitiba, eu já não tinha aquele ar praiano que a gente tem quando vive muito tempo no Rio. Já não sabia muito bem como me comportar em cima de um par de havaianas, nem como andar de mão abanando. A carioca tem um jeito de tirar a canga/short/saia que só a carioca tem. A gente se cria no Rio e aprende. Depois que a necessidade de se despir em público acaba, a gente não é mais tão charmosa. Isso é problema? Não... aparentemente não... a não ser que você seja eu, é claro, e como sendo eu, você odeie não pertencer, ou pior... como eu, talvez você odeie chamar a atenção pelos detalhes errados.
Pois bem. Eu não era gorda, não era magra, não era carioca e era BRANCA -- branca de neve, de bochechas vermelhas e sem nenhuma marca de biquíni whatsoever, como se tivesse acabando de nascer.
E como uma sina, assim que eu chegava ao Rio, o comitê de recepção estava me esperando para ir à praia. Mas não era tão simples. Não podiam ir à praia ali no Leblon, pertinho de casa, onde eu pudesse voltar antes, quando a coisa ficasse feia - e ficava. Não..! Tinha que ser em São Conrado. Claro. Super mais legal, praia limpa, menos farofeiros, mais gente cool. Só esqueciam de um detalhezinho: eu não era cool.
Então eu chegava de uma viagem de 12 horas de ônibus leito, com a pele marcada pelo jeans e pelo elástico do sutiã, a pele absolutamente transparente, e ia para São Conrado exibir o corpinho na frente de todos os caras mais cool do sul do mundo, e um sem número de mulheres lindas com cabelos idem e bronzeado impecável.
Lembre-se: naquela época, filtro solar era pasta d'água ou hipogloss, mas era ridículo.e eu que não ia fazer papel de ridícula. Não...well, com 40 minutos de praia eu era um pimentão gigante. O mundo não é bacaninha, sabe? Ou eu seria a única pessoa a perceber a minha cor. Daquele instante em diante, eu passava a escutar as palavras "pimentão", "camarão", "lagostinha", "holofote", e todas as outras coisas que lembrassem "escandalosamente vermelha e luminosa".

O dia seguinte não era melhor. Eu amanhecia inchada, com o dobro de marcas no corpo -- porque a pele inchada em contato com o lençol amassado vale por uma fotocópia de lençol amassado. Agora eu era de um rosinha pálido quase nada...quase transparente outra vez, só que doendo muito.
E assim passava a primeira semana: rosa-choque, rosa-bebê, rosa-choque, rosa-bebê. Na segunda semana, quando eu começava a parecer saudável e quase viva, descascava. E mais piadinha.

Este sempre foi o problema de ir ao Rio. Não pense que mudou. Ainda semana passada, eu sofri ao lembrar que teria que passar o feriado lá e rezei para chover. Se fizesse sol eu não escaparia da praia e ainda ficaria eternizada no álbum do casamento do meu primo, como camarão.
Papai do céu foi legal dessa vez, mas tenho certeza que não vai me deixar escapar na próxima.

Resumo do trauma: ir ao Rio é ardido...mas é bom.

quinta-feira, outubro 28, 2010

_sede (um conto de halloween)

Se você tem estômago 
fraco e a mente imaculada, 
não leia este post.


Era uma daquelas noites em que eu não podia esperar nada além de um sonho bom, já que nada  especial poderia acontecer.
Ah sim... aquele seria o cenário perfeito para um crime: um quarto de hotel de sonho - desses que os mortais só vêem em filme - a lua perfeita pintando de azul todas as coisas brancas da terra; a brisa fria e calma dançando com a cortina pálida numa dança lenta e quase sexy...e um olhar distante.
Mesmo no lugar perfeito, com o figurino perfeito, eu sabia que o toque dos nove travesseiros brancos espalhados na cama, seria a única coisa que eu sentiria durante o sono.

Talvez.
Se ninguém tievesse batido na porta, garrafa de Sake numa das mãos, a outra no bolso, um sorriso irônico, e uma sede enorme rasgando a garganta.
"Seu drink favorito."

Nem uma palavra em retorno. Só um meio sorriso. Mas ele sabia que devia entrar e encontrar um jeito de abrir a garrafa e mais cedo ou mais tarde, eu abriria um sorriso.
Fiquei em silêncio.
Eu o segui com os olhos quando ele entrou como se o lugar fosse dele. Ele sempre teve esse jeito no olhar que parecia dizer que eu era dele, e dele era tudo o que me cercava. Fechei a porta com um empurrão enquanto ele abria a garrafa com a faca que tirou do bolso.

"Que tipo de homem carrega uma faca?" -- pensei em dizer mas, antes que as palavras saíssem, lembrei que ele era esse tipo de homem. Talvez tivesse uma maior na mochila, quem sabe mais.
Ainda na porta, vi quando ele lambeu a lâmina antes de guardá-la. Fechei os olhos num suspiro mudo, só eu sei o que me veio à mente. Ou ele também, porque quando abri os olhos, ele estava sorrindo.

"Saudade?"


Saudade...do que mesmo eu teria saudade? De ter alguém ao meu lado na cama, fosse quem fosse -- e ele servia muito bem a tal propósito -- ou das coisas que eu sabia que jamais teria com outro, não nessa, nem em outra vida?

Ele pegou dois copos, serviu duas doses, me entregou um deles e levantou o dele num brinde.
Virei o Sake num só gole e estiquei o copo pedindo mais. Ele me serviu e continuou parado me olhando, sem se mover. O sorriso não era irônico...era um misto de ironia e admiração...era alguma coisa que me dava frio da barriga e medo. Cheguei a pensar que o Sake estaria envenenado ou que ele havia usado algum calmante, mas o medo passou quando lembrei que ele não tinha motivos para me dopar. Mais do que ninguém, ele sabia que não precisava de artifícios para me seduzir. E mesmo que houvesse dúvida, eu beberia, porque não passaria mais dez segundos sem saber o que ele faria comigo.
Este era o eterno jogo. Ele era perigoso, mas eu pagava pra ver. A confiança era cega, e era mútua. Se um dia eu não sobrevivesse, teria morrido tranquila.
Quebrei o silêncio, e o sorriso dele.

"Como você me achou?"
"Você deixa rastros."
"Não dessa vez..."
"Eu sinto o seu cheiro.
"

Eu atravessei o quarto rindo e fui até a janela. Sabia que ele me acharia mesmo que eu mudasse de planeta. Ele sempre achava...mesmo que eu tomasse cuidado. Ou talvez eu descuidasse num detalhe ou outro para apimentar a busca. Quem sabe?

"É impossível não seguir teu cheiro..."
-- ele disse me abraçando por trás e puxando para baixo a minha blusa de forma a expor meus ombros. Beijou minhas costas e a nuca, e eu tentei não me mexer, não respirar, não mostrar que morria de saudade daquela boca e daquelas mãos. Mas foi impossível. Num impulso, eu levei minhas mãos para trás, segurei suas pernas e o puxei para mim...senti a faca no bolso da calça. Ele interrompeu o beijo por um segundo e voltou a beijar minhas costas sorrindo.

"Saudade...eu sei."
Eu balancei a cabeça num não, mas estava mentindo: saudade sim.

Ele me virou e me beijou na boca. Os corpos colados, a blusa escorrendo pelo ombro, a barba roçando a pele, uma longa lambida no pescoço... e minha cabeça tombou para o lado, olhos em transe. Ele conhecia os meus sinais...
Senti a lâmina fria tocar minha pele e um suspiro profundo veio do estômago, numa contração forte. Ele sabia. Um corte. Nem raso nem fundo: preciso. A língua quente, o gemido...
Senti a faca fria na mão como um pedido urgente e mais do que rápido fiz um corte em seu peito e deixei o sangue correr. Ele se afastou para olhar, a boca suja de sangue me beijou novamente, depois guiou minha boca até o corte. O gosto morno indescritível do sangue era o que guiava a nossa loucura. Sempre. Mas naquela noite, seria diferente.

Joguei a faca na cama e ele sorriu extasiado. Era hora de matar a sede.
Sempre cortes discretos capazes de cicatrizar rápido sem deixar grandes vestígios, mas em lugares onde o sangue é farto...essa era a regra e essa era a graça de fazer amor -- nos lambuzando um no sangue do outro até o gozo, até o êxtase, até nem um de nós ter um único milímetro de pele limpa.

Mas naquela noite, seria diferente.
Enchi a banheira e o convidei para entrar comigo. Bebemos mais, nos beijamos mais...Por fim, descansamos. 
Ele deitou na banheira, eu montei sobre ele e ele entrou em mim. Enquanto fazíamos amor eu peguei a faca na borda e esperei o momento. Ele pedia que eu o cortasse e eu me recusava, dizia que não, ainda não era a hora, mas ele pedia de novo e de novo, e ficava mais excitado quanto mais a expectativa do corte crescia...e eu esperei e esperei...e veio o gozo... foi quando, num movimento rápido, eu fiz um corte profundo em sua perna, rompendo a femural e, num segundo golpe, levei a lâmina até a minha própria perna e fiz o mesmo.

O sangue tingiu a água quente, enquanto um prazer intenso nos tomava...

Nos beijamos uma última vez.



Happy Halloween!

domingo, outubro 24, 2010

_vácuo


Então assim...cansei de enrolar todo mundo. Cansei de inventar historinhas de amor e cartinhas e diálogos telefônicos. Cansei. Quer a verdade? Eu te dou.
A verdade é que meu cérebro tornou-se um grande buraco negro, de meses para cá. É como se eu tivesse entrado no olho de um furacão e agora só o que há é o silêncio do vácuo. 
Aqui dentro, nada se move. São só as grandes paredes brancas de núvens. Dentro delas tudo se mexe, a energia lateja, ventos furiosos se preparam para varrer a terra. Mas dentro - aqui onde me encontro - nada.
Não existe um pensamento que valha ser colocado no papel. Não existe uma idéia que não seja tragada pelo vazio em cinco minutos. Não há tempo, não há espaço, não há. Vácuo.
Há momentos em que penso em desistir. Penso em romper com as palavras, já que elas não querem colaborar. Penso em romper comigo porque não gosto mais do que eu escrevo.


...

Viu? eu ainda não consigo falar sobre o assunto de forma a me tirar do marasmo. As palavras chegam até o pulso, mas não continuam até as pontas dos dedos, para que eu possa escrevê-las. Estou presa.
Mas vai passar. Tem que passar.

Talvez seja hora de me colocar de castigo.


quarta-feira, outubro 20, 2010

Necessaire

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O telefone toca de madrugada.
- Alô?
- Mê?
- Oi Ella...Tudo bem?
- Tudo e você?
- Que voz é essa? Ta triste?
- Triste não...
- Ta o que então?
- Acho que entendiada...meio decepcionada, sei lá.
- O que acontece?
- A necessaire...
- Xii...la maison est tombé!
- yep
- Necessaire no armário?
- 2012, amiga.
- Mas o que foi? Ele apareceu? Brigaram? O que?
- Não...quer dizer...ele já tinha resolvido que não podia blablabla, lembra?
- Lembro. Ele era um cara sério.
- Sério my ass.
- Sério sim...tinha milhões de motivos pra não ficar com você, se você não gosta de homem sério, não é problema dele, certo?
- Vai começar o sermão...Beijo, até.
- Não desliga!
- Não defende!
- Mas ele não tá errado...ele não podia ficar com você...não podia mesmo.
- Não PODIA! Passado! E agora cadê? Nem tem pena da necessaire que voltou pro armário. Ele não pensa mais em mim, Mê. Nem lembra da minha existência...me evita.
- Opa, opa...calma lá...se ele te evita ele pensa sim.
- Ah mané pensa...pensa nada. Se pensasse seria diferente. E não evita, errei a palavra: me ignora. Ta lá, bem vivendo a vidinha dele. E cadê a necessaire? Ta na bolsa? Não né? Então não pensa.
- Alguém mais, além de nós, sabe qual é a da necessaire?
- Sei lá...acho que todo mundo, quando tem alguém, carrega um kit de sobrevivência pro caso de ter que se arrumar no meio do dia, não?
- Sei não...todo mundo carrega primeiros socorros - base, demaquilante, rimmel, escova de cabelo - é normal. Mas não porque tem alguém. Só você deixa o kit em casa quando ta solteira... Mas você ta bem, ou ainda ta em crise de abstinência?
- Esse é o problema. Não to mais em crise. 
- Então não é problema...
- Mas alguém tinha que avisar pra ele...Mê, se ele demorar vai ser tarde..eu não quero. Vai dar trabalho me reconquistar.
- Ella! Para de ser louca! 1) ele não vai voltar. 2) não daria trabalho nenhum te reconquistar. 3) ele. não. quer. mais. você!
- Vai defender de novo?
- To defendendo VOCÊ, maluca! Enterra essa história que é melhor! Você já se abaixou tanto que mostrou a bunda, não sentiu o ventinho?
- Não lembro mais como era a gargalhada dele, Mê. E o cheiro dele saiu da minha blusa branca... lavei.
- Vou te internar.
- Please.
- Você não ouve o que eu falo, né?
- Não queria...
- Ella...por que você cismou com ele?
- Sei lá...só tem uma explicação...
- Qual?
- De menino..
- O que?
- Explicação de menino.
- Hahaha...fala.
- Amor de pica.
- Bah! Que coisa mais baixa...isso não é raciocínio de mulher!
- Eu avisei...
- Ai, jura pra mim que vai tentar outra explicação, pelo amor de deus.
- Ele tem a pegada do demônio, Mê...não tem como...ah!
- Hahaha! Você não existe...
- Mas é a única explicação viável. Vai dizer que é amor? Não deu tempo de amor. Não deu tempo de nada aliás...a gente nem fez nada...vai ver é isso mesmo. Meu deus, Mê! como ele OUSA me deixar com vontade e ir embora? COMO?
- Ha! Bingo! Você mesma respondeu: orgulho ferido, Dona Ella. Puro orgulho ferido! E depois? Se ele volta você faz o que? Pega o que queria e é a SUA vez de ir embora, isso?
- Eu nunca disse que era orgulho ferido.
- Não? "Como ele OUSA me deixar com vontade e ir embora"...disse sim!
- ...
- Agora sim la maison est tombé.
- Não, nem é nada disso...eu to triste mesmo. É que a paixonite tava me fazendo companhia, eu acho. Tinha alguém pra sonhar, tinha alguém pra pensar, tinha um e-mail pra esperar, alguém pra ligar. Agora babau...eu nem escrevo mais pensando nele, nada... uma droga.
- Ella...
- Ta...vai me internar. Vou ali matar meu orgulho ferido com álcool. Beijo
- Vê se não acha outro desse no caminho...
- To vendo que você me quer bem.
- Vai levar a necessaire?
- Nhé, beijo.



As amigas que eu tenho...


sábado, outubro 16, 2010

_escuro


.
Conforme eu passava a mão no fundo de areia branca, uma poeira linda, quase prateada, enchia a água de uma névoa misteriosa. A água era tão azul que eu parecia estar voando, e os brilhos da poeira branca pareciam estrelas num céu líquido.
“O que eu estou procurando?”
Parecia mesmo ser importante e eu nadava aflita, com medo de perder o fôlego enquanto passava a mão no fundo, sem encontrar. Eu posso nadar nessas águas profundas e respirar normalmente como se fosse parte delas, mas a consciência de ter sido humana um dia deixa no fundo do pensamento este receio bobo.
A névoa branca embaçou meus olhos e deixou a água turva de repente. Eu não encontrei o que procurava e tampouco podia ver alguma coisa. Tentei nadar para longe da névoa e encontrar o caminho de volta para a superfície, quando senti a presença de um animal grande que espreitava por trás da cortina branca.
Meu novo instinto de habitante do mar me levou para perto da criatura, sem medo do que encontraria.
“Não!”
Minhas lembranças de humana queriam empurrar meu corpo de volta para o outro lado, mas eu parecia mais forte do que elas. Travamos uma guerra momentânea - preservação x coragem - e eu venci. Nadei pela água azul-clara e turva, para detrás da névoa, querendo olhar nos olhos do animal que me observava. Quando ultrapassei os limites da cortina de areia, eu o vi.
Era ele. “ELE”. Este parecia ser seu nome e não havia nada no fundo das minhas lembranças, - nem do meu velho espírito humano, nem da minha nova mente das águas - que me dissesse outro nome que não “ELE”. Alto, forte, cabelos escuros emoldurando o rosto bem desenhado, de linhas fortes. A linha do queixo bem cortada, o nariz respeitável, tudo para justificar a existência de um enorme par de olhos azuis, enfeitados por cílios enormes. O imenso animal que me vigiava era humano.
“Mas como um simples humano pode estar aqui sem equipamento apropriado?” Eu pensei. “Ele não pode ouvir meus pensamentos, pobre criatura...tanta beleza protegendo uma mente tão rudimentar.”

Ele não podia me ouvir, mas tinha algo a dizer, e sua voz era alta embora falasse sem movimentar os lábios. Aquele humano tinha um dom que eu jamais vira.
“Nem NÓS podemos falar tão alto.”
De todas as criaturas que conheci, só as baleias têm este poder. “De onde vem este humano? E o que é isso que ele diz?”
Ele me olhava fixamente, os olhos azuis dentro dos meus, e repetia a palavra que era incompreensível para mim. Parece um nome, ou um lugar...ele dizia que eu não podia esquecer. Eu entendi tudo menos a palavra que não poderia esquecer. Pedi que ele repetisse. Irritado, ele repetiu outra vez e outra vez, e meus ouvidos falhavam. Eu me aproximei dele, coloquei meu ouvido perto de seu peito, que era por onde o som parecia sair. Sinalizei para que ele repetisse. Ele sacudiu a cabeça sorrindo como se eu tivesse acabado de fazer alguma coisa estúpida, me pegou pelos braços, levantando meu corpo até que minha cabeça estivesse na altura da dele e aproximou seus lábios do meu ouvido.
Ele repetiu.
A palavra entrou no corpo sem que eu a ouvisse. Eu pude sentí-la escorrendo pelos ossos do crânio, percorrendo o cérebro e entrando na corrente sanguínea. Era quente e viscosa, quase confortável. Ela entrou no pulmão se espalhando e colando em todas as paredes de forma a endurecer as fibras e, com um estalo altíssimo, descolou novamente, formando uma bola quente e violenta que invadiu as artéria e entrou no coração. Nesta hora a dor superou todos os meus instintos. Nem a velha alma humana, nem o novo corpo atlético de criatura das águas suportaram a dor de ter a palavra, dita por ele, dentro do coração. Um grito ensurdecedor saiu da minha garganta enquanto ele desaparecia na névoa branca brilhante que nos cercava. Meus pulmões não aguentariam mais um segundo se eu não tentasse sair dali.
A névoa se dissipou junto com a imagem dele e eu não entendia porque...por que tanta dor...pra que tanta dor?
Eu não sabia mais respirar e nem era mais uma criatura das águas agora que havia recebido a voz dele dentro de mim. Eu estava sem ar. Procurava lembrar como respirar, sem sucesso algum. Eu sabia que faltava pouco para minha morte. Eu sabia que, se não respirasse, eu desapareceria para sempre. Tentei lembrar do rosto d’ELE. Tentei saber seu nome. Tentei recordar o calor estranho das mãos dele quando segurou meus braços, e o hálito doce que impulsionou a palavra mortal. Eu ia morrer...eu queria levar esta lembrança. Me faltava ar. Eu não respirava. A água clara tornou-se noite escura. Eu flutuava,  inerte.

“É doce...”

Uma golfada de ar entrou pela minha boca e pelas narinas ao mesmo tempo, tentando recuperar meu fôlego. Abri os olhos e o alívio de enxergar quase me levou às lágrimas. Eu não estava morta, e o ar agora parecia sólido. Quase se podia ver as moléculas de oxigênio que vieram me salvar. Eu estava no meu quarto, sentada na cama, suando feito um estivador, tremendo de falta de ar. Respirei fundo mais vezes do que eu saberia e tirei as cobertas que prendiam minhas pernas. Todos os poros eram necessários para reabastecer de oxigênio o meu corpo que quase se foi.

Esta foi a primeira vez que eu sonhei com ele.





(fragmento de "O Outro Lado das Coisas" por Mercedes Gameiro©)

quinta-feira, outubro 14, 2010

_mel

é essa a cor dos olhos?
eu esqueço, eu me lembro, eu tento,
eu sei que eu sei, mas faz tanto tempo...

minha cabeça tende a esquecer as cores
embora meu corpo não esqueça as mãos.
mel nas mãos:
disso eu lembro.
não a consistência ou o perfume...
mas a doçura que persiste.

só pode ser de mel a mão que não te larga
mesmo quando não existe.

domingo, setembro 26, 2010

_pequeno conto de inverno


A noite estava fria quando a Fêmea X conheceu o Macho Y.
Os dois eram de tribos diversas, divergentes, quase opostas, mas nem isso nem o frio impediram que os dois se apaixonassem instantaneamente. Na língua dele, este não era exatamente o caso, mas ela também não queria muito saber como a tribo dele chamava "amor à primeira vista". Devia ter algum nome, já que era uma tribo cheia de leis e regras misteriosas. Quem se importa?
Ela vinha de uma tribo livre, de fêmeas que não se aproximam de macho algum se não o quiserem muito...dificilmente seria capaz de notar se não houvesse sentimento da parte dele. Mas havia.
Foi intenso o encontro de X e Y.
Ele declarou sua devoção, mostrou-se por dentro e por fora, cumpriu o ritual da paixão sem deixar dúvidas de que a queria até mais do que ela a ele.
Mas tribos divergentes são tribos diferentes: ela côncava, ele convexo. Ela luz, ele reflexo. Ela entrega, ele...oh céus...ele muito complexo.
Quem poderia entender os habitantes daquelas bandas?


Do nada, o Macho Y voltou para sua tribo sem que a Fêmea X tivesse tempo de evitar. Mas deixou rastros. Incoerente como só ele, não soube apagar o cheiro e as pegadas que deixou pelo caminho. Por instinto - pura liberdade - ela seguiu sua sombra até os limites da tribo dos Ypsilons...para nada encontrar. Só o cheiro e as marcas no chão... nada mais. Não havia tribo, não havia...simplesmente nada havia.
Desolada, a Fêmea X voltou para sua aldeia sentindo a dor das asas cortadas.
Ele desapareceu no ar como um perfume que perde a essência... do qual ela já não é capaz de lembrar.

End of story.

quinta-feira, setembro 23, 2010

_presente


O que eu quero de presente? 
As pessoas perguntam e eu não sei a resposta. O que será que eu não tenho? Preciso fazer as contas....deixa eu ver...
Eu tenho a vida que eu quis, tenho pernas que me levam...Pernas me levam? É a imaginação que me leva, e me leva todos os dias pra onde eu quiser, mesmo que ninguém mais queira. Tenho essa cabeça, completamente descompensada, que dá risada sozinha da vida que eu escolhi. Ri dos dias, ri das coisas, ri do cheiro que a vida tem. Tenho esse coração debilóide e dramático que ama mais do que o amor aguenta e sonha até o último cantinho escondido do universo dos sonhos....e delira.
Eu tenho os cheiros das coisas que eu gosto e as coisas que eu gosto também, que não são tantas. 

Às vezes as pessoas dizem que é difícil me dar presentes porque eu tenho tudo. Mentira...eu não tenho tudo o que se pode comprar. Eu tenho tudo o que se pode querer. E o que eu quero não é o que os outros querem. É bem mais simples, bem mais barato, nem tem pra comprar, acredite.
Se eu for predir presente, vai ter que ser "presente". Presente é aquilo que se tem agora, que se vive agora, e que se guarda para sempre porque não é esquecível. Isso pode vir numa caixa ou no vento . Pode ser uma palavra ou um objeto...pode ser nada se vier com um olhar, um beijo, um abraço bom.
Presente é o que te faz viver, e vida é o único presente que me interessa.
Não quero gadgets, não quero roupa da moda, uma bolsa de marca, um sapato, uma jóia. Não...wait! Eu quero uma jóia sim, mas dessas que não se perdem, que não derretem, que não se enterram em baús de tesouro, porque só é possível guardá-las na alma.
Eu quero essa pedra rara, esse tesouro inteiro que são as pessoas que me cercam, encrustradas na vida que me cabe, cravejadas de amores que nunca passam.
Então, pensa como é fácil me dar um presente: uma flor arrancada de um jardim, um papel recortado, um bilhete feliz, uma pedrinha de um lugar bonito, uma foto do céu... 
Se em algum momento do dia, em algum lugar do mundo, alguém pensou em mim e sorriu...bingo! Este é o presente que eu quero.
Uma vez ganhei uma caixa de fósforos que tinha um único palito, e nele estava escrito "agora". 
É isso...agora é tudo o que se tem. O bem mais valioso: o presente. 
É o que eu quero.





quarta-feira, setembro 22, 2010

_invisível


E se você fechar os olhos? Tenta só uma vez, para eu poder mostrar o que eu vejo.
Olha as luzes lá embaixo, consegue? Desse lado luzes vermelhas, como uma grande cobra sem fim...do outro elas são brancas. Os reflexos na água, as núvens no vidro...
O Oeste é onde eu estou. Não...estou aqui agora. 
Sente o vento frio no rosto? Sente o calor na pele? E o gosto? Halls, café...
Fecha o olho...não olha agora.
Não deixa o tempo passar...sente o que eu quero mostrar.



( feche os olhos)

sábado, setembro 18, 2010

_a boina

Mercedes & Felipe
Por volta de 2005, eu e o Felipe Belão (@belao) éramos loucos - não que hoje sejamos normais - e escrevíamos contos no scrapbook do Orkut. A regra era: cada um escrevia uma parte, sem jamais combinar o tema ou o rumo da história, e postava no Orkut do outro. 
Aqui vai um deles: Conto Scrapiano #4

(Me)
É inverno em Curitiba e a Rua do Rio não tem mais a mesma cara.
Nem o frio é mais o mesmo. Hoje o frio é pequeno, não tem a mesma elegância, nem precisa mais de tanta roupa. Qualquer casaco que tenha bolso ajuda, luva já é coisa rara, no máximo um cachecol. Na infância era preciso ceroula, duas meias, a calça do pijama por baixo do uniforme, “japona”, "galocha"...

Ele anda todos os dias até o trabalho e sabe dizer a temperatura só pela cor do céu. Sabe a hora pela posição do sol. Sabe a velocidade do vento pelo movimento dos chorões.
Todos os dias o mesmo caminho da Júlia da Costa até a praça Ozório.
Conhece as esquinas onde o vento levanta a saia das meninas – das que ainda usam saias. Conhece o tempo dos sinaleiros. Conhece os horários de cada porteiro, de cada comprador de jornal da banca da Visconde de Nácar. Conhece os motoristas de táxi, os garis e a velha que nunca tirou os bobs do cabelo. Só não conhece a moça de boina que sai apressada do táxi gritando com alguém no celular.

(Felipe)
Ela não conhece a cidade. Não gosta de frio de nenhuma espécie, muito menos daquele. Uma peça de teatro. Isso era tudo que a atraía àquele lugar. Ela sabia que o texto era péssimo e a direção medíocre. Porém, o dinheiro compensava até o frio e a boina ridícula que estava usando para lhe conferir um "ar artístico".
Direito. Odontologia. Engenharia. Sempre sonhou em estudar pedagogia. Queria ser uma professora certinha e exigente, até recatada. Sempre se considerou tímida. Mal humorada. E o primeiro sujeito que avistou logo que desceu do táxi a fez questionar ainda mais sua profissão, o frio, sua vida, sua boina, seu celular que não parava de tocar.
- Meu troco, seu filho da puta!
Carioca. Ela não conhecia os taxistas do aeroporto Afonso Pena. Voz estridente. Ela deixou o diretor medíocre da peça de teatro de texto péssimo surdo com o grito. Curiosa. Ela olhou pela segunda vez para o sujeito do outro lado da rua. Curitibano. Ele retribuiu o olhar com um pré-julgamento cheio de censura e antipatia.

(Me)
“Carioca. Tinha que ser pra usar essa boina ridícula. Deve trabalhar com cinema e achar que é o máximo. Elas sempre gritam! Chegam aqui achando que todo mundo é burro, que podem tratar todo mundo com essa superioridade. Ou chamam de “BEM” , ou de filho da puta! Todas pseudo-intelectuais. Todas feias de bunda boa.”
Mas nem toda a antipatia curitibana podia impedi-lo de dar uma segunda olhada, já que seria óbvio uma boa bunda ali, e ninguém é de ferro.
“Nessa esquina venta muito. Bem que ela podia estar de saia”
- Hey! Você!
Braços levantados, olhando por cima dos carros, ela acena para ele.
“Tinha que aparecer. Grita mais, ô perua! Vai me pedir o que? Pra carregar as malas?”
Ele aponta para o próprio peito, olha para trás antes de pagar o mico de descobrir que ela chamava um outro qualquer.
- É! Você! Vem aqui um pouco!
Ele pára no meio fio, espera alguns carros passarem, testa franzida, já de mau humor.  
“Vou perder a hora por causa dessa carioca de boina”
Atravessa.
- Quem é você? – pergunta
- Eu? Quem é você, que já chega do aeroporto gritando na rua?
- Desculpa. Aquele cara foi embora com o meu troco.
- Quer que eu corra atrás dele?
- Não. Quero que você vá ao Teatro hoje à noite.
- Porque eu cometeria essa loucura? – sorriso sarcástico nº 5
Ela a tira da bolsa um convite para a peça ruim de texto péssimo.
- Porque eu estou convidando e você deve ser educado.
Ele pega o convite, olha com descaso.
- Só um?
- Eu convidei VOCÊ. Sozinho e desarmado. Chega antes pra tomar um drink.
E diz isso virando as costas, arrastando a mala enorme pela rua, atendendo o celular que não para de tocar.

(Felipe)
Uma hora antes da peça, ele ainda estava indeciso. Pensativo de cueca e meia preta. Imagem que combinava perfeitamente com sua barriga de cerveja e com seus joelhos grandes demais. Olhava no espelho e a mera lembrança da boina o excitava. Vestiu seu melhor terno. Pensou com desprezo no teatro. Lembrou-se das pessoas que pensavam que podiam mudar o mundo com peças ruins repletas de críticas sociais ou políticas. Necessárias ou não, odiava críticas. Gravata vermelha. Perfume barato. Conferiu se trancou a porta duas vezes. Chave no bolso esquerdo sempre. Carteira no bolso direito quase sempre. Seu carro era velho. Suas rugas já não lhe conferiam apenas olhar experiente. Sua vida passava rápido e ele se movia devagar.

Teatro. Inesperado bom humor. Pseudos-intelectuais. Ela já estava esperando. O batom mais vermelho que a gravata dele. A boina ridícula continuava no lugar, escondendo suas madeixas com dez tonalidades diferentes do mesmo loiro. Tentou sorrir, mas achou aquele terno terrível. Ele achou tudo nela perfeito, embora não fosse.
- Viu só! Tá pra nascer o homem que nega um convite meu.
- Só vim pelo drink que você prometeu.
- É mesmo? E o que você quer tomar?
- Cerveja.
- Cerveja não é drink. Além disso, só tem vodka com menta.
- Então por que você perguntou?
- Só pra saber o que você queria. Agora sei o que você queria e sei o que você vai tomar.

Sentiu-se velho demais para mandar uma atriz tomar no cu.

(Me)
O drink chega. Ele olha aquela coisa verde com a descrença de um gato frente a um osso.
- Quem inventa uma bebida verde?
- Não adianta. É o que temos aqui.
- Alguma superstição?
- Não, querido. Bom gosto.
- Esses lugares são ótimos pra quem quer comprar óculos. Olha só... É como mostra de cinema iraniano...filmes péssimos, excelente desfile de óculos modernosos!
- Do que você gosta?
- De sexo. E você?

A gargalhada dela foi ouvida em todo o quarteirão. “Se rindo é esse escândalo, imagina na minha cama...”
Ela, subitamente séria, olhou nos olhos dele. Por um momento ele sentiu a espinha gelar como se ela tivesse escutado seu pensamento. Tremeu de medo de olhá-la nos olhos novamente.
Alguém fez um sinal, ela respondeu com o olhar, debruçou-se na mesa deixando que o decote quase o fizesse engasgar:
- Tá na minha hora. Sobe pro camarote e me assiste. Depois me espera.
Há milímetros do ouvido dele, sussurrou:
- Eu quero ver do que você gosta...
Gelado e ansioso, ele assistiu à peça de texto péssimo, pretensioso, medíocre. Teve sono, teve tédio, usou a chave que estava no bolso esquerdo para limpar debaixo das unhas, ficou estupefato com a sensualidade e a falta de talento da sua nova amiga. O tempo não passa, e ele não para de pensar em mostrar para ela do que gosta, mas não entendeu ainda o que ela quer com um velho barrigudo de última que achou na rua.

(Felipe)
As cortinas vermelhas, velhas e cheias de mofo se fecharam.
- Curitiba realmente é a cidade maravilhosa do mofo – pensou ele em voz alta.
E, como num passe de mágica, ela misteriosa e sua boina ridícula apareceram ao seu lado. Ele não sabia dizer quanto tempo passou. Por quanto tempo pensou. Durante quantos minutos o mofo, a peça medíocre e a sensualidade da desconhecida passearam pelos seus pensamentos. Apenas foi despertado por mais um sussurro provocante.
- Me leve pra algum lugar... agora.
Não havia resposta. Nada a dizer. Segurou a mão dela de maneira desajeitada, como quem não faz idéia do que fazer em seguida. Levou-a para seu carro velho. Encolheu a barriga. Colocou o cinto de segurança. Ela não. Lembrou que deveria ter aberto a porta para ela. Tentou imaginar o que fazer em seguida. Pensou quais seriam os movimentos certos. O que o James Bond faria? Lembrou que os James Bond´s de seu tempo já estavam velhos ou mortos. Tentou buscar exemplos nacionais e um dos mais decrépitos veio à sua mente: Tarcísio Meira. Procurou se concentrar em dirigir. Nada daquilo estava ajudando.

Os pensamentos dele mal permitiam que o carro seguisse pela pista certa. Ela colocou a mão em sua perna. Não parecia se preocupar com atores mortos, velhos ou vivos. A mão passeava. O carro seguia nervoso pelas ruas de Curitiba. Ele já não controlava seu raciocínio. Cortina. Mofo. Peça. Sensualidade. Tarcísio Meira. Boina. Porta do carro. Ruas. Trocar de marcha. Encolher a Barriga. A mão dela já não estava só na sua perna. “Por que diabos eu estou lembrando do Tarcísio Meira?! 

(Me) 
- Vamos ver o que você tem ouvido... 
Ela empurra a fita para dentro do toca-fitas velho, mas tem que segurar a mão dele que tenta impedi-la.
- “Three witches watch three Swatch watches. Which witch watch which Swatch watch?” 
- Que droga é essa?
Ele tira a fita, sem jeito.
- Um curso idiota de inglês. Nem é sério.
- Que tipo de homem é você?
- O pior!
Pega a mão dela e coloca de volta em sua perna.

No Motel barato, cheirando a tapete úmido e pinho sol, ele bate a porta, joga as chaves, encolhe a barriga, pensa se ela deve tirar a boina ou se aquela coisa ridícula pode dar um ar de filme francês à cena de sexo que ele tenta idealizar  sem saber ainda onde põe as mãos, o que diz, e como se livra da imagem torturante do Tarcisio Meira.
Ela começa a tirar a roupa e ele se atrapalha...não sabe se tira antes a camisa ou a calça, tem medo de ficar de cueca e meia e parecer um perdedor.  Anda pelo quarto desabotoando a camisa e apagando algumas luzes. Depois de uma certa idade e de uma certa circunferência, pouca luz sempre salva a dignidade. “Se ela me convidar pra um banho vai ver a minha barriga. Porque eles não colocam menos luz nos banheiros?”
No sistema de som precário do lugar, Maria Bethânia canta Cavalgada. Maria Bethânia sempre canta nos motéis baratos! O papel de parede descascado, o tapete úmido e queimado de cigarro, os lençóis amarelados e puídos, os quadros com figuras de mulheres feias, a TV em cima da cômoda descascada com gavetas falsas, a esquadria enferrujada da janela... vou cavalgar por toda noite...Por uma estrada colorida...Tarcísio...João Coragem...Tudo revela que será preciso dar muito de si para tornar esse lugar inesquecível.

(Felipe)
E como tornar o momento inesquecível pensando se a cama está limpa ou se o lençol foi trocado? Qual o sabão em pó mais apropriado para aquela roupa de cama? OMO? Estava sendo usado na medida certa? Na quantidade certa?
E, como se não bastasse, o espectro fantasmagórico de Tarcísio Meira ainda se fazia presente. Assim como a voz inconfundível de Maria Betânia em sua canção fervorosa.

Ela não se importava. Porém, para ele o cenário todo exercia uma influência diferente. Atrapalhava psicologicamente. Fisicamente estava tudo funcionando, afinal já fazia dez meses que ele havia parado de tentar contar qual foi a última vez que chegou perto de fazer sexo com alguém que não ele mesmo. Só que o lençol, o ex-galã de televisão, a cabeleira da Maria Betânia formavam um conjunto poderoso. Vinte minutos.
- Não pára!
Aliás, formavam um obstáculo. Trinta minutos.
- Vai continua!
Uma verdadeira barreira intransponível. Uma hora.
- Oh, meu Deus!
Uma muralha que separava o sexo do prazer. Uma hora e meia.
- Ah!!!!
Ela gemia, gritava e parecia estar tendo a melhor experiência pseudo-artística-multiplorgásmica de sua vida. Ele apenas colaborava com o pênis e uma atuação esporádica da pior qualidade tipicamente curitibana. Foi então que ele percebeu. Não era o lençol ou o Tarcício ou a Maria Betânia. Era a boina. Era ela. Era a falta de carinho. Não havia o tal do sentimento e ele sentia falta dele. Não sabia o motivo, mas ele sentia falta da porra do sentimento. “Era o que me faltava! Meu pinto ficou emotivo depois de velho!”
- Ahhh, que foi que você disse?
- Disse que vou gozar.
Boina. Tarcício Meira. Motel Barato. Lençol sujo. Maria Betânia. Pênis romântico. Barriga encolhida. Ela desfalecida. Ele indignado e mentiroso. O preservativo: vazio."

(Me)
Fumaça de cigarro.  Silêncio. Aquele lugar ficava cada vez mais horrível. Agora que a ansiedade e o tesão se foram, ele já nem encolhe mais a barriga e começa a reparar na pintura velha do teto, no descascado das paredes, na decoração pobre e tosca. Dá para imaginar que tipo de casal freqüenta este lugar.
Ela fuma olhando para a porta vermelha do banheiro.  Ele cheira o travesseiro.
- Que tipo de mulher  topa transar numa espelunca dessas?!
Ela sentou na cama indignada, cigarro no canto da boca, falando entre os dentes:
- O que? Você ta falando de mim?
- Não! Claro que não! Pensei alto...tava imaginando quem vem aqui... não você.
- Eu VIM aqui! Não vem tentar salvar a sua pele descarada! Onde mais um homem como você me levaria? Pra um hotel cinco estrelas?
- Calma, eu não quis te ofender!
- Tarde demais!
- Desculpa.
- Eu que não quis te ofender quando entrei por aquela porta! Também não quis te ofender quando vi seu terno horroroso! Nem quando você tirou a camisa. E pra não te ofender eu fingi feito uma atriz barata o tempo todo! E não falei nada!
- Mas você é uma atriz barata!
- E você é o pior tipo de homem que eu já conheci.
- Não te enganei.
- Cala a boca! Não sei onde eu fui achar uma coisa como você!
- Na rua.
- Não sei porque eu fui ceder!
- Ceder? Você que quis!
- Cala a boca! Você me ofendeu, eu digo o que eu quiser!
- Ta. Então diz no carro. Vambora.

(Felipe)
No carro, o silêncio. Ele se sentia sozinho. Não conseguia nem mesmo levar em conta a presença fria da mulher ao seu lado. Já não havia Tarcísio Meira que remediasse seu ódio e repulsa por aquela péssima atriz e terrível amante. Seu sangue corria ao mesmo tempo rápido e gelado.
Pegou um desvio. Andou uns quilômetros. Ela surpreendentemente calada. Já haviam falado o suficiente por uma noite de sexo. “Agora que o sexo acabou, quero o prazer.” O carro velho percorria estradas antigas. Ele lembrou do tempo em que era jovem.

Freiou bruscamente. Não chovia. A lua não se mostrava. Árvores. Silêncio. Nada para recordar. A lembrança teimosa do tempo de juventude dele. Seu sangue continuava correndo rápido e frio. Abriu a porta do carro para ela. Gentil. Abraçou-a por trás até ela sufocar. Seu corpo tremeu. “Os corpos sempre tremem.” Seu último suspiro veio logo. Foi pesado. “Todos os últimos suspiros são pesados.” A lembrança de sua primeira amante misturada com a imagem da mulher de boina saindo do táxi. Prazer finalmente.
Quando soltou o corpo, a queda foi inaudível. Ele olhou para baixo. A imagem fez seu sangue frio parar. Não havia corpo. Não havia mais atriz. Não havia amante. Ele só enxergava sua própria solidão."
 

FIM
 

Felipe e Mercedes aqui
Delírio - outro conto scrapiano parte 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, Final
Felipe Belão aqui