sexta-feira, setembro 29, 2006

Almas Gêmeas

Duas
Faz-me pensar.

O que são almas gêmeas? Gêmeas como? Geradas de uma mesma célula e nascidas no mesmo dia?
Há uma teoria que diz que o universo tem hoje o mesmo número de moléculas que tinha no exato instante do big-bang. Wow! Incrível. Tudo era nada e agora está tudo aí, feito do mesmo número de nadas.
As almas também. Depois do nada, veio o Adão (hello? Licença poética!). Para que Eva nascesse ele doou um pouco da sua carne e metade da sua alma. Dois seres feitos de um, divididos por dois, que dá duas metades e um monte de problemas e bingo: gêmeos que se amam. O resto da história todos nós sabemos: Adão e Eva tiveram filhinhos que tiveram filhinhos que tiveram filhinhos e aqui estamos nós. Éramos nada. Somos bilhões. Todos vindos do nada que criou uma alma só. Então como funciona? Cada um dividiu sua alma. Depois, ao morrer, cada alma se dividiu em duas. Assim, foram surgindo e separando-se as almas gêmeas mundo afora.


Seria tão mais simples se fosse diferente... Mas seria um impossível quebra-cabeça, pensa bem: Deus – um desocupado – fica fazendo almas e separando em duas o dia inteiro. Daí coloca uma aqui e outra do outro lado do mundo só de sacanagem. Depois ele pega uma cerveja, reclina a poltrona de couro e fica olhando o povo aqui em baixo se bater pra encontrar sua outra parte. Que maldade!
Para não fazer isso, ele resolveu assim: cada um vira dois que viram dois que viram dois. Assim a gente se diverte um pouco mais, encontrando vários pedacinhos da nossa alma no decorrer da vida, onde quer que a gente vá. Genial! Mas aí como faz pra saber quando é hora de parar? A gente escolhe o melhor pedacinho entre os milhares por aí? Sim, porque se somos todos almas descendentes da alma de um Adão só, então somos todos almas gêmeas de alguma forma. Ueba! Até o Brad Pitt é minha alma gêmea, assim como o pedreiro, o padeiro, o gatinho que mora ali na outra rua, o Bill Gates. Ficou fácil! Basta agora escolher um e rezar pra ele também me reconhecer como uma parte sua. Bacana!


Pensando em todas as possibilidades matemáticas ou não, parece bem impossível que tenhamos mesmo uma alma gêmea. Gente! Estamos fritos! Agora virou festa da uva... Ninguém é de ninguém.



Desde que a história começou, nos organizamos em casais. E para que isso funcione começamos a inventar histórias bonitas. Eva levou Adão para o mau caminho (começamos bem), mulheres brigaram por seus homens, homens juraram amor eterno a suas mulheres - tudo por sexo e procriação. Mas as histórias bonitas foram ficando marcadas, foram sendo escritas... Faraós, príncipes e princesas, fazendo do desterro do casamento arranjado uma história enfeitada para acreditarmos que em pares somos perfeitos. E eram pares formados por interesse, cada um com seu amor secreto – o que perfaz 4 pessoas por casal. De quatro em quatro, somos ainda pares e ainda mais perfeitos, porque ao menos somos um pouquinho mais felizes. Há os casos em que o número par é seis. E assim, buscando o amor aos pares, as almas gêmeas acabaram por ficar no imaginário popular de forma a nunca mais deixar de existir. E hoje é a isso que buscamos incansavelmente: uma alma - metade de mim.

É uma busca divertida para alguns e depressiva para outros. E a injustiça dos pares é tamanha que em alguns casos o número é ímpar. Por que alguns jamais encontram sua metade? Nasceram inteiros ou desprovidos de alma? E a Liz Taylor? O que aconteceu com ela? Nasceu bem na hora que uma alma entrou no ventilador? Uns com tanto, outros com tão pouco...e a vida segue dessa maneira: uma eterna busca por um amor único e eterno, como se fosse feio ser sozinho. Como se fosse pecado ser completo. Como se o dedo do mundo apontasse para aqueles que se bastam.

domingo, setembro 24, 2006

Quarenta e Cinco e quero mais!

Bom dia.
O dia hoje não se parece com o dia em que eu nasci. Lá em 1961 era domingo também, mas um domingo de sol. Hoje o dia está cinza, e eu nem vou olhar pra fora! Como todos os vaidosos-espaçosos do mundo, eu nasci num domingo ensolarado. E parece que contrariando todos os mapas astrais, conjunções planetárias e gráficos complicados, o sol resolveu se esparramar pela minha vida a fora.

Sempre foi dia claro de primavera. Os pessegueiros sempre estiveram floridos. As amoras sempre maduras no pé esperando que eu fosse pintar de roxo as pontas dos meus dedos. Parece poético e escapista, mas vou contar um segredo para vocês: eu sou poética e escapista. Não que eu viva exatamente num mundo cor-de-rosa, afinal já choveu muito, as amoras já foram azedas, os pessegueiros secaram, mas por pouco tempo. E depois, quem disse que eu valorizo muito os maus momentos? Não me servem. Não os quero. Não chego a deletá-los, mas prefiro prestar mais atenção no que vale a pena. Eu só quero saber do que pode dar certo... Mas a minha visão de DAR CERTO, provavelmente não é igual à sua.

Dar certo é me fazer feliz. Ok, é imprevisível. Como se vai saber se algo vai dar certo antes de realmente viver? Não sei. Impossível. Mas dá certo sentir frio na barriga, ter a sensação da possibilidade de ser feliz. Com o tempo, dá pra sentir que não está funcionando muito, mas ainda dá tempo de tentar mudar, ou de desistir, e realmente deu certo se por algum tempo eu fui feliz. Estou falando de tudo: da vida em geral. Às vezes você passa um mês se preparando para uma grande festa. Acha que vai ser a festa da sua vida, perde um tempo enorme procurando a roupa certa, os sapatos, a bolsa, um colar que combine, os brincos, marca cabeleireiro, faz as unhas, depilação, maquiagem, capricha na lingerie. Wow! Vai ser a noite da sua vida...e não é. A festa foi boa, mas não tão divertida e você voltou pra casa sozinha, o cara que você queria encontrar não deu muita bola para você, você poderia ter dançado bem mais se não tivesse ficado desfilando na frente dele para chamar atenção. E aí? Não foi feliz? Como assim? E a preparação não foi maravilhosa? A ansiedade, as borboletas no estômago, o coração disparado quando você viu que ele estava vindo na sua direção? Claro que foi bom...claro que você foi feliz.
E amanhã tem amora madura no pé, porque a vida é toda hora. Ela nem acaba quando a gente fica triste. Três dedos pintados de amora já são o suficiente para esquecer a dor. Só é preciso saber ver a vida pela lente certa.
Sofrer, todo mundo sofre. Chorar todo mundo chora. Tem sempre um tempo de vacas magras e amoras amargas, mas ele passa. E talvez só exista para a gente se dar conta de que era feliz antes e pode ser de novo.

E é assim que eu sou. Não exatamente cor-de-rosinha, não exatamente ácida, não exatamente séria, não exatamente eufórica. Sou melancólica e amo um dramalhão, como também amo uma história de amor histérica daquelas tão fortes que doem fisicamente. Adoro escrever cartas de amor ou de despedida. Às vezes imagino o meu velório e choro emocionada com a presença dos que eu amo. Às vezes imagino o seu velório e choro mais ainda com as coisas que eu não disse a tempo. Já me vi no meu leito de morte dizendo coisas incríveis para seres idem. Já escrevi a mais triste das cartas e chorei horas em cima dela. Eu era assim aos 15 anos. Eu sou assim aos 45. E amo. Amo frenética e alucinadamente todos os dias desde que me entendo por gente, como uma doença congênita, e adoro chorar pensando que aos 85 eu vou morrer de amor, tendo a minha mão encaixada dentro da mão grande do amor da minha vida.

Ai ai...
Ao mesmo tempo eu rio. Rio, canto e falo sozinha. Faço companhia para mim mesma como poucos já conseguiram. E faço o possível para tornar mais fácil a vida de todos à minha volta. Outro dia no avião, uma moça me perguntou como e possível eu ter 45 anos com essa energia que parece juventude pura. *Eu tenho 25 e sou muito mais acabada que você!*
Eu não tive alternativa senão responder a verdade:
1. Não é bem assim...nem sempre eu sou essa pessoa tão leve.
2. Eu sou abençoada. Mesmo os problemas mais sérios que eu tive na vida, não pareciam tão sérios pra mim. Mas nunca tive um emprego que eu odiasse, nunca convivi com pessoas que eu não gostasse, nunca deixei de fazer as coisas que eu gosto, nunca me violentei, me vendi, me permiti perder a dignidade. E sempre encarei a vida como um presente.

Parece auto-ajuda, ne? Sinto muito. Não sei como fazer para tornar mais amargo um dia feliz. É setembro. A primavera chegou ontem e eu hoje. Os pessegueiros estão floridos e os meus dez dedos estão roxos de amora, assim como meus lábios e minha língua. Hoje mais do que aos 15, aos 20 ou aos 30, é doce o gosto da vida que eu tenho.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Um Tango para George

Para comemorar finalmente a minha volta às telinhas, aqui vai a edição completa do Tango para quem nunca conseguiu ler assim -- de carreirinha. Peço calma a todos, porque ainda estou me batendo com essa coisa toda, e ainda não consigo sequer colocar uma foto nessa coisa.
Mas ok... tudo na vida passa. (Menos essa minha vontade de escrever)
Bom dia, flor do dia.
I'm so back!


I
(Café & lenda)

Dia de sol em Buenos Aires.
Uma típica turista passeia com sua mochila, sua máquina fotográfica, casaco amarrado na cintura, cabelos mal presos com uma piranha, olhando tudo, registrando tudo. A cada nova cidade, um novo relatório de detalhes arquitetônicos. Um novo retrato do povo e seus hábitos. Um novo festival de cores colecionadas em fotos.
Numa praça com bancos de pedra o telefone celular tocou.
Ela sentou-se, atendeu e conversou longamente, como se tivesse tempo. Pombos na praça. A luz do sol cortando a sombra das árvores. Uma igreja imponente ao fundo. Pessoas passando com pressa, outras com a curiosidade dos turistas.

No bistrô da esquina, um homem observava curioso.
Ela terminou sua ligação e foi até o Bistrô tomar um café. (claro café. Uma história minha não é uma história minha se ninguém tomar um café). Assim que sentou-se à mesa o homem se aproximou. Jeans, tênis, t-shirt, mochila, cabelo curto bagunçado, levemente grisalho, óculos escuros, barba por fazer. Típico turista. "Cool".

- Hola. Pardon...err...permisso.
Ela riu da dificuldade dele e tentou salvá-lo. "Com esse cabelo, deve ser francês".
- Est que tu parle français?
- Non...ãn...spanish? er...
- English.
- Oh thank god! I knew you were smart!

Ela sorriu seu sorriso aberto, esquecendo de se preservar, uma vez que viajava sozinha. Mas lembrando todas as suas experiências, eu pergunto: quando foi que ela se preservou?
Continuaram em Inglês.

- Então. Agora que já sabemos que eu sou inteligente e você nem tanto, já pode falar.
Ele sorriu sem graça, meio vencido, mas ainda com seu ar de galã portenho.
- Desculpa. Eu só fiquei curioso para saber que língua estranha era aquela que você falava ao telefone.
"Hm...cantadinha pobre."
- Português.
- Sério? Você é de onde? Portugal?
- Brasil.
- Ta explicado...
"Ai, lá vem outra cantadinha pobre: toda brasileira é bonita, bla bla bla".
- Toda brasileira é bonita.
"Ah! Jesus me leva". Ela sorriu sem muita vontade, agradeceu o elogio, pediu seu café. O rosto dele lembrava alguém que ela não conseguia saber quem era. O olhar de incômodo e curiosidade acabou denunciando que mesmo com a péssima tentativa de aproximação, talvez ele tivesse mais uma chance.
- Posso tentar de novo?
- Como assim?
- Voltar pra mesa, olhar pra você, começar outra vez?
"Hm...ele não é de todo idiota..."
- Claro. Vai lá...Eu dirijo você.
Ele andou até a mesa, olhou para ela de lá.
- Posso ir?
- Tenta ser verdadeiro. Uma coisa mais cinema, menos seriado, ok? E não fale demais.
- Ta.
- Ação!
Ele vem andando e olhando fixamente nos olhos dela. "Canastrão".Aproxima-se da mesa.
Senta-se.
- Desculpa. Eu preciso sentar aqui. Eu ouvi você falando uma língua que eu não conheço no telefone e tive que olhar. Desculpa mesmo. Mas é que além de achar lindo, VOCÊ é linda. Seu sorriso é impressionante. Então eu pensei: eu vou convidar essa mulher para tomar um café, vou dar um jeito de passar o dia inteiro ao lado dela nem que ela esteja indo se internar num hospital psiquiátrico; vou pedir pra ela fazer desse o melhor dia da minha vida, porque eu tenho certeza que uma mulher com esse sorriso vai ser a melhor coisa que me aconteceu desde que eu fui pra Disney aos 5 anos. Garçom? Mais um expresso, por favor...

Silêncio constrangedor. Ela olhava para ele sem saber o que dizer. "Jogo um troço na testa dele ou me penduro no pescoço?" Ele continuou.

- Então? Soei mais verdadeiro agora?
- Eu disse pra você não falar muito.
- Eu nunca obedeço ao diretor. Deixa eu me apresentar? Muito prazer, George.
- George...Porque eu acho que te conheço?
- Meu rosto é comum. Sua vez agora.
- Ah desculpa...Lívia. Meu rosto também é comum.
Ela estendeu a mão. - Seu rosto é perfeito... Ele a beijou delicadamente. "Canastrão irresistível... Meu deus!"- ...Então... O que você está fazendo aqui?
- Acho que o mesmo que você. Conhecendo Buenos Aires.
- Sozinha?
- E você?
- Sozinho.Tentando ter alguns dias normais, no anonimato, sem perseguição, sem imprensa, sem trabalho. Só um cara normal invisível.
- Porque?
Ela olhou mais uma vez. O rosto começou a se encaixar com as informações, o jeito de falar o corte de cabelo, a barba mal feita, os olhos...Continuou:
- Entendo...
- Entende?
- Claro.
- Então você sabe quem eu sou.
- Não. Eu sei quem você é, mas não o conheço. Então ainda não sei quem você é. Assim como você não sabe quem eu sou. Estou errada?
- Não. Está certíssima. E sabe o que eu quero? Eu, senhor ninguém que acaba de conhecer a linda senhora Ninguém num bistrô simpático, quero ser ninguém até me tornar alguém só porque o dia foi bom. Entendeu?
- Ahan. Mas você não imagina que vá deixar de ser Ninguém só porque é alguém 'conhecido", ne? Ou que vai mesmo passar o dia comigo?
- Não, Senhora Lívia Ninguém. Se eu for um lixo de um ninguém, prefiro que você me jogue no Rio De La Plata e não olhe para trás.
- Que ótimo. Então pede mais um café pra mim, Sr. Ninguém, e vamos conversar enquanto eu penso em que ponto do Rio quero te jogar.
- Uou! Jura? Você vai deixar eu ficar sentado aqui conversando com você?
- Claro. Mas é só esse café e eu vou te jogar no Rio. Depois quero passear mais um pouco para tirar mais fotos, ok?
- Ok. Muito gentil...

As horas se passaram numa conversa sem fim, sem que nenhum dos dois percebesse que a tarde já havia roubado aquela manhã de sol e que o passeio de Lívia estava se perdendo minuto a minuto. Os pombos na praça já estavam cansados de voar ao redor dos turistas. Os turistas já estavam a caminho de outras praças. O sol já não cortava mais a sombra das árvores. Muitos cafés, algumas tortillas, cigarros e mais cafés.

O garçom se aproximou da mesa com o cardápio e perguntou:
- Gostariam do prato do dia?
Os dois se olharam com espanto. Lívia se desesperou:
- Como assim? Almoço? Já? Que horas são? Meu Deus, três horas da tarde...Ah! Perdi o passeio pro Caminito! George...Olha o que você fez...
- Eu, Lívia? Você que nunca para de falar. HAHAHHA! Que tal um táxi até o Caminito e a gente continua a conversa?
- Perfeito. Garçom? A conta, por favor.
- Hey, Sra Ninguém...Deixa o garçom comigo, ok?
- Hm...Vai brigar comigo em público?
- Só na próxima conta.

Quando o garçom trouxe a conta, trouxe junto um bloquinho.
- Senhor Clooney, será que pode me dar um autógrafo?

Lívia interrompeu:
- Clooney? Te confundiram outra vez, amor. Dá um autógrafo pra ele mesmo assim. Inventa uma assinatura.
Olhando para o garçom:
- Daí você finge que era dele mesmo, né?
- No, gracias.
O garçom recolheu o bloco de cima da mesa mais do que rápido e saiu resmungando.
- Ha! famoso...bah! cópia del carajo!

Os dois saíram do bistrô às gargalhadas em direção ao ponto de táxi.

- Ele ficou muito furioso!
- Cópia del carajo!- Hahaha! Você me salvou!- De nada. Sempre que precisar me chama. Então...Caminito ou Porto Madero?
- Você não queria ir ao Caminito?
- Posso ir uma outra vez.
- Podemos?
- Posso. Em Porto Madero a gente pode almoçar. Tem ótimos restaurantes lá. Daí você pode brigar comigo em público. E eu posso te jogar na parte bonita do Rio. Uma morte glamourosa. Que tal?
- Perfeito. Um almoço antes de morrer.


O antigo porto transformado num bela calçada cheia de restaurantes à beira do rio tem o ar romântico do Senna, a modernidade de Barcelona, o clima perfeito para um passeio descompromissado, calmo, regado a risos e conversas.Almoço, vinho, risadas passeios a pé pela beira do rio, ameaças de assassinato a cada cem metros, ele tirando fotos dela, ela fingindo que não queria fotografá-lo, ele começando a olhar para ela diferente, ela fingindo que ainda o achava um tremendo canastrão, tempo passando, tarde caindo.Um taxi para a Calle Florida. Existe lugar mais brega do que a Calle Florida? Para quem queria ser invisível era o lugar perfeito. Muita gente na rua, milhares de lojas, milhares de turistas, todos parecem idênticos na Calle Florida. Em meio à conversa, a vitrine de uma joalheria segurou os olhos de Lívia.

- Nossa...O escaravelho.
- Quem?
- Esse anel de escaravelho.
- É lindo. Que pedra é essa?
- É uma pedra egípcia. Você conhece a história?- Não. Que história?- Desse besouro azul?
- Não. Me conta.
- No Egito antigo, eles acreditavam que o besouro era um Deus. O Deus da reencarnação. Da ressurreição. Isso porque qunado os besouros nascem, a fêmea serve de alimento para os filhotes até que eles possam sair voando e andando. Por isso eles achavam que quando o besouro morre, ele se transforma em vários outros.Entõa, quando a pessoa morria, eles retiravam o coração e substituíam por um escaravelho dessa pedra, feito do tamanho do coração que foi retirado. Assim, a pessoa viveria para sempre. Ou reencarnaria logo. Mas o sentido mesmo era que ela viveria para sempre.
- Que lindo isso.
- Não é?
- Você queria viver pra sempre?

Ela falava enquanto caminhavam a pé pela rua.

- Viver pra sempre é relativo.
Você vai viver pra sempre, ou por muito tempo, porque vai deixar seus filmes. E do jeito que a tecnologia está evoluindo, vai ser possível conservar filmes por muitos milênios. Eu não tenho uma obra pra deixar. Talvez minhas fotos. Mas como eu não invisto nisso, elas não são eternas. Seria bom então viver para sempre no sentido egípcio. Se bem que viver pra sempre no coração de alguém é melhor do que reencarnar, não é? Então eu preferia ser o besouro.


Ele olhava para ela cada vez mais bobo e fascinado.

- Posso ser embalsamado e sepultado numa pirâmide então?
- Credo? Que exagero! Pra que?
- Pra você ser o besouro...
- Será que o seu coração é do meu tamanho?
- Medidas exatas. Tenho certeza.

Lívia ficou sem graça como ainda não tinha ficado até agora. Olhou no relógio.
- Está na hora. Eu vou pro hotel.
- Já? Acabamos de nos conhecer.
- Ha! Estamos juntos há quase 12 horas. Você conseguiu o que disse que queria naquela sua cantada péssima! Sentou na minha mesa, tomou mais de um café, passou o dia grudado em mim. Seus sonhos já foram realizados, Senhor Ninguém. Agora é hora de ir.
- Droga. Eu levo você até lá então.
- Olha só...Senhor Ninguém se tornando alguém ao ser gentil. Escapou de novo de ser jogado no rio!

George parou na frente de Lívia e ficou olhando para ela com um meio sorriso paralisado por eternos segundos que pareciam congelados.

- Hey...o que é esse olhar?
- Esse olhar? (that look?)

Num meio abraço, ele começa a cantar rindo:
- The look of love is in your eyes...a look your smile can't disguise...
- Ai essa música é Linda. Mas ficou tão piegas no Brasil. Virou tema de novela. Isso destrói qualquer música...
- Então esquece que eu estou sendo piegas e vamos dançar.
- Aqui?
- Aqui. Eu canto, a gente dança. A noite está linda. Vai. Para de falar. Me deixa ser piegas!
E cantou enquanto os dois dançavam no meio da avenida deserta.

- "The look of love is saying so much more than just words could ever sayAnd what my heart has heard, well it takes my breath awayI can hardly wait to hold you, feel my arms around you How long I have waitedWaited just to love you, now that I have found youYou've got theLook of love..."
Lívia começou a cantar junto animada e os dois andaram a caminho do hotel cantando e dançando freneticamente sob os olhares das poucas pessoas que passavam na rua.

-"Be mine tonight, let this be just the start of so many nights like this. Let's take a lover's vow and then seal it with a kiss..."
- Olha que lindo, Lívia. Nós já tínhamos uma lenda, agora temos uma música. Nosso relacionamento está evoluindo.
- R-E-L-A-C-I-O-N-A-M-E-N-T-O?
- Shhh! Presta atenção na parte importante. Que falta de romantismo.
- Desculpa, fala.
- Já temos a nossa música... "the look of love"...
- Certo. NOSSA música.
- E já temos uma lenda. A do Deus Besouro que vai fazer você viver pra sempre no meu coração.
- Ó, que lindo!
- É lindo, sim!
- Claro que é lindo. Lindo é saber que o mega galã hollywoodiano George Clooney é o menino mais romântico que surgiu no mundo desde Romeo em pessoa.
- Ok. Ta me jogando no rio? Ta rindo da minha cara?
- Não George. Eu estou brincando com você. E estou achando muito lindo mesmo você ser assim.
- Ah bom. Eu não ia ficar feliz.
- Então fica. Porque eu estou adorando você tão piegas.
- Lívia! Não estraga?
- Desculpa. Continua...

O hotel ficava no final da Calle Florida, perto da Plaza San Martin. Não era o lugar mais bonito de Buenos Aires. A entrada era por uma galeria que não inspirava confiança. Alguns metros para o interior da galeria estava um elevador pequeno, velho, dourado, apertado, quase aterrorizante. Sob o olhar de um segurança mal encarado, na porta do elevardor, os dois se despediam.
- É aqui então?
- É.
- Tem certaza?- Tenho. Lá em cima não é feio assim.- Então...
- Então, George...foi ótimo.
- Foi. Foi um dia perfeito. Adorei conhecer você.
- É. Também.
- Um prazer mesmo, Senhora Ninguém.
- Todo meu, Senhor Invisível.
- Me dá um abraço.
- Claro.

Um abraço sem jeito. Meio sem querer largar. Meio largando pra não ficar chato. "Ai meu deus". Ele, muito alto para ela, seus ombros largos, seu peito confortável. Ela magra, miúda, sendo praticamente engolida pelos braços dele. Não queria sair dali nunca mais, mas achava que o dia já havia sido intenso o bastante para ser prolongado num abraço assim.

- Então ta. Até.
- Até.
Ela começa a entrar no elevador.
- Hey! Até como? Até quando? Caminito amanhã?
- Não. Amanhã eu vou embora.
- Lívia? Você vai embora amanhã?
- Vou.
- Mas porque você não me disse?
- Ah...Eu não te conhecia ainda. Achei que não precisava. Não sei.
- Ah não! Você me jogou no rio!
- Não! É que primeiro eu achava que não precisava. Depois eu não sabia como. Desculpa! Juro que não te joguei no rio...
- ah. Como assim? Você vai embora! Não é "até". Eu nem sei como falar com você.
- Mas a gente se fala, George.
- Como, Lívia?
- Sei lá. Pega o meu e-mail.
- E-mail?
- George. As pessoas se comunicam por e-mail. É um jeito.
- Tá bom. Me dá o seu e-mail.
- decora?
- Tomara. Fala.
- Livianoone@hotmail.com
- Hey...esse é o seu e-mail? Como assim?
- Não é. Mas vai ser assim que eu chegar.
- A que horas você vai embora?
- As duas da tarde.
- Ai meu deus! Me dá outro abraço vai?

Mais um abraço. Agora sem querer mesmo largar. Mais sofrido. Mais doído. Os braços de George se tornaram o melhor lugar do mundo de repente. Era com se só agora ela percebesse que vai embora deixando alguma coisa que podia ser boa e importante. Ele deixava ali de ser George Clooney para ser alguém que ela queria conhecer mais. Mesmo assim, o eterno "jeito Lívia de fugir" falava mais alto.

- George. Deixa eu subir?
- Deixa eu subir?
- Não...deixa EU subir.
- Então...deixa?
- Não. Você fica aqui. Eu tenho que ir. A gente se fala.
- Por favor?
- Não George. Você fica.
- Lívia...eu não sei quando vou te ver de novo. Você vai pro Brasil. Eu vou pra América. Me deixa subir?- George, a gente não vai se perder.- Ta bom, Lívia. Você me jogou mesmo no rio. Boa viagem. Se cuida, ta?
- Não joguei não. Juro.- Eu não vou acreditra.- Vai sim. Eu vou dar um jeito nisso. Se cuida também. Tchau.
Ela se aproximou e beijou o rosto dele.- Tchau. Não esquece do e-mail.
- Não. Eu faço assim que chegar.

Lívia deixou George Clooney em pessoa plantado na porta de um hotel feio em Buenos Aires e entrou sozinha no elevador, rumo ao apartamento 1101, que tinha duas camas de solteiro, um frigobar e uma TV meio pequena.

II
(Papo de Menina)
No apartamento apertado e feio do hotel no final da Calle Florida em Buenos Aires, Lívia pegou o celular e ligou para a melhor amiga no Brasil.

- Acorda Maria Amélia. Preciso falar com você.
- Quem é? Lívia?
- Oi.
- Você não ta em Buenos Aires?
- To. Você ta acordada?
- Claro que não né? São 3 horas da manhã. O que aconteceu? Você ta bem?
- To. Acho.
- O que foi?
- Ai Mélia...aconteceu uma coisa.
- Ai meu deus! O que que houve, Lívia? O que você fez?
- Caca.
- Ai não! Lá vem! Não me diz que você conheceu um argentino lindo e não ficou com ele que eu te mato!
- Não. Pior.
- Pior?! Era um argentino lindo e inteligente e você não ficou com ele?
- Pior.
- Eu vou te bater. Lindo, inteligente e rico?
- Não.
- Lindo, inteligente, rico e de pinto grande?
- Pára Mélia! Sei lá o tamanho do pinto?
- Deus! Você nem sabe o tamanho do pinto?! Nem me conta mais nada que eu não quero saber. Vou ficar com raiva de você pra sempre.
- Então ta. Dorme bem.
- Nãaaao! Não desliga! Me conta do argentino do pinto misterioso. Hahahahha!
- Pára...ele não era argentino.
- Então fala logo. O que pode ser pior do que eu já sei?
- Conheci o George Clooney.

Silêncio.
- Mélia? Você ta aí?
- To. Mas acho que não ouvi bem. Quem?
- George Clooney. GE-OR-GE CLOO-NEY!
- O cara era igual ao George Clooney e você não ficou com ele? Pelo amor de deus, Lívia! Onde você ta com a cabeça?
- Não. Presta atenção, Mélia. O cara não é igual ao Geroge Clooney. É ele! O próprio. A pessoa mesmo. O ator.
- Como assim?
- Assim.
- Pera. Deixa eu sentar na cama que eu acho que vou ter uma parada cardíaca. Vê se eu entendi: A minha melhor amiga conheceu o George Clooney em Buenos Aires. Sozinha, livre, desimpedida de tudo, e está me ligando de madrugada pra dizer que não deu pra ele????
- Isso.
- LÍVIA!
- Ai. Não grita. Eu sei. Mas você sabe como eu sou...
- Sei. UMA ANTA! UMA MONGA! UMA INGRATA!
- Ingrata?
- É! Você pode e não usa e as amigas ficam sem saber nada! Isso é egoísmo!
- Até parece que se eu transasse com ele ia te contar detalhes.
- Não! Porque você nunca transa com quem interessa! Ai Lívia! E agora? Vocês saíram, conversaram, beijaram na boca? Marcaram o que mais?
- Então...a gente passou o dia mais delicioso juntos. Quase um filme de sessão da tarde. Foi tudo divertido. Ele é um lindo.
- Passou o dia inteiro com ele? Brincando de Before Sunrise?
- Desde as 11 da manhã até agora a pouco.
- Meu deus! Fazendo o que?
- Ah...conhecendo a cidade, tomando café por aí, andando a pé, conversando.
- Conversando? Quem quer conversar com o George Clooney? Noventa por cento as pessoas que eu conheço querem DAR pro George Clooney! E ele vai cair bem na tua mão?
- Ai Mélia. Do jeito que você fala parece que eu sou uma virgem Maria idiota.
- Mas é!
- Não sou não!
- Não. É uma virgem Maria idiota que não ficou com o George Clooney! Merece morrer!
- Eu não ia transar com ele só porque ele é o George Clooney.
- Ta. Então ele ser quem é não interessa. Me diz então...
- O que? Não interessa mesmo.
- Tá bom. Ele é legal?
- Ele é um lindo. Meio canastrão, mas super doce, gostoso, inteligente, agradável, a melhor companhia, bonito, eu já disse gostoso?
- Já!
- Hahaha!
- Então. Você conhece um cara que é tudo isso numa viagem. Gosta dele. Passa um dia delicioso. Ele quer ficar com você. Porque você não fica com ele, mesmo ele não sendo o George Clooney?
- Porque eu não fico com ninguém no primeiro encontro.
- Que primeiro encontro, criatura? Quando vai ser o segundo? A gente ta falando DO ENCONTRO.
- Ta, mesmo assim.
- Como mesmo assim? Eu nunca vou te entender. Me fala que beijou na boca. Por favor! Pelo amor de deus. Eu preciso ouvir isso pra poder continuar sua amiga.
- Ai. Cala a boca, Mélia.
- Não beijou. Não acredito. Você não beijou ele?
- Não!
- Não? Porque ele não quis?
- Ele quis. Ele queria subir aqui no meu quarto.
- E você não convidou?
- Eu não deixei.
- Ai, vou desligar.
- Não!
- Mesmo ele te pedindo pra subir e você não deixando, você não deu um beijo na boca dele? Nem pra consolar, nem pra não sair de mão abanando?
- Não.
- Mas porque? Ele tem bafo?
- Não. Ele é super cheiroso.
- Ai ai ai. Você precisa de um pai de santo, mulher! Não é possível. Isso só pode ser macumba. Você não teve vontade de beijar ele?
- Tive mas...sei lá.
- Ah sei lá... Como assim sei la? E o que você vai fazer agora? Você quer?
- Quero né. Depois que eu subi e vi o tamanho da besteira que eu tinha feito...agora eu quero muito!
- Vai la no hotel dele, bate na porta e agarra ele Lí!
- Eu não sei onde é o hotel dele.
- Liga pra ele então.
- Eu não peguei o celular dele.
- Como assim? Você ta louca? Você por acaso lembra da cara dele? Você fez alguma coisa inteligente? Lívia, você merece morrer devagar...sofrendo muito...
- Eu sei, Mélia... eu to me matando aqui.
- Se mata mesmo! Por mim!
- O que que eu faço, amiga?
- Tem abridor de lata no frigobar?
- Sei lá. Deve ter. Porque?
- Pega a pontinha do abridor e fura a carótida.
- Para, Mélia! Quero saber o que que eu faço. Eu vou embora amanhã as duas da tarde e nem sei onde achar essa criatura.
- Ah. Que ótimo.
- Dá pra você que é super esperta e faz tudo certo ter alguma idéia?
- Não tem idéia possível pra te salvar, amiga. Você é um caso perdido. Vai dormir. Tentar né? Porque é de não dormir nunca mais. Amanhã de manhã arruma tuas malas, se afoga num balde de café, enche a cara de tudo o que engorda. Porque você merece ser um bagulho pro resto da vida!
- Ai amiga...
- Ai amiga...? Você devia ter me ligado durante o dia pra eu te lembrar que você ta viva!
- Nem to mais.
- É... Pra mim você morreu mesmo!
- Não faz assim. Eu te amo.
- Merda. Eu também te amo. Mas você não merece nem consideração. Eu vou contar pra todo mundo. Vou publicar no meu blog assim: A MINHA EX-AMIGA LÍVIA MORREU ONTEM À NOITE EM BUENOS AIRES DEPOIS DE SE RECUSAR A DORMIR COM O GEORGE CLOONEY! VACA!
- Hahaha! Não faz isso comigo!
- Vou fazer.
- Mélia eu te mato.
- Você já me matou, amiga.
- Ai...por favor.
- Ta. To brincando. Vai dormir. Amanhã me liga antes de vir, ta? Quero saber se você teve coragem de sobreviver a essa noite.
- Ta, sua chata. Dome bem.
- Tchau sua anta. Sonha com os anjos. Você não merece sonhar nada melhor.
- Haha! Tchau. Beijo
- Beijo.


Assim, Lívia cobriu a cabeça com o travesseiro e dormiu. Não se sabe ao certo o que ela sonhou, mas acordou de ressaca, com os olhos inchados, triste e mal humorada.


III
(Café da manhã)


Cara inchada, ódio do mundo. Lívia olhou no espelho do banheiro embaçado pelo vapor do banho, aproximou-se bem para ter certeza do que estava vendo, passou a mão no espelho para limpar:
- Ta olhando o que? Sofre, sua anta!

Secou os cabelos castanhos com má vontade deixando as pontas molhadas, tentou disfarçar um pouco as olheiras com corretivo. Rimmel. Gloss. "Chega! Nem massa corrida vai resolver esse seu carão". Começou a juntar as roupas e pacotes espalhados pelo apartamento minúsculo. A bagunça era grande e não sobrava espaço para se movimentar. Alguns hotéis em Buenos Aires são como outros de Nova Iorque: foram feitos para chegar tarde e dormir.
Alguém bate na porta.
- Governança.
"So what? Eu ainda nem fechei a conta e já querem que eu saia daqui? "
- Entra!
- Permisso. Su desayuno.
- Uh? Eu não pedi...Ok, Ok gracias. "Eu mereço isso mesmo. Vou comer tudo."

Lívia sentou na cama e começou a devorar o café da manhã que chegou enganado ao seu apartamento, achando-se a maior felizarda ganhadora de cafés da manhã do sul do mundo. "Perdi o George, mas ganhei muffins, bolos e croissants. Há! Nem tudo está perdido... " Ligou o som. Rap Argentino. "Isso! Me castiga que eu mereço! "
Foi devorando pães, queijos, bolos e tudo o que encontrava, até que percebeu a presença de uma pequena caixa entre a cesta de pão e a de doces.
- Hm...Presentinhos do hotel. Me gusta. Me gusta.

Ao abrir a caixa, Lívia se surpreendeu com o anel de escaravelho que viu na vitrine da joalheria com George. (Ora que coisa mais óbvia!) Surpresa. Atônita. Confusa. Ela engasgou com o muffin de chocolate, deixando voar pedaços de bolo por tudo. Andava pelo quarto com o anel na mão, colocando e tirando do dedo. Olhava pela janela. Desligava e ligava o som. Sentou de novo. Levantou. Uma barata tonta carregando um besouro! Voltou para a caixa e procurou um cartão, alguma coisa que dissesse o que fazer agora. O cartão estava lá. Era pequeno, branco, discreto, de papel bom, com as iniciais GC em marca d'água.

"Eu quero viver para sempre.
Me salva do fundo do rio.
George No One".

- Ai! Meu Deus!
- O que eu faço?
- Eu pulo no rio com você! Juro!
- Cadê?
- Que lindo!
- Mélia!!! Cadê você quando eu preciso?
- Ai meu Deus! E agora? Calma Lívia. Pensa. Pensa!

Sentada na cama, olhando para o anel, aos poucos ela foi organizando seus pensamentos e deixando seu rosto entristecer. Quieta, foi deixando que seus pensamentos a fizessem sentir decepcionada. "Eu não posso aceitar esse anel. Ai droga. Agora eu entendi tudo. O poderoso astro de Hollywood exercendo seu poder de comprar mulheres. Ah... por um momento eu quase caí. Eu nunca tive esse espírito groupie! Não ficaria com um cara só porque ele é alguém.Nem muito menos sou uma loira peituda que se deixa comprar por um anelzinho. Ai...Um anel lindo...A Mélia tem razão: eu devia ficar com um cara como ele. Eu faria qualquer coisa para encontrar esse cara hoje nem que fosse por cinco minutos, mas não assim. Não... Assim não. Ele pode comprar quem ele quiser, mas não a mim. Ai! Que chato...Que droga. O meu anel...Ah...Sorry Mr. Clooney. Alvo errado. Eu sou uma idiota mesmo... "

Lívia deixou uma lágrima escapar do seu olho esquerdo ainda sem saber o que sentir. Muda, quieta, olhando para o anel em seu dedo, ela ouviu baterem na porta mais uma vez.
- Ai. Que que é?
A governanta abre a porta por fora.
- Permisso. Yo no sabía qué hacer...
- O que?

George surgiu por detrás da camareira, agradeceu, sorriu e fechou a porta. Aos olhos de Lívia era uma cena de filme. George Clooney em slow motion, entra num quarto de hotel com cara de apaixonado e vai entrando, e vai entrando, e vai entrando, nunca mais para de entrar...Seus olhos se movem devagar, seu corpo se move devagar, seu coração bate devagar, o mundo gira devagar, e ele nunca mais termina de entrar. Não se sabe se vai sacar uma arma, não se sabe de vai se jogar da janela, não se sabe se vai roubar um beijo...A única coisa que se sabe é que Lívia está sentada na cama, triste, com uma lágrima descendo em slow motion pelo rosto, vendo uma cena de filme como se estivesse no meio de uma viagem de ácido.
George afastou a bandeja para poder passar, pegou Lívia pela mão puxando em sua direção e a abraçou.

- Eu tinha que te ver de novo. Desculpa invadir desse jeito...eu não agüentava mais esperar la embaixo.
- Eu não agüentava mais esperar aqui em cima.
- Hey...Tem uma gota enfeitando o seu rosto. Hm...Estragando o seu rosto. Dá ela pra mim.- Ele beijou a lágrima no rosto de Lívia - Pronto. Ta linda de novo. Porque essa lágrima?

Ela se afastou um pouco, olhou para a mão e pegou no anel. Ele segurou a mão dela e beijou o anel demoradamente.
- Lindo não é? Fala tudo o que eu quero dizer.
- George...Eu não posso aceitar esse anel.
- Pode sim.
- Não George. Eu não posso.
- Porque Lívia? O que você não está me contando? Você me detestou?
- Não...
- Você é casada?
- Claro que não!
- Você tem oito irmãos barbudos e assassinos no Brasil que vão me matar quando eu chegar lá?
- Não né?!
- Então do que você tem medo? Você está sendo dura comigo desde a hora que me conheceu, como se eu fosse um cara detestável. É isso? Eu sou?
- Não...acho que eu queria que fosse...
- Então me explica.
- Eu não posso ficar com esse anel. Vou me sentir uma loira peituda interesseira saindo com um ator de cinema pra tirar vantagem.
- Hahaha! Lívia...faz favor..
- É sério. Não ri!
- Não dá pra não rir. Primeiro que nem toda loira peituda é assim. Segundo que você não é nem tão morena nem tão "flat".
- Pára? Eu estou falando sério...
- Ok. Eu vou te falar o que eu acho. Me dá esse anel e presta atenção.
- Fala.
- Você não é uma menininha boba que vai se deixar enganar e eu não sou um velho idiota babão que sai por aí comprando mulheres para mostrar que tem poder. Você também não lembra nem de longe uma caçadora de celebridades. E se fosse uma, eu não precisaria te mandar uma jóia e vir até aqui. Eu mandava uma limosine com um motorista bonitão e você já estaria na minha cama desde ontem. Aliás, eu não precisaria nem ter passado o dia inteiro conversando e andando a pé com você. E se você não se lembra, fui eu que te abordei e não o contrário.
- Eu lembro.
- Deixa eu falar. Lívia, se eu quero dar um presente para a mulher mais impressionante que eu conheci nos últimos anos, eu não vou consiguir segurar o impulso de dar pra ela o que eu acho que ela nunca vai esquecer. Seria ridículo eu mandar um bouquet de flores, porque você não ia levar com você no avião, e porque você não me contou nenhuma história egípcia sobre alguma flor. Se tivesse contado, eu teria que correr o risco de você dar as flores para a camareira, e eu mandaria as flores sim.
Eu vi os seus olhos brilhando naquela vitrine. Eu fiquei fascinado pela história do besouro azul. Eu adorei ouvir você dizendo que queria ser o besouro. E eu também quero. Então por favor, não me julga pelo que você viu nos filmes sobre Hollywood.
Tudo o que eu queria agora, era que aquele garçom do bistrô estivesse certo! Eu queria ser uma cópia del Carajo! Um cara normal. Um ninguém mesmo! Porque ia conseguir convencer você de que eu sou de verdade, que eu não quero que você entre naquele avião hoje, que eu passei a noite pensando em você, que eu acordei super cedo pra ir naquela joalheria te fazer uma surpresa só porque você é o máximo, que eu tava morrendo lá embaixo com medo de não te ver nunca mais, que eu morro de medo que você me ache um idiota insistente, que eu...
- Cala a boca, George.
- que?
- Para...você já me convenceu.
- Sério? Quando?
- Ah. Acho que em "velho idiota babão".
- E você me deixou falando feito um bobo?
- Tava tão lindo...
- Lívia...
- O que?
- Me dá a tua mão aqui, vai. - Ele colocou o anel de volta no dedo dela - Aceita? Por favor.
- Aceito sim.
- Esse anel não pode sair nunca mais da sua mão. Você vai ter que cuidar muito dele, porque se você tirar, eu morro.
- Menos!...
- Não. - ele fechou a mão dela delicadamente - É o escaravelho no lugar no meu coração.
- Aqui?
- É... - beijando a mão fechada de Lívia - dentro da sua mão. É o lugar dele.
- Que lindo...Mas que responsabilidade. Eu...- Lívia. Cala a boca?

Um beijo apaixonado veio selar o momento romântico da viagem de Lívia para Buenos Aires, como na música que George Clooney cantava no meio da rua: "Let's take a lover's vow and then seal it with a kiss..." Nesse momento a "jeito Lívia de fugir" havia perdido o efeito. Não era possível fugir do beijo, como não era possível fugir do homem que precisou derrubar o mito de sua fama para conquistar uma mulher comum. Não era possível fugir de sentir que aquela era a coisa certa a fazer. E nem por um segundo Lívia conseguiu mesmo pensar em fugir.



IV
(A Decisão)

Beijos apaixonados no café da manhã. Mãos e corpos esbarrando em cestas e potes de sucrilhos. Uma cama com a bandeja, outra com as malas, pacotes espalhados e um casal meio grande; todos tentando compartilhar um espaço inexistente. A paixão não deixava que o cheiro do café frio escapasse do bule de inox. O calor dos beijos não permitia que as migalhas de pão se espalhassem.
Mesmo com o clima perfeito de romance barroco sujinho, o jeito Lívia de atrapalhar tudo conseguiu fazê-la olhar sem querer o relógio.
- George! Onze e meia!
- Já perdeu o vôo?
- Não mas...
- Então volta aqui e me beija mais.
- George?
- Fica comigo até perder o avião.
- Não!

Ele segura o rosto dela com as duas mãos
- Lívia meu anjo, presta atenção. Você VAI perder aquele avião.
- Eu não posso perder aquele avião, George.
Ele fala entre beijos, frases curtas e mais beijos.
- Pode... sim... Você não pode...é ter nada mais importante.... do que ficar... comigo... para fazer nas próximas... quarenta... e oito... horas.
- Mas o que eu digo em casa?
- Que você encontrou... o homem da sua vida.... e só vai embora... quando ele... cansar de te beijar, e isso... provavelmente... nunca vai acontecer.
- Hahahah! Você é louco. O meu pai me mata.
- Mata nada... Quando ele souber que você vai casar... com um cara legal ...e dar três netos pra ele... ele vai ficar feliz.
- Pára George...eu tenho que ir pra casa.

George levanta-se com a fisionomia grave. Olha para Lívia com a testa franzida. "Ele fica lindo bravo..."
- Ok. Você vai me deixar pela segunda vez em vinte e quatro horas. Está fazendo uma escolha.
- Ai...como assim, George? Que escolha eu estou fazendo?
- Está escolhendo me deixar pra sempre.
- Isso é chantagem.
- É.
- Mas isso não está certo.
- Está sim. Até agora eu mostrei que quero você. Compulsivamente. Fiz tudo pra você acreditar que eu quero de verdade. Fiz tudo pra estar perto de você desde a hora que coloquei os olhos em você lá naquele bistrô. Sua vez, Lívia.
- É um jogo?
- É. Como tudo. Ninguém joga sozinho.
- É um jogo e você vai blefar.
- Não. É um jogo e você pode perder por w.o.
- Hahahaha! George.
- Eu não estou brincando.
- Então vamos virar o jogo. O que você faria se estivesse no meu lugar?
- Eu pegaria as minhas malas, sairia desse hotel que não combina em nada comigo, iria com o meu amor para o hotel dele e passaria mais alguns dias maravilhosos em Buenos Aires com ele.
- Ta. E a sua família?
- A minha família me ama e vai entender que eu preciso ficar, porque o meu amor mora longe demais. Quando eu chegar no Brasil, vou levar um tempo organizando a minha vida para poder ir embora morar com ele, e ele vai ficar morrendo de saudade. Como eu sou uma mulher maravilhosa, entendo tudo isso e quero ficar.
- Você é muito apressado...
- E você é lentinha demais. Além de ser meio cega.
- É. Já me disseram isso hoje.
- Ah é? Quem?
- A minha amiga.
- Adoro ela! O que mais ela disse?
- Que eu sou burra, não mereço consideração e devia me matar.
- Hahahaha! Que exagero...
- E que eu devia ir até o seu hotel e te agarrar.
- Viu? Por isso que eu adoro ela. Como é o nome dela?
- Maria Amélia.
- "Amilia"...lindo nome...vou te ajudar a decidir. - pegando o celular no bolso - liga pra ela.
- Pra que?
- Vai liga...ela vai te ajudar.
- Não! Ta louco? Ela vai ajudar VOCÊ.
- Melhor ainda. Me dá o número. Ela fala inglês?
- Hahaha. Fala.
Lívia pegou o celular de George e ligou para Maria Amélia.
- Alô?
- Oi.
- Oi, antinha! Sobreviveu?
- ahãn.
- Ta no aeroporto?
- Não. Pera só um pouquinho.
Sorrindo, ela passou o telefone para George.
- Hello.
- Uh?
- Hello? "Amilia"?
- Quem é?
- Amilia, this is George.- continuaram em inglês ? Você pode, por favor, dizer para a sua amiga que a coisa certa a fazer agora é ela ficar na Argentina comigo?
- Ai meu deus! George? George Clooney? Como ela fez pra te achar?
- Fui eu que achei. Voltei ao hotel.
- Ai ainda bem que um de vocês é inteligente!
- Então você já sabe que ela me esnobou ontem à noite?
- Já! Que vaca!
- Hahahahahah! Ela não é uma vaca...
- Ah é sim! Linda, mas é. Que coragem!
- Então. Não quero que ela vá embora. O que eu faço pra convencê-la.
- Não pergunta George. Manda! Ela é obediente. Não pode deixar ela pensar, senão ela vai voltar correndo pra casa.
- Mas eu não posso forçar.
- Que forçar nada! Não precisa. Ela quer ficar com você, mas ela tem mania de fugir de tudo o que pode ser bom pra ela. Pode mandar sim. O que você quer fazer?
- Quero que ela saia desse hotel e vá ficar comigo no meu, mais uns dois dias. Depois eu preciso ir embora. Mas até lá preciso que ela fique comigo.
- Hm...precisa? Porque hein?
- Hm...porque eu não falo espanhol. Hahahha!
- Que feio! Paga uma intérprete.
- Claro que não é esse o motivo...eu quero que ela fique comigo porque eu quero muito conhece-la melhor. Eu to me apaixonando por ela...Acho que achei a mulher que eu procurava, entende?
- Oh...que lindo...então faz o que eu te disse. Manda! Se não ela foge. Ela é bem mandada. Não pergunta nada. Vai pegando as coisas dela, coloca ela no carro e leva pra onde você quiser. Eu me acerto com ela depois.
- Ok. Ela não vai ficar brava comigo?
- Vai! Hahah! Mas não se preocupa. No fundo ela vai estar amando. Se ela tentar fugir fala assim em português, decora isso: Lívia, junto!
- diunto?
- É! Junto! E se ela reclamar, diz que fui eu que mandei você falar assim. Ok?
- Ok. Mas fala com ela um pouco, pra ela ficar mais tranqüila. Obrigado, "Amilia".

George passou o telefone para Lívia. Enquanto ela falava baixo com Maria Amélia, ele foi tirando as malas do apartamento e providenciando que fossem levadas para baixo. Quando ela desligou o telefone já não havia nada dela no quarto além de sua bolsa que estava no ombro de George.
- Cadê as malas?
- No carro.
- Você vai me levar no aeroporto?
- Não. Vamos embora?
- George, olha...
- Lívia, junto! - e foi andando para o elevador.
- Hahahha! Eu mato a Mélia! Como assim junto?
- Agora aprendi. Então fica quietinha e faz o que eu estou falando.
- Yes, sir!
- Yes, sir? O que quer dizer "junto"? Alguma palavra mágica?
- Hahaha! Eu nunca vou te contar pra que serve essa palavra!
- Mas eu já sei. Serve pra você me ouvir.

Quem olhasse para o rosto de Lívia dentro do carro a caminho do hotel de seu novo namorado, não poderia imaginar que ela era a mesma moça que se olhava no espelho pela manhã com ódio do mundo, querendo engordar e ser infeliz para sempre. Subitamente Buenos Aires tornou-se o lugar mais interessante e maravilhoso do mundo. O céu estava mais azul hoje do que em qualquer dos dias de sua estada lá. Havia mais pombos nas praças. Mais pessoas bonitas nas ruas. Mais prédios de arquitetura deslumbrante. Mais música no ar. "Tango. Alguém me lembra de fazer uma versão de The Look of Love em ritmo de tango."



V
(Pisando em Terra Firme)


Ah que pena que isso é uma comédia romântica e não um conto erótico! Eu daria tudo para contar para vocês as coisas que aconteceram naquele hotel, mas seria grosseiro de minha parte invadir a intimidade da recatada Lívia. Ela ficaria encabulada para sempre. Ele se sentiria agredido e talvez até me processasse. Que pena.

De qualquer maneira, estou autorizada a dizer que Lívia estava feliz. Seu sorriso era maior do que aquele que encantou George no primeiro dia. E George sorria como um menino que ganhou um autorama.
Homens sempre têm esse ar depois da conquista. Dependendo da pessoa envolvida, o autorama pode ser maior ou menor. Mas essa é mais uma diferença grave entre homens e mulheres: após o sexo, na primeira vez com alguém que quer muito, a mulher tem a expressão da princesa que acaba de ser coroada rainha. Ela tem agora um império para comandar. Seu sorriso é plácido e ela é soberana. Por isso seu tombo geralmente é doloroso ao perceber que o império não existia. Um dia ela é rainha, no outro mendiga! Sente-se usada, derrubada, invadida, esfarrapada. A última mulher-moradora-nas-ruas-num-filme-medieval-sobre-príncipes-e-plebeus. A conclusão: "ele só queria isso", é o pior de todos os pensamentos que podem atravessar o cérebro de uma mulher. Até porque é o coração que ele atravessa. Há tempos que as mulheres tentam fazer de conta que são capazes de querer só sexo. Mas este é um trabalho para a medicina genética, não para seres isolados.
Já os homens, ganham autoramas. Autoramas e ferroramas existem aos montes por aí. Impérios não. Logo os homens não caem. Eles só imaginam que o autorama veio com defeito, desdenham e deixam de desejar.
Hm...ou pelo menos esta é a visão de uma mulher um pouco mais intensa e dramática.

Voltemos então aos nossos outros impérios e autoramas.

Lívia já não via George como celebridade suspeita. Ela já havia parado de procurar e apontar os defeitos dele. Agora era a hora perigosa para Lívia: a hora da contemplação que é sempre seguida de paixão contundente. Ela já não estava nua deitada ao lado de George Clooney - o ator cuja beleza e talento ela sempre achou discutíveis. Agora ela estava nua, deitada ao lado do homem mais encantador e carinhoso que conheceu nos últimos anos. "... nas últimas vidas".

Silêncio na belíssima e espaçosa suíte do hotel cinco estrelas em Buenos Aires. George dormia. Lívia vivia aquele perigosíssimo momento pós-sexo, em que toda mulher deveria levantar-se da cama e ir fazer outra coisa, qualquer coisa. Ele dormia enquanto ela vigiava seu sono, analisava seu rosto, acompanhando o leve movimento de seus olhos, decorando as linhas de seus lábios, ouvindo a sua respiração. Armadilha! Arapuca! É neste momento que uma mulher se apaixona. Puro instinto materno! Quem inventou esta coisa do homem precisar dormir depois do sexo, sabia o que estava fazendo.
Lívia caíra nesta armadilha milenar. Estava dentro da rede, pendurada de cabeça para baixo na árvore, e nem pedia socorro! Todos os seus pensamentos, ao passar a mão nos cabelos de um George adormecido, poderiam ser traduzidos assim: Meu amado, meu império...Sua rainha vai cuidar de você.

Relógios sem ponteiros. Mundo sem telefones. Vida sem compromissos. Universo sem bússolas. Entre cochilos profundos, palavras sussurradas, pernas entrelaçadas, abraços sonolentos e sorrisos involuntários, o dia passou tranqüilo. Uma cama em Neverland. Não havia vida fora do pequeno império de Lívia e George.

- Hey...Acorda...Tem uma mulher linda na minha cama.
- Hm...Diz pra ela ir embora que você é só meu.
- Boba...Tá com fome?
- Morrendo.
- Vamos sair pra jantar?
- Só se você me der um beijo.
- Só se você me der um banho.
- Também quero.
- Combinado. Beijo e banho. Você consegue abrir o olho pra falar?
- Nunca pensei...Onde a gente vai comer?
- Depende. Que dia é hoje?
- Domingo.
- Já?
- Ahan...Na minha casa isso é dia de churrasco. Ou de macarronada com frango e maionese.
- Maionese?
- Na verdade é uma salada de batata cozida com maionese que eu sempre achei que não combina com macarrão.
- Mas parece bom.
- É coisa de imigrante italiano.
- Quer saber o que um imigrante irlandês come no domingo?
- Whisky?
- Não. Não come porque ta de ressaca.
- E aonde a gente vai achar maionese com whisky?
- Eca! Que tal king crab? Ou algum outro prato do sul da Argentina, pra fugir do churrasco?
- Perfeito. Amo frutos do mar.

Surpreendentemente, Lívia deixara de lado seu relógio e todos os seus "porque nãos". Ela se deixava levar pelos acontecimentos sem se preocupar mais com o que viria a seguir, numa demonstração inédita de confiança em George.
Voltaram a Puerto Madero, lugar que à noite era triplamente romântico. Não estava frio e não estava quente. O mesmo passeio à beira do rio acontecia agora como deve ser um passeio romântico à beira do rio. Lívia rompe o silêncio.

- Quando você tem que voltar?
- Ah Lívia...Você já vai começar a se despedir?
- Não. Só quero saber.
- Nós ainda temos dois dias para ficar junto. Vamos tentar aproveitar sem pensar em ir embora, ok?
- Ta bom...Não vou mais falar nisso.
- Eu quero que seja inesquecível, e sem sofrimento, topa?
- Topo. Mas porque a gente sofreria?
- Talvez porque eu adoro você?
- Hm...Ou porque EU adoro você...
- Porque eu vou morrer de saudade...?
- ai...Não fala...Acho que eu vou sofrer sim.
- Não vai precisar sofrer porque eu não vou deixar você ficar longe de mim.
- Acho bom mesmo.

Beijos, beijos, mais beijos sob a lua cheia digna de um romance à beira do rio. Tudo ajudava a completar o cenário lindo e piegas de um amor lindo e piegas que, no fundo, mesmo o intelectual mais chato e mais frio adoraria viver...

- Você conhece a Patagônia?
- Não.
- Nem eu. Sempre quis conhecer. É lindo.
- Quando eu era adolescente, sonhava ir pra Terra do Fogo de moto.
- Jura? Não imagino uma Lívia aventureira, easy rider.
- Pois está enganado! Não me imagine fazendo programa de índio, mas aventuras eu adoro.
- Como é programa de índio?
- É acampar, viajar de trailer, tomar banho frio no quintal da casa dos outros, comer comida ruim. Cozinhar macarrão instantâneo com salsicha na fogueira. O resto eu topo.
- Sei. Aventureira de hotel cinco estrelas?
- Mais ou menos. Não precisa tanta estrela.
- Mas a moto também não combina com isso.
- Claro que combina. Se for uma moto maravilhosa, e no caminho eu tiver uma cama quente e um chuveiro que funcione. Nada de barracas e mosquitos.
- Hm...Não me dê idéias...
- Ai ai ai! Que idéias?
- Nada não. Esquece.


A primeira noite foi maravilhosa como Lívia merecia. O segundo café da manhã, muito melhor do que o primeiro. Frutas dadas na boca, geléias e beijos, migalhas na cama, tudo de novo. Algumas cenas românticas, outras bizarras saídas diretamente do senso de humor de George, muitas vezes questionável, que criava situações inesquecíveis.
Lívia com a blusa dele, ele com o top dela, concurso de nécessaire: "quem é o mais fresco? Quem trouxe mais coisas desnecessárias?" O tempo passava com risadas e gargalhadas que acabavam em beijos e mais migalhas pela cama.

- Pra que tanto remédio, George?
- Que metida! Chega de mexer nas minhas coisas. Você já ganhou o concurso.
- Hm...Tem segredinhos?
- Claro que não. Eu já sou um senhor de quarenta e quatro anos! Não se vasculha assim as coisas dos mais velhos.
- Ui! Que velho gagá!
- É! Eu estou numa idade perigosa já. Vai que eu encontro uma loira peituda novinha e não agüento com ela? Tenho que me precaver com remedinhos.
- Ah! Ta procurando uma loira peituda novinha?
- Não! Eu já achei.
- Eu não sou loira nem peituda...
- Nada que uma tinta e uma prótese não resolvam.
- George!! Eu nunca vou ser assim. E não sou novinha também.
- Claro que é. Bem mais nova que eu, eu sei que você mente a idade.
- Imagina...Se eu mentir é pra cima mesmo. Daí todo mundo vai dizer: "Nossa! Como você está ótima!"
- Hahah! Bom truque. Eu devia ter ensinado isso pra minha tia Rosemary.
- Ela é muito velha?
- Nem é. Mas mente a idade pra baixo...daí parece podre de velha.
- Eu nunca vou fazer isso. Nem plástica.
- Ah vai sim.
- Não. Eu me recuso. Minhas rugas são troféus. Elas mostram que eu vivi.
- Claro... Porque elas ainda são poucas. Mais tarde a gente conversa sobre seus troféus! Vamos ver durante quanto tempo você pensa assim. Duvido que você ache que seio caído é troféu. É lógico que mais cedo ou mais tarde vai querer arrumar alguma coisa.
- Ah. Até pode ser. Mas eu acho que nunca vou mudar....
- Claro que vai. Por falar em mudança, a gente precisa arrumar as malas. Vamos nos mudar.
- Como assim? Pra onde?
- Pra um hotel lindo.
- Mas esse é lindo.
- Na Patagônia...
- George? Ta louco?
- Por você? To sim! Vai. Eu arrumo as suas e você arruma as minhas.
- Por que?
- Porque é mais divertido...
- Por que ir pra Patagônia?
- Porque a gente não conhece e nada nos impede.
- Hm...Faz sentindo...

Lívia continua mexendo na nécessaire de George.
- Anda Lívia! Para com isso que a gente tem um avião pra pegar.
- Calma, ainda não achei o viagra do velhinho!
- Como assim?
- Ué...vai que você não me agüenta...
- Ah é? - George pula em cima da cama, se joga em cima de Lívia - Vem aqui que eu vou te mostrar quem que precisa de Viagra pra te agüentar...
Lívia morre de rir e grita:
- Ah! SOCORRO! UM VELHO TARADO!!!

Não é preciso dizer o quanto Lívia e George se divertiam o tempo todo com seu sarcasmo delicioso e suas gargalhadas sem fim.

Faz muito frio na Patagônia. Era preciso comprar casacos e malas antes de ir para o Aeroporto. Uma total mudança de atitude fazia com que Lívia agora se orgulhasse do homem que a acompanhava. Fazia questão de beijos em público, de andar de mãos dadas, de deixar que ele a chamasse de amor, baby, sweetheart ou qualquer coisa que ele quisesse. Não havia mais George e Lívia. Havia um casal apaixonado, com apelidos carinhosos, fazendo compras nas ruas de Buenos Aires.

Com os olhos cheios da vista impressionante da janela do avião, Lívia e George chegaram ao Aeroporto de Ushuaia na Patagônia: uma pista minúscula perdida no meio do mar do Canal de Beagle, próximo aos Andes, no ponto mais ao sul da América do Sul. O Fim do Mundo.
No táxi a caminho do hotel, Lívia liga para os pais.

- Alô, Mãe?
- Oi minha filha. Eu já estava preocupada. Você ficou de ligar para dizer a que horas chega. Não era ontem?
- Era Mãe. Mas os planos mudaram...
- E a que horas você chega?
- Não sei. Eu estou na Patagônia.
- Patagônia?
- É.
- Patagônia, albatrozes, geleiras, Jaques Coustou, isso?
- É mãe. Essa mesmo.
- Porque?
- Porque surgiu uma oportunidade.
-Ah...uma oportunidade...sei. Posso saber o nome da oportunidade?





- Eita, Mãe!
- Filha, não existe oportunidade pra quem compra um pacote turístico. Dá pra você me dizer se a oportunidade é loira ou morena?
- Hahaha! Você não existe mesmo, Mãe. É morena...e linda.
- Ah é? Não falei...? E tem nome?
- Tem. George.
- Com esse accent?- É.- Ora...uma oportunidade importada?
- Haha! É. The american oportunity.
- Wow...bonito?
- Lindo.
- Não é um menino bobo, de camisa florida né, minha filha?
- Não Mãe. Até que é bem idoso...
- Idoso? Ficou louca?
- Não não não. Calma...brincadeirinha.
- Mas é sério, filha? Ou é só uma aventurazinha?
- Ah mãe...você me conhece, né?
- Então é pra casar?
- Ah meu deus...meio cedo, não acha?
- Brincadeira, filha. E quando você vem pra casa?
- Não sei. Ele tem que ir embora em dois dias. Então a gente vai ficar aqui um pouquinho e depois não sei. Eu te ligo, ta?
- E o que eu digo pro seu pai?
- Que eu acho que desencalhei. Hahahah!
- Ta. Eu me viro com ele aqui. Se cuida minha filha, ta bom? Não se machuca.
- Pode deixar mãe. Ele é um amor. E se eu me machucar você cuida de mim quando eu chegar.
- Ta bom, minha linda. Se cuida.
- Beijo mãe. Eu te amo.
- Eu também. Manda um beijo pra oportunidade.
- Mando. Ah...Liga pra Mélia pra mim? Diz pra ela que ta tudo bem. Pede pra ela te contar o que ela sabe e pra ela ligar pro meu chefe e avisar que eu voltei de férias doente.
- Ok filha. Um beijo. Fica feliz aí que a gente arruma tudo aqui. Beijo
- Obrigada, Mãe...Tchau.


A vista da janela da suíte no Hotel rústico encravado na montanha, poucos metros abaixo da geleira eterna del Martial, era de tirar o fôlego: a pequena cidade aos pés do hotel, a baía com seus velhos navios encalhados, o Canal de Beagle e o céu. Muito frio lá fora. O vento trazia neve e sol de um segundo para o outro. A cor da água mudava de acordo com a cor do céu e ambos não paravam nunca de mudar. Um outro mundo habitando o pequeno império de Lívia.

Olhando de longe não seria possível pintar o retrato exato do sentimento que dominava Lívia e George. A vida tornou-se leve e divertida para eles que já viviam assim de alguma forma, mas agora era como se o circuito perfeito se fechasse: pessoas que se completam. Assuntos que se completam. Corpos que se completam. Desejos que se completam.
Eles já não viam perigo algum em sua aventura. Agiam como se conhecessem há anos, como se estivessem juntos desde sempre. Ninguém mais pensava em se preservar. Os dois caminhavam de mãos dadas pelo terreno pantanoso do amor-sem-tempo-para-acabar. Do não-há-nada-que-possa-nos-separar.

Não seria mesmo perigoso? Quem poderia responder?


Capítulo V 1/2

(Delírio)




Corre à boca pequena pela Internet que este história vai acabar muito mal. Na verdade não sei como acabar com ela. Até porque não gostaria que ela acabasse. Não enquanto eu não encher lingüiça o bastante para ter um livro pelo menos de uma grossura respeitável, com letras não muito grandes, que não precise de muitas fotos, porque vai ser difícil rechear páginas e páginas de Lívia e George. Não por ele, porque a última pesquisa que eu fiz parece figurinha do álbum do Zequinha (coisa mais curitibana isso): tem George em todas as situações e posições imagináveis. Até George cozinhando. O Problema é a Lívia que nunca está nas fotos com o George. Ok...Podemos enrolar dizendo que ela é a fotógrafa. Então o livro já não precisa mais de tantas letrinhas.

Tive um insight para o final. Vejam e me digam o que acham:

Lívia e George vão fazer o tradicional passeio pelo Canal de Beagle para ver lobos marinhos, pingüins, albatrozes e o antigo farol que é lindo. Lá pelas tantas, um leão marinho enviado por uma organização anti-Oscar de Hollywood planta uma bomba no casco do barco. O barco explode jogando cacos, capuccinos e pessoas para todos os lados (sim, capuccinos. Dentro do barco servem cafés maravilhosos). Aparentemente ninguém sobreviveu. Durante dois dias as equipes de busca tentaram resgatar os sobreviventes sem muito sucesso, com exceção de umas cinco pessoas que estavam jogando truco numa pedra perto do farol. Entre elas, o sortudo , barbado e maltrapilho George.

Chega ao continente a notícia da explosão do barco e a família de Lívia vai a procura dela. Com a constatação de sua morte, um tio maníaco-depressivo que acredita na teoria da conspiração, resolve que a explosão foi planejada por George para se livrar de Lívia. "Mas porque ele faria isso?" O tio, munido de revistas e tablóides americanos e italianos, esfrega na cara da família que George não só tinha uma namorada gostosona, como também estava planejando se casar as escondidas. Há! Imediatamente, a família traída de Lívia moveu uma ação contra George Clooney, acusando-o de assassinato premeditado e cruel.
George vai preso então, na Argentina, como o assassino da jovem brasileira enganada pelo mega-star hollywoodiano. Escândalo mundial. A imprensa do mundo invade Curitiba e o tio maníaco fica famoso, é capa de todas as revistas de moda do mundo e ganha uma edição exclusiva da G.
Numa manhã de domingo, lendo nos jornais as notícias da triste vida da noiva de Clooney à espera da libertação de seu amado, vivendo isolada na casa vazia de George na Itália, chorando abraçada aos garçons no Cassino de George em Las Vegas (o Las Ramblas), sofrendo à beira da piscina na mansão de 20 milhões de dólares de George em Los Angeles, o pai de Lívia tem uma idéia: convoca seus advogados e sugere um acordo para retirar a queixa contra George.

A essa altura, já foram feitos cinco concertos mundiais pela liberdade de George. O Bono Vox já vendeu 10 vezes mais pulseirinhas de plástico escrito FREE GEORGE do que havia vendido pelo Live 8. Bob Geldof e Brad Pitt se juntaram a Stevie Wonder, Paul Mac Cartney, Eric Clapton, Phil Young, Jorge Ben, Sandy, Sting e Vanusa para gravar um single emocionante para arrecadar fundos para comprar um DVD para a cela de George na Argentina. Pesquisas foram feitas em 12 países simultaneamente: GEORGE: CULPADO OU INOCENTE? Enquanto isso, grupos de manifestantes solteironas gritavam nas ruas para levar George Clooney para a cadeira elétrica.

Depois de muita negociação, os advogados de Clooney concordaram em indenizar a família de Lívia em 50 milhões de dólares, mais a Villa Oleandra - residência medieval paradisíaca de George na Itália. George é inocentado e volta feliz para casa. Feliz por sua liberdade, mas ainda sofrendo a perda de Lívia. Chora diariamente lembrando os momentos que viveram.


Um mês depois da libertação de George, quando a família de Lívia já havia se mudado do velho apartamento para uma mansão num condomínio fechado em São Paulo, chega um telegrama enviado pelo Amir Klink da Antártida, dizendo que Lívia está a salvo!
Lívia havia nadado até um iceberg, se aquecido entre os leões marinhos e foi encontrada desacordada por Amir Klink e seu barquinho minúsculo. Amir precisou matar os leões marinhos que não queriam devolver Lívia de jeito nenhum. Mas conseguiu.

A família de Lívia recebe a notícia como um tiro no peito! Fazem uma reunião de família e decidem que ela não pode aparecer. O tio maníaco sugere a velha tática da CIA e da NASA para assuntos extraterrestres. "Vamos dizer que esta é uma impostora louca e interná-la como doente mental. Ela vai ser dopada. Ninguém acredita em louco. Ela pode gritar quanto quiser que todo mudo vai rir dela e dizer que ela nunca viu o George Clooney!"
Mas o coração de mãe de dona Marilda jamais permitiria abandonar sua filha com os loucos num hospício. Foi então que surgiu a idéia de levar Lívia direto para um cirurgião plástico e mudar sua identidade.

Lívia faz cinco cirurgias de transformação da Xuxa, três de transformação da Márcia Goldshmith e um dia de princesa do Netinho. "Vai que eu encontro uma loira peituda..." Pinta o cabelo de loiro, coloca próteses de silicone, afina o nariz, muda o rosto, e vai morar numa outra mansão em São Paulo com seu novo nome em homenagem aos romances de Sidney Sheldon que viraram seriados na sua adolescência. O novo nome de Lívia é TARA WELLS-MC PHERSON!
O dinheiro para a mansão, os carros, a jóias, a carteirinha da Daslu e as roupinhas assinadas veio de um acordo judicial de 27 milhões de dólares que Lívia...oops...Tara fez com a sua ex-família para ficar de boca fechada.

Depois de um ano se recuperando do stress e das cirurgias, Tara já pode colocar seu plano em prática. Matricula-se num curso de atores no Actor's Studios e mais três cursos na Univerity of California: direção, produção e roteiro. Tem como idéia fixa entrar para o film business e encontrar George. Para parecer uma mulher normal, arruma um emprego de garçonete num restaurante da moda na Melrose. A beleza de Tara chama atenção por onde ela passa. Não demora até que ela seja chamada para testes nas grandes agências de casting de Hollywood. Mas é no restaurante na Melrose, que ela encontra por acaso o seu grande amor.
Numa noite de inverno, quase Thanksgiving, Tara esbarra com sua bandeja em George. Ela suspira profundamente para controlar a emoção, percebe que ele está acompanhado da ex-garçonete-futura-esposa Lisa Snowdon, pede desculpas e corre para o banheiro onde chora copiosamente. Sua vida, sua família e sua identidade haviam se perdido naquele acidente de barco, mas suas maiores perdas eram a companhia e o amor de George. Ao voltar para o salão, tentando agir normalmente, Tara pede que outra pessoa atenda a mesa onde o casal está sentado, evita os olhos dele, mas é inevitável que ele sinta a sua presença.
George, extasiado pela perfeição dos traços de Tara, e pelos olhos que o fitaram há pouco, dá um jeito de perguntar a outra garçonete o nome de Tara. Ele está aflito e perturbado. Logo Lisa percebe, ele pede para ir embora, deixa Lisa em casa e volta ao restaurante. Procura por Tara, pede para falar com ela, dizem que ela já foi embora, ele pede o endereço e vai atrás. George não consegue entender o que o faz agir desta maneira. Vai até a casa de Tara e acha estranho uma simples garçonete morar numa casa em Beverly Hills. Bate na porta, é atendido pelo mordomo. Não deixa que ele a chame, sobe as escadas de mármore, invade a suíte master. Tara está chorando na gigantesca cama branca com sua camisola de seda italiana. Ela se assusta com a entrada de George. Fica muda. Ele diz:
- Por favor, eu preciso ouvir a sua voz novamente.
Ela não responde. Aponta para a porta e pede com gestos que ele saia.
- Por favor. Só uma palavra. Fala comigo.
- Vai embora, George.
Ele fecha os olhos de aflição, quase desmaia. Ela percebe que ele está tonto. Levanta-se correndo, segura George num abraço para evitar que ele caia e o ajuda a andar até a cama.

- Você está bem?
- A sua voz ....é igual a dela.
- Ela quem?
- Olha pra mim. Eu conheço você.
- Não...não é possível.
- O seu olhar....
- George, o que você bebeu.
- Nada...é você. Você é igual a ela.
George olha fascinado para Tara e parece não perceber a diferença em seu rosto. É como se ele enxergasse Lívia, sem plásticas.
Ela não resiste e começa a chorar. Os dois se abraçam.
- Lívia.
- Eu não sou Lívia...Mas não posso conter o que estou sentindo. É forte demais.
Os dois se abraçam, se beijam e fazer amor na cama branca e enorme de Lívia. Oops...TARA.
No dia seguinte George Clooney se casaria com Lisa Snowdon. Ao saber, Tara falta aula, pede dispensa no trabalho, tira os telefones do gancho, desliga os celulares, fecha-se no quarto, atira-se na cama, abraça seu travesseiro que ainda guarda o perfume de George e chora o dia inteiro. As nove horas da noite, os olhos de Tara estavam inchados, seu cabelo desgrenhado, seu travesseiro alagado. Ela olha o relógio e imagina que a essa hora, os noivos já estão recebendo os comprimentos em alguma mansão maravilhosa não muito longe dali. Sua vida está terminada. A razão de sua mudança para Los Angeles acaba de se auto-destruir. Lívia odeia seus pais com todas as suas forças, por terem mudado seu destino por dinheiro. Pensa em se matar mas a porta do quarto se abre abruptamente. George, de fraque Valentino, chorando desesperadamente invade o quarto de Lívia/Tara.
- O que você está fazendo aqui?
- Não houve casamento. Vamos fugir para a Patagônia!

Fogos de artifício.
Beijos apaixonados.
Lágrimas na platéia.


The end


Mas não é verdade. Este é apenas um capítulo intermediário. Capítulo V ½. Uma pausa. Um delírio. Só para colocar para fora o absurdo que eu pensei.
Relaxem. Voltaremos com nossa historia água com açúcar em breve. Muito breve.



VI
(O Frio)



Oito graus lá fora, sensação térmica de 3 graus por causa do vento intenso que vem das geleiras da Antártida.
O hotel no alto da montanha está de frente para o vento do mar e a poucos metros da geleira El Martial. Neve eterna, gelo de 10 mil anos.
É difícil descrever as cores e o céu de Ushuaia. A vegetação quase monocromática e ao mesmo tempo assustadoramente colorida: o vermelho, o amarelo e o verde dão a impressão de ser uma só cor. As pequenas casas com seus telhados de lata parecem brinquedos. A cidade minúscula com menos de 10.000 habitantes funciona como poucas metrópoles. Calefação em qualquer biboca, lan houses em cada esquina, táxis podres, mas que atendem chamados imediatamente. Muitos táxis na rua. Em qualquer lojinha é possível descarregar cartão de fotos, atualizar seu I-pod, enviar e-mails. Restaurantes perfeitos, vinhos maravilhosos, sabores de outro mundo. Quem já experimentou uma merlusa negra ou uma centolla (king crab) na patagônia, sabe do que eu estou falando. Sem falar de um dos top 5 chocolates do mundo. "Arrisco dizer que é o melhor".

George saiu do banho e encontrou Lívia com o rosto para fora da janela aberta.
- Ta louca, Lívia? Fecha isso.
- Eu adoro o cheiro do frio. - fechando a janela - que lugar lindo, George. Que bom que a gente veio.
- Frio tem cheiro?
- Tem. De infância. Uma delícia.
Ele sempre ouvia as palavras de Lívia com um sorriso indisfarçável de admiração.
- Então vamos brincar lá fora?
- Oba, vamos.

Os dois pediram um táxi e foram para a orla conhecer a cidade e seus barcos pesqueiros. Encantados, como qualquer turista, andaram a pé pela beira no mar sentindo o vento gelado, foram obrigados a comprar cachecóis e luvas, tiraram fotos e conversaram com moradores do local.
George puxou Lívia para dentro de uma loja. Chocolate Lapataia.
- Café?
- Nossa! Estou matando por um.
Pediram seus cafés e Lívia ficou maravilhada com os chocolates expostos na vitrine do balcão. Puxou sua máquina fotográfica e começou a registrar de todos os ângulos aquela variedade de barras artesanais empilhadas. Chamou a atenção da balconista.
- Por favor? Qual deles você acha que é o mais diferente, ou mais típico?
- O chocolate amargo com Calafate.
- Pode me dar um, por favor?
Lívia analisa a barra que lhe foi dada, não reconhece nem de longe o tal calafate. Experimenta e adora.
- O que é calafate?
- É uma fruta silvestre, abundante por aqui.
- Parece com o que?
- Hm...com calafate. É redonda, pequenina e azul. Algumas pessoas dizem que é blueberrie.
- Não deixa de ser uma "blue berrie" já que é azul e silvestre.
- Sim. Mas o gosto não se parece com o blueberrie americano.
- Muito gostoso. George? Quer um? É com uma fruta típica da região.
- Quero.

A moça da loja sorriu ao ver George provar o chocolate.
- Que bom que vocês estão comendo Calafate.
- Porque? - George perguntou - Tem poderes medicinais?
- Não. Tem poderes mágicos.

Os dois se olharam espantados, tirando rapidamente o chocolate da boca.
- Como assim?
- Calma...é só uma lenda muito antiga.
Os olhos curiosos de Lívia brilharam e ela quis saber sobre a lenda da fruta azul. A bem treinada balconista prontamente começou a contar.
- Dizem que uma velha índia estava muito triste, porque os pássaros que estavam sempre perto de sua casa, haviam migrado para outro lugar e não voltaram mais. Quando o inverno acabou, alguns ressurgiram e ela, como era bruxa e conseguia falar com os pássaros, foi perguntar a eles por que demoraram tanto.
Os pássaros explicaram que se ficassem por ali no inverno, quando a neve cobre toda a vegetação, morreriam de fome. Então, a velha índia disse a eles que se prometessem não mais partir, ela mostraria a eles onde havia um alimento maravilhoso e farto. Os pássaros prometeram ficar. A índia então levou os pássaros para conhecer o Calafate que é quase uma praga nesta região. Os pássaros adoraram a fruta e experimentaram um profundo desejo de comê-la sempre. A partir desse dia, alguns pássaros deixaram de migrar. E mesmo quando a neve cobre tudo, eles ficam em volta dos arbustos revolvendo a neve para encontrar o Calafate. Os pássaros que migram, dizem, passaram a comer as frutas que são levadas pelo vento. E sempre voltam para a Patagônia em busca de mais.
Por isso, os índios acreditam que o Calafate é encantado. Quem come esta fruta, volta sempre para cá para comê-la. E o que comprova a lenda, é que no verão, quase todos os pássaros, inclusive o ñandú, que é um pássaro enorme, têm os bicos tingidos de um azul chamativo, que dizem ser por causa do Calafate.


Lívia perguntou sorrindo:
- Então, eu posso entender esta lenda do meu jeito e dizer que se eu comer Calafate junto com ele, ele vai sempre voltar para mim?
- Ou vocês vão ter que se encontrar sempre na Terra do Fogo.
- Ah...então vou comprar Calafate e escolher um lugar para onde queremos voltar.
- Não! Só vale na Patagônia. Mas é um belo lugar para namorar.

George e Lívia saíram da loja com uma caixa de chocolates e contrataram um tour para o Parque Nacional da Terra do Fogo. No carro, o telefone de George tocou pela primeira vez desde que conheceu Lívia.

- Alô...
- ...Oi.
- ...tudo bem e você?
- ...Ainda estou aqui. Só vou embora depois de amanhã.
- ... Sim. Tudo correndo como deveria.
- ...Não, não acho boa idéia.
- ...Só um segundo. Espera um pouco. Calma. Espera.

George cobriu o fone e falou com o motorista.
- Pode encostar o carro um minuto, por favor?
O motorista encostou e George desceu do carro para falar no telefone com privacidade. Lívia ficou dentro do carro vendo George se alterar com a pessoa que estava do outro lado da linha. Ela tentou ler seus lábios, mas não conseguiu. Estranhou. De vez em quando, uma frase ou outra podia ser ouvida.

- Eu falei pra você que precisava viajar sozinho!
- ...Não. Eu não devo nenhuma explicação a você.
- ...Eu disse tudo o que ia fazer.
- ...Quando eu voltar, Li....

"Quem? Com quem ele está brigando?"
George olhava de longe para Lívia, gesticulava mostrando que não demoraria, mandava beijos, tirava o telefone do ouvido e deixava a pessoa falando sozinha. Desligou o telefone e voltou para o carro.
- Desculpa, meu anjo. Não vai mais acontecer.
- Não tem problema. Está tudo bem?
- É. Está.
- Mesmo?
- Mesmo.
O motorista seguiu viagem pela estrada colorida de vermelho, amarelo e verde. O telefone de George tocou mais cinco vezes até a estação do Parque da Terra do Fogo. Ele ignorou todas as ligações até resolver desligar o celular.

O antigo trem do Fim do Mundo costumava levar os presidiários à mata para cortar árvores e trazer de volta a madeira que foi usada para construir quase todas as casas da cidade e o próprio presídio, além de servir de lenha para as lareiras e calefações da cidade inteira quando Ushuaia era ainda cidade-presídio.
George e Lívia pegaram o trem e refizeram o caminho dos prisioneiros, passando pelos campos chamados Cemitério de la Lenga - centenas, milhares de cepos de árvores cortadas que fazem uma paisagem triste e descampada.
Numa das paradas do trem, à beira do lago, George que estava quieto a um bom tempo, perguntou:
- O que você sabe de mim, Lívia?
- Hm...que pergunta estranha...
- Então...responde.
- Sei que você é um lindo, que eu te adoro...
- Não. Da minha vida.
- Ah...quase nada. Sei que é ator, vi alguns de seus filmes. Adoro E.R. da sua época. Mas não sei nada. Por que?
- Nada? Nunca leu nada?
- Eu não sou nem um pouco interessada em fofocas de celebridades. Não compro revista feminina e não vejo E!
- Nossa. Você existe?
- Acho que não. Mas porque você quer saber isso?
- Você está me dizendo que jamais foi minha fã?
- Isso te magoa, George? Hahaha!
- Deus! Isso acabou com a minha auto-estima. Então é sério? Você nem gosta do meu trabalho, não quer saber da minha existência?

Lívia soltou uma gargalhada que atraiu a atenção dos outros turistas que já olhavam demais para eles e cochichavam ao reconhecer George.
- Você não está falando sério, pelo amor de Deus?!
- Não. Claro que não. Mas quando eu voltar vou precisar de uma sessão extra com o meu terapeuta.
Ela o abraçou carinhosa.
- Diz pra ele que você conheceu uma das pouquíssimas mulheres que nunca pensaram em ir pra cama com você. E ela te adora.
- Não sei se me serve de consolo.
- Hm...mas não foi pra isso que você me fez essa pergunta. O que você está querendo me falar, George?
- Não. Nada.
- Hey. Saiba que eu não me interessava pela sua biografia. Mas hoje ela deixou de sera biografia de um astro de cinema para ser a vida de uma pessoa que eu adoro. Se você tem alguma coisa para contar, é melhor que seja já. Porque não vai ser legal descobrir coisas pelas revistas.
- Não...não tem nada.
- George. Eu posso fazer uma greve e não falar com você por dois dias até você contar. Quer que eu comece?
- Você não teria coragem.
- Vai se arriscar?
- Você fala muito. Não conseguiria ficar calada dois dias. Eu aposto.
- Quer tentar?
- Para de bobagem. Nada de greve.
- Me dá um beijo que eu vou sentir falta. Pronto. Comecei.
- Eu não posso passar dois dias sem ouvir a sua voz.

Lívia não responde.
- Que pássaro será aquele?

Lívia continua em silêncio.
- Fala comigo?

Lívia caminhava mais à frente se fazendo de surda e rindo enquanto George andava atrás dela atirando pequenas pedras nela e cantando alto uma paródia de Lailla do Eric Clapton:
- Li- via...you got me on my knees, Lívia...please just talk to me, Lívia?
Como nada adiantava, George resolveu apelar. Parou no meio do caminho repleto de velhinhas e turistas, abriu os braços e gritou:
- Alguém aqui fala inglês?
Dirigindo-se a uma senhora que respondeu positivamente:
- A senhora fala Inglês?
- Falo.
- Então, por favor, me ajude e peça ajuda para as suas amigas. Essa moça que está andando ali na frente não quer falar comigo. Ela pensa que eu sou uma árvore e árvores não falam. - passando o braço pelo ombro da Senhora - Será que vocês todas podem dizer pra ela que eu não tenho nada pra esconder dela, que estou apaixonado por ela e preciso muito que ela volte a falar comigo?
- Claro. Qual é o nome dela?
- Lívia.
- Mas antes me diga: tem certeza que você não está escondendo alguma coisa da menina?
- Ai meu Deus...Porque as mulheres simplesmente não podem confiar num homem honesto? Claro que não!
- Lívia, querida, venha conversar com uma Tia experiente...

Todas as senhoras do grupo cercaram Lívia e foram tentar convencê-la de que George merecia mais uma chance. Lívia dava muita risada com os argumentos delas e as caras de George olhando de longe. Até que Lívia decidiu:
- Ok. Ok. Chega. Vocês estão me deixando louca! Eu falo com ele. Juro que eu falo. Mas com uma condição.
- Aceita uma condição, George? - Perguntou de longe uma das velhinhas, toda assanhada por estar falando com George Clooney.
- Claro...Claro...Qualquer coisa.
- Ele aceita, menina. Qual é?
- Bom. Vejam bem. A condição é boa para vocês, mas se ele tentar me matar, vocês vão ter que me defender.
Todas concordaram prontamente e Lívia expôs a sua condição.
- Quando chegarmos na estação, ele vai ter que dar um autógrafo com dedicatória para cada uma de vocês.

George pôs as mãos na cabeça em sinal de desespero.
- Meu Deus, Lívia! A que ponto chega uma mulher má!
- É pegar ou largar, Mr. Clooney.
- Ok. Eu pego! Tarde de autógrafos na estação.
Lívia grita de lá:
- Autógrafos e fotos!
- Hey! Não era uma condição só? Agora são duas?
- Não não não. Está no pacote. Foto!
- Há! Você já está falando comigo!
Lívia fala para uma senhora:
- Avisa pra ele que é isso ou nada.
- George querido, ela disse que é isso ou nada.
- Ta bom....Autógrafos e fotos! Combinado.

Todas as velhinhas pulavam e riam de alegria. Lívia se aproximou de George sorrido faceira.
- Quer apostar mais alguma coisa?
Ele a abraçou rindo.
- Não. Nunca mais duvido de você!
- Então me conta quem ligou para você no carro.
- Ah não, Lívia, não quero falar disso.
- Quer que eu comece de novo?
- Não, pelo amor de deus!
- Então me conta. Eu acho que é alguma coisa que eu tenho que saber.
- Ta bom...tá certo. Era a minha namorada.
- QUEM?
- Ex-namorada.
- Namorada ou ex?
- Ex. Quer dizer. Parece que ela não entendeu que é ex. Mas é.
O rosto de Lívia se transformou. Toda a faceirice tornou-se pura decepção.
- Ah George..."o que você sabe sobre mim...blablabla"
- É. Foi por isso. Eu não queria falar. Não queria que você ficasse chateada comigo me achando um cafajeste barato.
Lívia calou por alguns segundos. "Claro, que idiota, por que seria tudo perfeito e fácil?"
- Lívia...olha pra mim.
- Não George.
- Por favor olha pra mim.
- Ah, não quero. Pra que? Pra você me contar que quando voltar pra Los Angeles vai ficar com ela, porque é alguma relação antiga, complicada, que não acaba fácil, bla bla bla bla...não quero saber. Muito burra mesmo eu de achar que você estava comigo de verdade, eu devia ter deixado isso tudo acabar mesmo na porta do hotel em Buenos Aires, devia ter jogado esse anel pela janela, jogado você no Rio como eu disse que ia fazer.
- Para, Lívia, olha pra mim e escuta!!
- Escutar o que, George? Vai me fazer mais de idiota ainda? Ou vai dizer que a gente não tem nada, que é só uma aventura de viagem, vamos aproveitar?
- Dá pra você escutar, ou vai continuar falando por mim?
- Não quero te escutar.
Ela saiu andando em direção à estação e deixou George falando sozinho. Quando ele chegou, Lívia estava dentro do carro, emburrada, chorando.
- Tenho que autografar trinta e cinco papeizinhos e tirar fotos com velhinhas...vem me ajudar?
- Não. Vai lá exercitar a sua celebridade.
- Pára Lívia. Vem comigo.
- Eu não vou com você. Quero ficar aqui sozinha que está ótimo. Vai lá. Faz o que você sabe fazer melhor: engana as velhinhas.
- Vai parar de me agredir?
- Claro que não! Vai logo. Eu quero ir embora.


O caminho de volta para o hotel foi quase fúnebre. George conversando com o motorista num spanglish lamentável. Lívia muda no banco de trás. Árvores verdes, amarelas e vermelhas passando na janela sem parar.
Na porta do hotel, George pagou o motorista enquanto Lívia subia para o quarto. No elevador de madeira, ela se olhava no espelho.
- Burra! Idiota! Anta! Você achava que tudo isso podia acontecer de graça? Claro que tinha uma namorada do outro lado da linha. Claro que pra você vai ficar só a historinha pra contar pras vizinhas enquanto seu marido barrigudo ronca no sofá da sala. Burra!

George entrou no quarto, largou a mochila em cima da poltrona, tirou os sapatos, sentou-se ao lado de Lívia na cama.
- Quer que eu ajoelhe e peça perdão?
- Quero que você exploda, George.
- Não quer não.
- Quero sim.
- Mas eu não quero explodir antes de explicar tudo pra você.
- Explicar o que? Que você tem uma namorada?
- Fica quieta e me deixa explicar. Não fala de novo por mim. Você é péssima em adivinhar o que eu vou falar.
- Fala, George. Vai. Me enrola.
- Eu não quero enrolar você. Eu tinha essa namorada. Já faz algum tempo que a gente está junto.
- "Eu tinha" e "a gente está" é erro de concordância. São dois tempos diferentes. Você tem que decidir se é passado ou presente pra poder me convencer de alguma coisa.
- Ta. A gente estava!
- Sei.
- Dias antes de viajar, eu conversei com ela. Disse que não estava feliz, que precisava ficar sozinho. Ela concordou. Eu disse que ia viajar. Ela não se opôs a nada. Eu achei que ela tivesse entendido o que eu quis dizer com querer ficar sozinho.
- Porque você não tentou usar as palavras "BREAK UP"?
- Porque achei que não precisava.
- Não precisava terminar?
- Não. Não precisava ser tão específico. Achei que ela tinha entendido. Mas ela ligou hoje toda "namorada", perguntando quando eu volto, dizendo que vinha me encontrar porque ta com saudade, que eu devo uma satisfação. Eu disse que não quero. Que ela não entendeu nada.
- Porque você me trata como sua namorada, se ainda está todo enrolado com ela?
- Porque você é minha namorada e eu não estou tão enrolado. É só uma questão de sentar e arrumar isso.
- Ai ai...
- O que foi?
- É melhor a gente voltar a ficar junto só depois que você arrumar isso.
- Como assim, Lívia, ta louca?
- Não.
- Você está aqui comigo!
- Isso se resolve.
- Lívia, não seja boba...Eu te adoro, nós estamos juntos num dos lugares mais lindos do mundo...não vamos jogar nada fora por causa de uma relação que já acabou.
- Já acabou mas um dos lados não faz idéia disso.
- Um dos lados está se fazendo de bobo.
- É. O SEU lado.
- Não! Ela. Ah...por favor...você não vai fazer isso.
- Sei lá o que eu vou fazer, George. Vou dar uma volta.
- Eu vou junto.
- Não. Você fica. Eu preciso ficar sozinha e você entende bem essa frase. Então fica aqui.

Lívia pegou a bolsa e saiu. Passou muitas horas andando a pé pela cidade e pela orla, sentando-se em praças, sentindo frio, comendo chocolate e pensando no que fazer.
Voltou para o hotel já era noite, George estava no restaurante jantando sozinho e dando incansáveis autógrafos. Ela foi direto para o quarto, deitou-se e dormiu.
No meio da noite, Lívia escutou George entrando, nas pontas dos pés, evitando fazer barulho. Ele tirou a roupa em silêncio e deitou-se ao lado dela. Ela fingia que dormia quando ele se acomodou puxando-a para perto, enroscou suas penas nas dela, abraçou-a encaixando seu corpo e beijou seu olho. Embora tentasse, ela não conseguia segurar as lágrimas que escapavam dos olhos. George beijou seu rosto, beijou suas lágrimas, beijou sua boca e mais lágrimas. Ele sussurrava em seu ouvido:
- Desculpa, desculpa, desculpa, desculpa, desculpa...eu não queria te deixar triste....eu te amo...me perdoa...
Entre lágrimas escondidas e sussurros de perdão, George e Lívia fizeram um amor silencioso, desesperado, triste, como se fosse a última vez.


Dez horas da manhã. O sol batia na janela enorme do apartamento de frente para o Canal de Beagle e de costas para a geleira eterna. George acordou preguiçoso e feliz por ter feito as pazes com a sua Lívia. Levantou e foi procurar por ela no banheiro para dar bom dia. Mas ela não estava. Pensou que ela podia ter descido para tomar café, começou a se vestir de qualquer jeito para descer, pegou seu relógio na mesa de cabeceira, pensava em sair, quando percebeu que havia algo além do relógio em cima da mesa. Voltou para confirmar e viu o que não queria: o anel de escaravelho havia saído do dedo de Lívia e repousava sobre um envelope do Hotel El Glaciar. No envelope, seu nome escrito com caneta vermelha.


"George,

Estou voltando para o Brasil no vôo das 9 a.m.
Minha viagem foi maravilhosa. Conhecer você foi maravilhoso. Tudo o que fizemos, falamos, vivemos, foi maravilhoso. Mas não foi totalmente verdadeiro da sua parte.
E não o será enquanto a sua vida não estiver resolvida.
Me perdoa por sair sem me despedir, mas eu não seria capaz.
Estou triste. Muito triste.

Adoraria que este anel voltasse para o meu dedo.(que seu coração voltasse para a minha mão), mas só vai ser possível se tudo for de verdade. Se você estiver nele inteiro.

Um beijo com saudades,
Lívia”




VII

(Texto de Felipe Belão Iubel com interferências de Mercedes Gameiro.)

(Tempo)



Com o anel de Lívia na mão, George ficou sentado. Olhava desolado para a parede do Hotel. Parecia sem reação. Seu cérebro dava tantas voltas quanto seu estômago. Questionava toda sua vida. Questionava sua carreira. Questionava tudo.

Deitou no chão. Tudo parecia mais claro dali. Então, conseguiu enxergar a grande vilã de toda a história. Não se tratava da mulher que aparentemente se apossou de seu coração. Não se tratava de sua ex-namorada em Los Angeles. Era ela, sua própria carreira, a responsável por tudo. Afinal, se não fosse por sua fama e por seus filmes, as fofocas e especulações não chegariam aos ouvidos de Lívia e ele jamais teria perdido aquele amor que já nasceu cheio de lendas, histórias e fantasias.

Foi então que, com grande tristeza e com uma ousadia típica dos corações desesperados, ele se imaginou outra vez dirigindo um filme. Sentiu seus dedos tocando a câmera. Sua voz ecoando pelo cenário. Seus personagens tomando forma. Os atores e atrizes criando um mundo sob seu comando.

E, anos após a bem sucedida empreitada de Confissões de Uma Mente Perigosa, seu primeiro filme, sentiu que chegara a hora de voltar à direção. Foi nesse exato momento que dois grandes roteiros vieram instantaneamente à tona. Dois roteiros que futuramente o ajudariam a reencontrar seu caminho na indústria cinematográfica americana e mundial.

No chão de um quarto de hotel, com um anel na mão e o com o coração em frangalhos, nasceram dois filmes que fariam o nome de George Clooney brilhar na festa do Oscar.

Boa Noite e Boa Sorte veio primeiro. Sempre segurando o anel de Lívia, ele quase derrubou o diretor da Warner Independent Movies quando anunciou que filmaria tudo em preto e branco. Com uma direção de fotografia das mais belas de todos os tempos e direção de elenco impecável, ele revolucionou. Levou a todos um excelente drama sobre a era McCarthy nos EUA. E recebeu em troca aplausos e prêmios em festivais pelo mundo.

- No surprise, no pleasure, no satisfaction. - ele dizia.

Alguns julgavam que a frase indicava que todo seu talento como ator e toda sua habilidade como diretor começavam a refletir na sua atitude. Notícias e mais notícias. Fofocas e mais fofocas. Elogios e mais elogios. Jornais divulgavam que o eterno médico e bom moço de E.R. atingira o ponto alto de sua carreira.

Sempre com o anel na mão, George só sorriu quando leu que uma grande revista americana o rotulava como o grande defensor do cinema anti-stablishment e atribuía a ele o título de "homem mais perigoso em Hollywood".

Foi assim que George atingiu a maturidade profissional como diretor e ator. Cheio de melancolia e tristeza. Sentimentos que tão mal faziam à sua vida e tão bem se encaixavam na hora de se concentrar no trabalho.

E foi assim. Permaneceu pensativo e calado enquanto filmava o thriller sobre as intrigas e corrupção no mundo de negócios do petróleo, Syriana. A crítica o aclamava. A saudade de Lívia o aplacava. E George frequentemente era visto sentado no chão, com um anel "estranho" na mão.

- No surprise, no pleasure, no satisfaction. - ele continuava dizendo.

Mais prêmios. Mais indicação ao Oscar. Desta vez concorrendo como melhor ator coadjuvante por sua interpretação em Syriana. Mais assédio da imprensa. Mais badalação. Porém, só havia vida na lembrança daqueles dias que passara com Lívia. Dias que guardava no canto mais precioso de sua memória.
O frio terminava na Califórnia quando os dias de Oscar se aproximavam. Festas, noites de gala e dias que amanhecem vazios. O vento constante que vem do mar parecia trazer mais lembranças. Nestes dias, o vento era o único consolo de George. Ele pensava nos prêmios com descaso e já tinha planos para eles: "Excelentes pesos para segurar as portas. Assim o vento pode entrar na minha casa trazendo a única coisa que realmente importa."

No surprise, no pleasure, no satisfaction.




VIII

(O Diário de Maria Amélia)


Jan 5th 2006: Liguei pra Lívia

- Alô
- Oi melequenta! Acordou?
- To no banho, Mélia. Tentando desmelecar. Hahahah
- Que nojo...
- Me liga depois?
- Não. Preciso falar agora. To com saudade.
- Mélia, eu to pelada, com frio, molhando o banheiro e o celular.
- Então pega a toalha e se enxuga. Mas eu não vou desligar.
- Meu, como você é chata!
- Anda, véia! E não desliga!
- Ta. Espera aí.
- Põe no viva voz que eu canto pra você enquanto isso.
- Hahaha! Como é que você pode ser assim às sete da manhã? Vai falando que eu sei me enxugar com uma mão só.
- Nossa! Você podia ficar rica com essa habilidade...
- Fala logo!
- Olha só. Hoje à noite a gente vai sair.
- Ah vai? Quem disse?
- Eu. Chega Lívia. Você vai tirar o luto hoje à noite. Está aberta a temporada de caça.
- Ah claro. Você quer dizer que a gente vai sair pra eu ficar vendo o resultado da sua caçada?
- Não Lívia! Hoje eu faço você beijar na boca, nem que tenha que te bater.
- Maria Amélia, presta atenção: eu não to precisando beijar na boca, não vou com você, e você vai me ligar só mais tarde porque agora eu tenho que tomar banho.
- Não....Não ta precisando beijar na boca...Lívia! Já faz três meses que você voltou daquela viagem. Você não conheceu mais ninguém e ficou uma neurótica trancada em casa.
- Ta ótimo pra mim, Mélia. Dá pra você entender?
- Não. É claro que não dá pra entender. E eu não vou deixar você passar mais um fim de semana achando que ir de casa pro trabalho é tudo o que existe na vida.
- Ta bom, Mélia. Ta. Então à noite a gente se fala.
- O que? Topou??
- Topei.
- Jura?
- Não!
- Lívia! Para! Eu vou fazer plantão na porta da sua casa. Chega disso, ta bom? Vamos sair sim.
- Ta. Um beijo
- Hey. Você viu a lista dos indicados?
- Viu porque eu não falo com ninguém?
- Será que ele ganha?
- Ah tomara...assim a história que eu vou contar pras minhas amigas de bob no cabelo daqui há 20 anos fica mais emocionante. Mélia! Dá pra parar de querer me dar notícias desse cara? Eu já te disse, foi um casinho sem importância, eu to pouco me lixando se ele vai ganhar um Oscar, um Quiquito ou um prêmio de quermesse. Eu quero que ele exploda!
- Ah...Só um casinho...Então será que dá pra me explicar porque você não consegue levar uma vida decente desde que voltou da Argentina?
- A minha vida sempre foi assim.
- É...Eu dormi os últimos 10 anos, por isso eu esqueci como era a sua vida. Desculpa.
- Você me ligou às 7 da manhã pra falar disso?
- Claro. Você nunca me contou o que aconteceu.
- Não contei porque não tem o que contar. E antes que eu me esqueça, vai catar coquinho!
- Que educada. Porque não me manda a merda direito?
- Porque não precisa. Você entendeu. Beijo
- Beijo. Te vejo de noite.
- In your dreams.
- Lívia, eu vou tomar uma atitude.
- Boa sorte, Mélia.


Jan 5th: Fui à noite pra casa da Lívia e ela não me atendeu. O porteiro disse que ela estava lá, mas não atendia o interfone. Não era a primeira vez que ela fazia isso comigo. Eu subi, espanquei a porta e ela não abriu. Liguei no celular dela. Você acredita que eu ouvia o celular vibrando em cima da mesa da sala? O prédio inteiro estava vibrando e ela não atendia a droga do telefone. Eu morri de gritar na porta dizendo que sabia que ela estava em casa, mas não adiantou. Até o vizinho apareceu. Aliás! Acho que eu vou me mudar pra casa da Lívia. Gatinho...! Ele só não foi muito educado, mas imagina...Não ser educado comigo... Ele abriu a porta super fino: "Puta que pariu que merda é essa?"
Eu olhei pra ele com o meu olhar Super-Mélia-with-lasers e ele já afinou a vozinha. Há!
Eu pedi desculpas super meiga. Falei que achava que a minha amiga não estava legal e fiquei nervosa, nossa, como eu sou fragilzinha! Rapidinho ele estava miando.
Me convidou pra ver o apartamento dela pela sacada dele. Ah que pena...Tive que entrar na casa do gatinho.
Daí desisti da Lívia. E de sair. Ele estava vendo Kill Bill, eu comentei o filme, acabei sentada tomando vinho e vendo o filme com ele. Hahahah! Como eu amo essa minha vida! Só mandei uma mensagem no celular da Lívia dizendo:
"Tudo bem. Você venceu dessa vez, mas quem ganhou fui eu. Seu vizinho é um gostoso. Obrigada, amiga. Beijo"


Jan 6th 2006: Acho que agora chega.
Dona Lívia está dando trabalho demais. Vou dar um jeito de falar com o George. Eu queria pegar o telefone do George no celular dela, mas acho até que ela deletou. Então, resolvi fazer uma pesquisona na Internet. "Procura-se George desesperadamente".
Entrei em todos os sites de fã-clube e das produtoras relacionadas a ele. Anotei milhares de e-mails. Escrevi um e-mail só e distribui para todos os endereços que anotei. Sei que vai ser difícil, mas alguém vai acabar respondendo alguma coisa. Tempo pra esperar é o que eu mais tenho.



De: mailto:melia_linda@hotmail.com
Para: lista_toda

Caro George,

Você provavelmente não lembra de mim. Sou amiga da Lívia - aquela garota que você conheceu em Buenos Aires. Nos falamos no telefone uma vez, lembra?
Bom...Muito chato isso que eu estou fazendo, mas acho que é mais do que necessário.
A Lívia voltou para o Brasil muito triste. Não sei o que aconteceu porque ela se recusa a contar. O fato é que desde então ela está triste quieta e diferente. Ela era alegre e deixou de ser.
Não consigo tirá-la de casa, não consigo nem levá-la ao cinema. Os pais dela estão preocupados.
Ela saiu de casa e foi morar sozinha e a gente sabe que foi para não ficar dando explicações. Mudou de emprego, não tem amigos, mudou o celular, mudou até a maneira de falar comigo. Ninguém sabe direito o que acontece na vida dela. Tudo virou um mistério.
Será que você pode me contar o que aconteceu na Argentina pra eu tentar entender, e descobrir como ajudar a minha amiga? Vocês fizeram algum pacto de fidelidade eterna? Você proibiu a Lívia de viver na sua ausência? O que acontece, George? Você tem falado com ela? Ela diz que não fala com você, que não tem mais o seu celular, diz que não quer nem ouvir o seu nome, mas eu acho que é mentira.
Por favor, me dá uma luz. Eu não entendo o que está acontecendo, mas entendo que a minha melhor amiga não está feliz. Alguma coisa não está funcionando.

Me escreve , por favor.

Obrigada,
Maria Amélia.


Jan 12 2006: Tenho tentando falar com a Lívia, mas agora ela não me atende nem no celular. O que será que está passando na cabecinha dela? Eu to morrendo de pena, mas ela não se deixa ajudar. Ela não entra online, não usa o celular, não telefona pra ninguém. Voltou pra idade da pedra. Que coisa difícil!
Nooooossa! Não acredito no que aconteceu hoje!
Na hora que entrei na net fiquei feliz demais. Parece que estou mais perto de Mr. Clooney agora. Na verdade, fiquei com vergonha! Achei que o e-mail era dele: gc@clooneypic.com. Oras! Que burra! Você acha que um cara com a importância dele ia deixar o e-mail dando sopa na Internet? Anta!
Isso foi o que eu recebi. Agora é só esperar pra ver se ele responde.


De: gc@clooneypic.com
Para: mailto:melia_linda@hotmail.com

Cara Maria Amélia.

Encaminhei seu e-mail para o Senhor Clooney.
Não diga a ele que eu falei isso, mas ele foi acometido da mesma doença que esta sua amiga. Será a água da Argentina?
Ele está irreconhecível. A tristeza dele é indisfarçável. George é um amigo querido. Conte comigo para solucionar este assunto, porque eu também quero saber o que houve.
Se eu puder ajudar, me avise.

Gina Carlson

De: meliameliamelia@hotmail.com
Para: gc@clooneypic.com

Gina,

Fiquei surpresa com o seu e-mail. Não posso entender o que terá acontecido com os dois para estarem assim. Não sei se foi a água ou um vírus transmitido por lobos marinhos da Patagônia! Haha! Tadinhos.
Estou rezando para o George se manifestar. Alguém precisa tirar a minha amiga desse buraco onde ela resolveu viver.
Obrigada por me responder,
Beijo
Maria Amélia



Jan 20th 2006:

Já faz tempo que a Gina mandou o meu e-mail para o George. Alguma coisa me dizia que ele nunca ia dar as caras. Eu achava que ele não estava nem aí para o estado da Lívia.
A essa altura, eu já sou a melhor amiga virtual da Gina. Ela é o máximo. Divertida demais! Adoro as histórias dela e ela é impressionantemente atenciosa. Nos falamos todos os dias.
Outra pessoa com quem falo todos os dias é o Fábio, vizinho da Lívia. Não consegui mais ver a minha amiga, mas tenho ido com uma certa freqüência ao prédio dela. Hhehehe. Ele é um amorzinho...a gente está ficando desde aquele dia que eu quase coloquei a porta dela abaixo.
Mas então...Foi quando eu já estava achando que o George era mesmo um ass, que isso chegou:

De: goodluck@clooneypic.com
Para: meliameliamelia@hotmail.com


Amélia,

Como eu esqueceria a pessoa que praticamente salvou a minha viagem a Buenos Aires?
É claro que não esqueci de você.
O que você disse que está acontecendo com a Lívia é bastante parecido com o que acontece comigo. Estou só trabalhando e não tenho vontade para mais nada.
Não temos nenhum pacto. Quem me dera um. Apenas ela não acreditou em mim e me deixou sozinho na Patagônia. Ela não te contou?

Eu recebi uma ligação de uma ex-namorada e a Lívia não acreditou que fosse mesmo ex.
Ela foi embora, deixando um bilhete dizendo para procurá-la quando resolvesse minhas pendências. Eu fiz isso, Quando voltei pra Los Angeles esclareci tudo com a minha ex. Você pode ler isso nas revistas e jornais da época: Eu não tenho mais nada com a Lisa.
Mas quando procurei pela Lívia para dizer que resolvi tudo, não consegui falar com ela. Mandei vários e-mails para a conta que ela prometeu criar, liguei para o celular dela, para a mãe dela, mas foi impossível localizá-la. Achei óbvio que ela não me quisesse mais e desisti.
Por isso é difícil acreditar que eu seja a razão da tristeza da sua amiga, Amélia.

Será que houve algum outro mal entendido nesta historia? Tudo o que você me contou é coisa de quem está sofrendo. Tenta saber mais, Amélia. Eu fui muito mal interpretado e talvez esteja sendo até hoje. Talvez seja bom investigar um pouco mais antes de desistir completamente, não é?
Você acha que eu devo alimentar alguma esperança?

De qualquer forma, foi bom ter notícias suas.
Diga a Lívia que eu tenho uma coisa que pertence a ela. Um anel do qual não me separo. Mas sonho com o dia de vê-lo na mão certa.

Se você achar que eu devo fazer alguma coisa, por favor me avise.

Seu amigo,
George



Meu Deus! Ele respondeu! Fiquei sem entender nada de uma vez! Mas pelo menos ele respondeu! Então foi ela que brigou com ele? Não! A Lívia pensou de novo como "Lívia" e fez bobagem. Que mania de ser certinha! Como é que ela larga o cara sozinho lá? Eu teria grudado nele até ele largar a outra. Imagina! Típico da Lívia!
Eu tenho um plano: já que ela não me atende, vou fazer uma visita para o meu gatinho Fábio. Vou ligar pra ele e me convidar pra ver um filme. Eu imprimo o e-mail do George, coloco por debaixo da porta com uma observação: "Se quiser falar sobre isso, estou no apartamento ao lado". E fico lá com o meu gatinho.
Se ela ler o e-mail, pelo menos vai saber que ele pensa nela.






A TV estava ligada com uma grande tela azul. O filme já havia acabado, mas Mélia e Fábio não tinham percebido. Em volta do sofá, as peças de roupa dançavam num balé desengonçado. Ela era mais bonita nua do que vestida (é o que costuma acontecer com as mais cheinhas). Fábio se perdia nas curvas de Mélia, com o ímpeto de um menino, quando um som chato e insistente entrava pelos ouvidos dos dois, destrambelhando o ritmo dos corpos. Ele tateou o chão numa exploração desesperada para encontrar o controle remoto, e desligou a TV para acabar com o som que insistia em continuar. Mélia sentou no sofá reclamando:
- Ai que chato isso! Parece um martelo!
Só então os dois perceberam que alguém estava batendo na porta.
Fábio e Mélia se vestiram rápido, como se estivessem fazendo alguma coisa escondido. Fábio abriu a porta sem camisa, abotoando o jeans.
- Oi. A Mélia está aí?
- Oi. Você que é minha vizinha?
- Sou. Ela ta aí?
- Ta, entra. Não repara a bagunça.
- Acho que atrapalhei alguma coisa, né?
- Hm...Não mais importante do que o que vai acontecer agora, eu acho.

Mélia veio do banheiro e sorrindo receber a amiga.

- Ai! Que bom ver você...Me dá um abraço!
Lívia se pendurou no pescoço de Mélia com o e-mail na mão e chorou.

- O que foi, Li...Não chora...Eu quero tanto te ver feliz de novo...
- Ah Mélia. Ta tão difícil isso!
- Ta difícil porque você não divide o teu sofrimento com ninguém. Ninguém mais agüenta te ver sofrer sozinha. Me conta o que aconteceu?
- Isso. - mostrando o e-mail - o que ele já te contou. Eu não acreditei nele, Mélia. Ele me pediu tanto pra acreditar e eu não acreditei. Porque que eu sou assim? Depois, ele demorou muito pra me ligar. Eu me senti traída, trocada. Não quis contar pra ninguém o que aconteceu.
- Mas nem pra mim?
- Eu fiquei com vergonha, me senti ridícula. "Quem sou eu pra ficar com um mega astro de Hollywood? Viu só? Ele me usou!" Todo mundo ia comentar. Eu não queria. Preferi que ninguém soubesse de nada. Foi tão ruim...
- Quem ia rir de você, Lívia? Você é cruel demais com você mesma.
- Eu sei. Mas tenho medo de parecer idiota.
- Porque você não atendeu quando ele ligou?
- Eu deletei o número dele.
- porque?
- Pra eu não ligar. Se o número estivesse ali eu teria ligado. Depois eu troquei de celular e perdi a agenda.
- Que coisa, Lívia...E agora?
- Eu ia perguntar isso pra você. O que que eu faço?
- Calma...E o e-mail? Você não abriu a conta de e-mail? Aliás, porque não deu o e-mail normal pra ele?
- Porque no dia que eu prometi isso, eu nem queria nada com ele. Foi na primeira noite. Eu não deixei ele subir, lembra? Falei que abriria essa conta e nunca mais falamos nisso. Eu pensei em abrir, mas fiquei com medo.
- De que?
- Que ele nunca escrevesse e eu ficasse esperando, sofrendo, olhando pro computador.

Lívia se pendurou novamente nos ombros de Mélia e chorou feito criança.

- Ah...Minha amiga...Chega disso agora. Vocês dois estão sofrendo. Vamos dar um jeito isso?
- Como?
- Você vai mandar um e-mail pra ele. Hoje. O endereço está aí no papel que eu te dei.
- O que eu digo?
- A verdade.
- como?
- Hm... Meu amor, chego amanhã as 10. Estou de lingerie de oncinha! Me encontre no banheiro das mulheres. Com amor, Lívia.
- Hahah! Cala a boca, Mélia!




Jan 20th 2006:

De: Livianoone@hotmail.com
Para: goodluck@clooneypic.com

Dear Mr. No One

Estive perdida num poço escuro de intransigência e enganos.
Esta noite a Mélia mandou uma corda para me resgatar.
Por favor, me ajude a usar esta corda para voltar à superfície e me atar a você.

Espero que você me responda. (e me perdoe)

Beijos com muita saudade,

Lívia



Jan 21st 2006:

De: goodluck@clooneypic.com
Para: Livianoone@hotmail.com


Dear Mrs. No one.

Você tem uma coisa que é minha.
Estou indo buscar.

Love,
George




De: Livianoone@hotmail.com
Para: goodluck@clooneypic.com

Devolve o meu anel.
Vem logo.

Love,
Lívia




Jan 22nd 2006:

De: meliameliamelia@hotmail.com
Para: Livianoone@hotmail.com, goodluck@clooneypic.com


Queridos No Ones,

Chega de enrolação!
George: você tem 24horas para chegar.
Lívia: to passando aí pra gente ir ao salão.(Você está um caco amiga! Ninguém merece)

Beijo
Mélia.

P.S. Ah! Comprei a sua lingerie de oncinha.

THE END?