domingo, dezembro 13, 2009

_dark

Tenho muitos segredos. Tenho muitos pecados.
Metade de mim é bondade, a outra é escura, guardada, velada. Não sei dizer se é metade ou se são layers: o que a superfície mostra não é o que a superfície guarda - ou é a trama de uma membrana antiga, um tecido trançado pelos ancestrais que mescla os fios e transforma em seda o que era linho bruto.

Eu seria psicopata se fosse religiosa. Eu seria bruxa se não fosse preguiçosa. Eu seria cientista para não enlouquecer. Eu tenho respostas e preguiça das perguntas. Dentro de mim dançam seres sombrios e outros iluminados. Em volta vivem anjos e o equilíbrio que eu provejo, o que eu invento e o que eu projeto.
Eu sei e nasci sabendo o que não posso contar, a não ser em capítulos esparsos, em frases jogadas, em textos esporádicos. Acredite: é mais fácil pecar quando se sabe o endereço exato do inferno. É mais fácil perdoar quando se sabe onde exatamente mora o céu.
Eu sei quem sou...e isso não é bom. Não sou especial. Não sou rara. Eu sou antiga.
Me cansa a filosofia. Me cansa a teologia. Me cansam as teorias da nova era. São todos textos antigos...notícias velhas. Eu ouvi o que foi pensado na mente do mundo antes do mundo existir.
O universo é as vezes um grande museu de idéias antigas soletradas errado...
Eu queria a euforia da descoberta.

É, eu sei...você não faz idéia de porque eu escrevi isso. Relaxa...é só um Domingo de chuva.


Bom dia.

domingo, novembro 29, 2009

Guerreiros

Brahma - Lista de Desejos
Direção: Claudio Borrelli

domingo, novembro 22, 2009

E lá se foi a verdade...


Essa semana eu descobri uma coisa incrível: a palavra testemunho, em inglês testimonial, vem da Roma antiga, quando, ao jurar dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade, era tradição que os homens colocassem a mão direita sobre os testículos.
Certo. Faz todo sentido!
Você arriscaria perder os próprios testículos por uma mentira? Claro que não. Ao menos eu não, se fosse homem.
Então, o que valia na Roma antiga? Qual o "objeto sagrado" sob a qual ninguém ousaria jurar em falso? A HOMBRIDADE. Um homem tem de ter culhões para honrar sua palavra...e assim deveria ser até hoje.
Mas aí chegou o imperador Constantino e sua fome de poder e manipulação (ai ai ai como eu tenho uma birra com essa criatura) e criou a Igreja Católica Apostólica Romana. Aí ele mudou uma datazinha aqui, outra ali...depois queimou alguns livrinhos, inventou umas historinhas, adicionou a ressurreição em alguns evangelhos...there you go: Habemos Bíblia.

Eu não faço a menor idéia de quando começamos a jurar com a mão na Bíblia e nem por que razão estranha isso garantiria que alguém fosse verdadeiro sobre os fatos, mas não é preciso ser brilhante para afirmar que foi uma invenção do mundo ocidental, pós 1.600; depois de a Espanha decidir, em acordo com o clero e alguns reis da Europa, que todos nós teríamos que acreditar num único Deus e em seu filho Jesus Cristo, mesmo que fôssemos índios, esquimós ou aborígenes, do contrários seríamos "purificados" e essa purificação, com toda certeza, seria um tanto forte e acabaríamos mortos. Bacana. Eram tão legais esses espanhóis, que D. Fernando, Rei de Espanha, inventor da Santa Inquisição - e da obrigatoriedade de ser cristão - virou santo. Não é incrível? O cara manda matar meio mundo, caça judeus e muçulmanos, acusa todo "infiel" de ser feiticeiro e ter parte com o demônio, queima todo mundo em praça pública...e é santo. Adoro a história da Igreja Católica...acho incrível que alguém ainda....bom...esquece.

Voltemos ao que interessa. O fato é que alguém em algum momento decidiu que - perdoe a expressão - suas bolas não são algo tão sagrado, então é melhor jurar sobre a bíblia. Pensando bem, é mais fácil. Deus está tão longe...capaz de nem dar tempo dele perceber que você mente.
E eu acho, do fundo da minha já conhecida revolta, que deveríamos fazer os homens voltarem a colocar a mão direita sobre seus preciosos saquinhos para jurar alguma coisa. "Eu, como homem que sou, juro que..." E nós mulheres? Nós juraríamos sobre o ventre - que protege nossos filhos, acolhe nossos homens, cria nossa força. E não vem discordar não, porque o seu cérebro não funciona direito quando seu homem a abandona, seu filho adoece, ou você está morrendo de cólica. Você não pode jurar com a mão na cabeça, porque quando você está de TPM, sua cabeça é a oficina do diabo. E quando você estiver na menopausa vai dar umas piradas sem precedentes. Então fim! Põe a mão direita na barriga e jura que não vai postar comentário de feminista rancorosa!

É isso, senhoras e senhores. Quero voltar aos tempos em que a Hombridade era mais importante do que qualquer instituição. Quero ver nossos políticos todos enfileirados no dia da posse, como uma grande barreira na frente do gol, jurando agir decentemente e cuidar dos interesses do povo que os elegeu.

Tenho dito!






terça-feira, novembro 17, 2009

Romeo & Juliet

Epitáfio - Conto nº2
Publicado no MgWritersClub em 22.06.2007


Entregamos nossos corpos, por não precisar deles para eternizar o que sentimos.
Entregamos nossas vidas para que sejamos livres.
Entregamos nossas almas para amar para sempre.

Entregamos um ao outro o que somos e o que fomos.

"Eyes, look your last!
Arms, take your last embrace!"



Carla e Jonas

˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚

Carta lacrada, encontrada na bolsa de Carla

Para
Glorinha Lacerda
Em mãos


Glorinha amada,

Eu preciso contar pra você o que aconteceu de verdade.

Sei que posso, porque você vai entender e não vai contar pra ninguém, porque sempre foi minha melhor amiga, sempre me escutou com paciência e acreditou em mim.
Tudo não passou de um acidente, Glory, juro. Mas ninguém acreditaria em mim. Eu sei disso. Tenho certeza.
Desde pequena ninguém acredita que eu faço coisas sem querer. Desde a vez que quebrei um vaso da minha avó e ela fez queixa para a minha mãe dizendo que eu era dissimulada, sonsa, que fingi que não fui eu. Glorinha, foi tão injusto! O vaso caiu e quebrou quando a Vó não estava em casa. Eu tinha ido na padaria comprar o que ela tinha pedido em um bilhete escrito antes dela sair. Quando ela chegou, eu não tinha voltado ainda e o vaso estava quebrado. Ela perguntou para a empregada quem foi, e a empregada não sabia. Ninguém sabia mesmo…Eu cheguei em casa e, antes de eu poder contar, ela já começou a brigar, dizendo que eu não podia quebrar as coisas e esconder... Você sabe bem o resto.
Foi sempre assim. Sempre. Você sempre viu. Mesmo quando alguém mais estragava alguma coisa, ela dizia: “Essa menina não pode ser tão estabanada! Pra mim ela faz de propósito!”

E essa é a lenda que reza na minha familia. Agora, como eu poderia contar o que acabou de acontecer? Eu não queria acabar com tudo dessa maneira, Glorinha, mas acho que é a saída mais bonita.
Presta atenção:
Eu e o Jonas fomos a uma festa ontem à noite. A festa foi divertida e nós bebemos um pouco. (Você sabe que ele exagera, né?) Dançamos um monte, rimos muito e ele me convidou para encompridar a noite. Viemos para esse hotel. Você precisava ver que lugar legal! Pedimos a maior suite. Glorinha!, dava pra fazer uma festa pra 200 pessoas aqui dentro. É a Disneylandia inteira só pra nós dois. Tem até máquina de fliperama!
A gente chegou, brincou de tudo o que tinha pra brincar, caímos na piscina, fizemos melhor de três no flipper, fizemos sauna, comemos tudo o que tinha no frigobar, bebemos champagne, nos divertimos demais. Depois tomamos um banho e dormimos um pouco.

Quando a gente acordou, o Jonas resolveu brincar um pouco mais pesado. Ele tinha umas balas (você sabe de que bala eu to falando). Ele tomou uma e deu uma pra mim. Ele também cheirou e tomou mais um negócio que eu não sei o que era, mas eu não. Dançamos um monte…depois transamos um monte…e depois mais, depois mais. Ele estava completamente doido, e eu chapada demais. Quando começou a baixar, vimos um filme. Depois, estávamos conversando na cama e ele parou de responder. Glorinha! Assim, do nada! Do nada, ele parou de responder. Eu chamei ele e nada! Eu sacudi ele, e nada! Eu gritei! Eu bati nele! Eu joguei água fria na cabeça dele! Glorinha!!!!!!! Eu quis chamar uma ambulância, mas não adianta. Eu fiz tudo o que eu sabia: boca a boca, massagem cardíaca. Eu girtei, gritei, gritei! Glorinha, o Jonas não se mexe! Ele não responde! Ele morreu, Glorinha! Morreu! Ele está ali na cama, sem vida, gelado!!! Eu acho que ele nem está mais ali naquele corpo. Ele foi embora, Glorinha!
Eu pensei em chamar a polícia, a gerência do hotel…mas não vou.
Eu não vou ficar aqui para ser acusada de fazer tudo errado. Eu não vou sentar e esperar que me apontem o dedo:
" Olha a namorada do drogado do motel! Louca! Promíscula! Drogada!"
Eu não vou esperar que alguém diga que foi tudo culpa minha! Vão querer me internar numa clínica. Eu não sou viciada! Mas quem vai acreditar, Glorinha? Só você. Eu não vou esperar que a minha avó comente com as amigas da minha mãe que eu sempre fui um problema. “Ah…Ela era uma sonsa!”
Então amiga, só você sabe a verdade. Foi um acidente.
Tão horrível... A única coisa boa é que o Jonas estava muito feliz. A noite foi linda. Tudo delicioso...

Depois de pensar por horas, vendo o Jonas, lindo, deitado ali, tão tranquilo, eu decidi que vou junto com ele. Eu sei que ele vai me esperar. Pedi papel e envelope na recepção e resolvi escrever, eu cheirei tudo o que ele tinha na mochila, amiga, e tomei as outras balas. Cinco. Vou ficar por aqui até começar a me sentir estranha e vou deitar ao lado de dele, esperar que ele me pegue pela mão.

Desculpa por isso, minha amiga. Eu te amo demais.
Não conta pra ninguém esse segredo, ta? Deixa eles pensarem o que eu vou fazer eles pensarem.
Não fica triste comigo. Nem fica triste por mim. Eu vou ficar bem.

Um beijo enorme.
Se cuida bem cuidadinho…
Da sua eterna amiga,


Carla

P.S. Fala baixinho pra minha avó que "desta vez, sim, foi de propósito."


˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚˚

Esta carta foi usada como evidência na defesa de Jonas Ferreira de Andrade -
acusado de tráfico de drogas, aliciação de menores, cárcere privado e homicídio doloso da menor Carla Schimidt. O acusado foi inocentado das acusações mais graves, mas cumpre pena de 3 anos por tráfico de drogas.


segunda-feira, novembro 09, 2009

_bye bye twitterland

Ontem à noite eu deletei a minha conta do Twitter.
"Ah...ok...whatever."
Isso é o que a maioria das pessoas que eu conheço diria, mas deixa eu te contar que não é bem assim.
Eu cheguei lá como quem não quer nada, pra saber se eu queria mesmo dizer em poucas letrinhas que eu estava na fila do banco, ou na sala de espera do dentista. Achei ridículo, abandonei a minha conta e continuei minhas coisas. Mas quando eu voltei, eu tinha followers e vocês sabem como eu sou: eu adoro uma platéia!

Dias mais tarde, conversando com a minha filha sobre fakes na internet, minha curiosidade científica me fez procurar fakes para seguir no Twitter. Eu queria entender o que passa pela cabeça de alguém que finge ser outra pessoa. Foi aí que tudo começou...Eu passei a seguir um imenso zoológico de celebridades fake, fazendo do meu twitter um lugar tão alucinante quanto repugnante.
Mas um desses "fakes" era especial. Amável, delicado, inteligente, interessante. E tinha fiéis seguidoras...eu diria mantenedoras. Ao contrário das fans desvairadas, elas tentam manter um certo low profile, não falam dele com estranhos, evitam "follow fridays"... e como mulheres de Atenas, zelam pelo bem estar e o sorriso do homem que chega cansado do trabalho e merece ser tratado com amor.
Com o tempo, ninguém mais quis saber de verdade quem é ele. Ele é real? ele é fake? ele é um equívoco? entrou e não tem mais como sair? Tanto faz...ele é o responsável pela união de um grupo delicioso de pessoas que se adoram e não sabem mais viver separadas. É uma irmandade, uma congregação...uma delícia. Por pura curiosidade científica-desocupadística eu fiz amigas que vou guardar comigo para sempre.

Tive que arrancar o coração e deixar do lado de fora da sala para conseguir apertar o "delete". Foi sofrido, foi suado, foi chorado. Cada um que me mandou uma mensagem ontem à noite me fez chorar muito, porque eu sei o quanto vou sentir falta das minhas meninas, e de cada um dos meus meninos. Mesmo mantendo contato por outros meios, não vai ser mais um eterno acordar e ir dormir juntos...saber que não está nunca sozinha...ter sempre um sorriso do outro lado esperando você acordar.
Você não entende isso? Que pena...porque é uma benção.

E por que eu largaria essa benção? Porque eu parei de escrever. Preciso retomar meus escritos e voltar a pensar como antes. Acho que quando você expões seus sentimentos e pensamentos o dia inteiro, não sobra nada para juntar depois e colocar no papel. Foi esse o estranho resultado do Twitter...eu deixei de ter o que dizer. No fim do dia, todos os meus pensamento já haviam sido drenados e perdidos na grande timeline universal, chamada Twitterland.

E a minha curiosidade científica? Pff...pesquisa arquivada. Caso encerrado. Não quero saber.
Só tenho a agradecer ao Twitter por ter me trazido momentos geniais e pessoas maravilhosas. Eu continuo sendo a mesma pessoa sortuda, cercada de pessoas incríveis por todos os lados. E é claro que eu vou voltar. Eu sempre volto para os lugares que eu amo.

Ah...antes que eu seja injusta: Thanks B.D.B

Com o coração doendo...

Bom dia.


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quinta-feira, setembro 24, 2009

4.8


Como assim mais um ano passou e eu não vi?

Eu quis mesmo fechar os olhos para ele para não ver as coisas tristes que ele traria. Mas acabou. Meu ano novo está começando hoje e eu tenho pouco a dizer...pela primeira vez.
Eu escrevi pouco. Eu saí pouco. Eu me cuidei pouco. Eu prolonguei meu luto...
Durante esse ano, a famosa vida cor-de-rosa feita de borboletas no estômago e sentimentos tão tresloucadamente impossíveis de se atingir, foi maculada por uma dor enorme. Um buraco gigante. Um vazio maior do que o todo.
A Mercedes cor-de-rosinha se revoltou e quis saber pra que serve. Pra que serve morrer de dor? Quem ousa? Como pode? Não é para isso que ela está aqui.
Do outro lado, a Mercedes super-poderosa aguenta o rojão e diz que é preciso ter os olhos no horizonte e os pés em movimento. Em frente! Sempre em frente! Enfrente...mesmo que com o peso de todo o planeta nas costas...olhos no horizonte...
E o horizonte chegou. Está bem aqui onde meus pés estão. Não há vazio abaixo deles...há só outro modo de pisar. Descoberto isso, a dor diminui. Não o vazio...mas a dor sim.

Se eu estive perdida, hoje foi o dia em que as pessoas vieram me lembrar quem eu sou. Acordei já com o Orkut, o Facebook e o Twitter fazendo escorrer mel pela tela do computador. Não sei se existe uma forma de agradecer ao mundo pelas pessoas que eu tenho.
Eu percebi (não que não tenha visto antes) o quanto todas essas pessoas, mesmo as mais distantes, são importantes para que eu possa enxergar e colocar meus pés firmes no chão. Elas me lembram o que eu vim fazer neste mundo, para o que eu sirvo, e mostram que minha ausência só foi percebida por mim. Elas me dizem que eu estou viva e inteira. Eu posso respirar aliviada...

Então, esse texto é para dizer a todas essas pessoas o quanto eu me senti amada hoje, o quanto elas são especiais para mim. Eu só tenho a agradecer, pela vida que eu tenho, pela família incrível que me cerca, e pelos amigos maravilhosos que eu tenho ao redor do mundo.

Feliz Aniversário da Me pra vocês.


o vazio... <-- click aqui

quinta-feira, setembro 17, 2009

Cría cuervos


Eu já tive mais paciência, ou já fui mais burra?
Quantas vezes encontrei pessoas como você e senti pena, e mêses mais tarde descobri que estava criando uma cobra para me morder? Cría cuervos, y te sacarán los ojos - diz o provérbio espanhol. Mas eu sempre me tive num conceito muito alto...muito fora da realidade. Quem sou eu para poder com quem ninguém pode?
À primeira vista, contando as histórias eu sou burra. Mas ah! que simples seria ser burra. Eu sempre acho que posso com tudo, essa é a verdade.

Então a pobre menina infeliz entra na minha vida sem ser convidada. Ela é um nada. Não fede nem cheira. Não tem nada em comum comigo a não ser um emprego na mesma empresa. Ela vem se chegando e eu não me importo...imagina! Ela é tão um cocô que dá até pena. Sozinha na cidade, sozinha na existência dela, sozinha...E eu? Eu sou feliz, eu tenho família, eu tenho amigos, eu tenho um salário pra lá de decente. Estou resolvida. Custa? Me diz: custa oferecer a mão a uma alma desprovida de alegria. Eu respondo: CUSTA! Mas continuemos.
Um dia, a pessoa bate na minha porta as dez da manhã e solta a seguinte frase:
"Oi gata! Vim te fazer companhia."

Hello? Quem pediu companhia? Que mania insuportável essa das pessoas acharem que eu sou sozinha! Okay, entra, fazer o que?(NÃO! NÃO DEIXA ENTRAR!) Desse dia em diante, eu não tive mais vida. Essa criatura chegava todos os sábados às dez da manhã e só ia para casa dormir para voltar no domingo. Ela se aproximou de um por um dos meus amigos. Saiu com um por um dos meus "pretendentes". E o que eu fazia? "Ah coitada...deixa...ela nunca teve nada disso."
Ai meu Jesus cristinho...como pode?
Aí é como um viciado que diz para si mesmo que quando quiser pode parar de usar a droga. Não amigo...não pode. Principalmente se a droga for uma garota gaúcha folgada e mal caráter. Ela vai roubar a sua alma.
Levei um ano inteiro para conseguir afastar essa pessoa nociva da minha vida. Neste tempo ela tentou me derrubar profissionalmente, pessoalmente e até espiritualmente. Ela tirou coisas que eram minhas e talvez tenha atrasado minha vida em alguns anos. Isso porque eu achei que poderia controlar meus corvos.

E os anos passam...e eu encontro a versão masculina dela. Pessoa adorável, solícita, confiável, e ah...custa o que deixar se aproximar? Nada! CUSTA! E nesse caso quase custa a vida. Mas vamos mudar de página.
Coloquei dentro de casa para cuidar das minhas coisas uma pessoa esperta, confiável, forte, adorável...e fui roubada até os dentes. Dessa vez não espiritualmente ou profissionalmente, mas materialmente mesmo. E ela chorou quando foi embora (assim como os outros) por que me amava e não queria me magoar, e estava sendo injustiçada.
Cría cuervos, y te sacarán los ojos!

Depois de um tempo arrancando partes do meu corpo para tampar os buracos dos corpos alheios, eu aprendi duas coisas:
1. Não, eu não posso com os corvos e eles vão arrancar meus olhos assim que eu cochilar.
2. Psicopata não tem ética ou limites...e sempre tem um por perto.

E aí me aparece você, doce senhora nos seus cinquenta e poucos anos, mãe descompensada de uma família idem, cheia de problemas e ainda tão amável, tão generosa, tão encantadora....e por muito pouco eu não deixo você ser mais um corvo comendo os restos da minha comida. Mas sabe o que acontece? Eu não tenho mais paciência. Eu não sou mais boazinha. Eu não entrego mais as minhas migalhas para ver meu bolo ser tomado inteiro depois. Eu ouvi os seus lamentos, suas paixões, seus problemas adolescentes ridículos...eu tive paciência porque...o que custa?? É só ouvir, é só reponder "an-hã", é só uma palavra de consolo...mas você passou de todos os limites e adivinha? Você falou mal das pessoas que eu gosto, minha senhora, e eu não quero ser parte da sua doença. Desculpa, eu parei a criação de corvos.
Foi um prazer.




(não revisei isso ainda. Dever ter montes de erros. Sorry!)



sábado, setembro 12, 2009

Hoje

Era fim de tarde. Aquela hora que o sol invade a minha casa toda branca e ela empresta as cores do paraíso. Sei lá por que, eu comecei a andar pela casa e observar coisas que, daqui da minha cadeira, eu acabo esquecendo de olhar.
Fui para o jardim e descobri que as arecas cresceram muito. Eram minúsculas e mal cumpriam a função de separar o que de direito, mas hoje tomam tanto espaço que cobrem metade da casa. As alfazemas estão floridas e espalham um cheiro delicioso pelo jardim.
Passei pelo Charlie - um sapo/príncipe que aparece quando chove e tem que ser salvo da piscina quase todos os dias - e descobri novos desenhos nas costas dele. Um gato dormia na espreguiçadeira, outro na cadeira da varanda, outro jogado no terraço com as pernas caídas para fora; enquanto a Mini se esfregava nas alfazemas como se quisesse se perfumar.
Voltei para a sala desenhada pelo sol, sorri vendo as rosas que coloquei na mesa hoje...meus sofás, os livros na mesa de centro, as gordas na lareira, o tapete que eu gosto, minha Marilyn em cima do piano. Até toquei piano, como se eu fosse capaz.
Olhando a varanda lembrei do meu pai sentado ali, lendo jornal, esperando o dia passar e chorei. Me dei conta de que já vivi muita coisa nessa casa e gosto demais de pensar em todas elas...
Existem esses momentos em que a vida pára para eu poder relembrar como cada coisa foi parar onde está - eu inclusive.

Quando minha excursão terminou, eu estava sorrindo, meio emocionada, meio maravilhada com a vida que eu tenho. Não pelas coisas grandes, mas pelos detalhes. Por essa satisfação gratuita, essa felicidade boba, essa alegria que, mesmo nos dias tristes, caminha comigo.

Charlie

Era só.

Bom dia.

sexta-feira, setembro 11, 2009

borboletas no estômago de deus

Nebulosa Butterfly - NGC 6302

Fotografada pelo Hubble, agora que ele funciona direito.
Créditos: NASA, ESA, e Hubble SM4 ERO Team

terça-feira, setembro 08, 2009

Dorothy



Era uma noite qualquer de inverno. Virada de século.
Um encontro casual no portão de ferro mudou o rumo das coisas para aquela mulher que não via na vida novidade possível.
Prontificou-se a abrir o portão. Parecia uma noite qualquer, mas a luz entre as folhas das árvores revelou um olhar ainda não percebido. A força dos olhos percorreu o corpo e encontrou o estômago vazio despreparado, como uma faca afiada, suja de mel e alguma bebida embriagante.
Ela parou na porta do carro. O sapo na boca da cobra. Não sabia se mexer. Não sabia desviar o olhar.
Como se o controle remoto comandasse seus gestos, aproximou-se da janela sorrindo, apertou os olhos para ver direito, não entendeu o que viria a seguir, mas sabia que era a coisa errada-certa a fazer: provou da melhor boca que jamais provaria por dez vidas. Lembrou das bocas que beijou nas últimas dez e da voz que ouvira em sonho: "Sente este gosto".

Em segundos, gosto de pecado na boca, ela deixou de existir para ser Dorothy. Sabe Deus de onde vinha Dorothy: se de outra vida, de outro universo, da vontade de não ser ela para poder transgredir sem culpa. Entregar-se àquele beijo e não deixá-lo acabar.
Mal sabia Dorothy. E não queria saber. Queria todos os dias mais e mais e mais beijos apaixonados, moles, molhados, lambidos, macios, hipnotizantes, de faca afiada com mel e alguma droga alucinógena. Não tinha trabalho. Não tinha família. Não tinha passado. Dorothy e sua boca eram a única vida existente num universo de transgressão.

Sexo. Claro que os beijos não vinham sozinhos. A boca de Dorothy não podia parar. Queria explorar, queria sentir o gosto do desejo e de tudo que vinha dos olhos de faca.... Queria provar do mel e da droga. Queria engolir a vida aos tragos. Queria morrer com o sabor do beijo.

Não havia lugar onde seus desejos não coubessem. O mundo inteiro era o quintal da casa daqueles e suas bocas. Em cada casa havia um elevador, um banheiro, uma cozinha, uma mesa. Em cada escritório havia um hall, um tapete, uma garagem, uma sala de reuniões. Em cada jardim havia um carro, uma árvore, um muro, um banco. Em cada hotel, cada avião, cada caminho, cada parque, cada igreja.
Os beijos tornaram-se vicio. O sexo tornou-se arte. Invenções. Brinquedos. Comidas. Amarras. Fantasias. Segredos sussurrados nos ouvidos durante o trabalho. Olhares cortando salões durante solenidades. Dorothy! A mais poderosa das amantes era agora a dona da faca afiada suja de drogas alucinógenas. Vício. Vício. Vício. Testes emocionais. Resistência testada. Droga. O sexo livre de barreiras ganhava uma dimensão inimaginável. Beijos. As bocas decoram o caminho. Um beijo não é mais um beijo. Dorothy rainha do sexo sabia agora usar a voz. Dona dos olhares de faca, arrancava suspiros à distância. Era possível fazer sexo com os olhos. Vício!
Era possível não respirar. Era possível levar à loucura com o mover de um músculo. Um sorriso. Um toque. Um suspiro ao telefone.
Dorothy morria por sexo. Matava por beijos. Roubava os olhos de faca de todos os seus afazeres. Tornava-se o vício e a loucura de quem só queria o controle do portão.

Mas chegou o dia da guerra dos mundos de Dorothy. A loucura era grande, mas não maior do que a vontade de lembrar seu nome. Dorothy partiu. O olhar de faca perdeu seu brilho. A vida voltava sem novidades.
Pobre Outra! Até hoje vaga pela vida, jurando não ter visto os olhos, não ter sentido os beijos, não saber o gosto do vício. Ainda procura em silêncio por outra boca.
O que não sabe, é que quando furou os olhos para não mais provar do beijo, o poder de ser Dorothy morreu. O encanto foi quebrado. Não haverá outro beijo. Nunca mais faca suja de mel. Nunca mais no quintal de sua casa brotará desejo...

Ficou provado que Dorothy habitava o universo paralelo de onde veio o moço do portão. Não há outros como eles. Não adiantaria buscar. Este é o definitivo, irreversível, inquestionável fim da existência de Dorothy - Rainha dos olhos de faca, dona da droga e do desejo que alucina.

Dorothy - Set 1999 (postado em Set 2005)

domingo, agosto 09, 2009

Dia dos Pais


É grande demais... maior que eu, maior que tudo,
a presença da sua ausência.
Tenho o rosto lavado pelas lágrimas que eu ainda não tinha chorado.


(tears stream down your face
when you lose something you cannot replace...)




sábado, agosto 08, 2009

...tempos interessantes


“Oi.”
Ela estava com o iPod ligado, fone nos ouvidos, e não percebeu a presença dele.

“Hei!…” ele falou tocando de leve o ombro dela, e apontando para a poltrona ao lado. Ela tirou um dos fones, meio rápido, meio atrapalhada, pausou a música e sentou mais para trás, para dar espaço.

“Desculpa eu não te vi…”

“Tudo bem.”

Ele passou entre as pernas dela e o encosto da poltrona da frente e, mesmo com o espaço da primeira classe, ele tinha tanta coisa nas mãos que ela precisou se encolher. Ela levantou uma das mãos:

“Espera. Acho que é mais fácil se…”

Ele deu um passo atrás, atrapalhado com a bagagem – uma mochila, uma bolsa de notebook, uma sacola com livros, uma jaqueta de couro - , ela desligou o iPhone, deixou-o no braço da poltrona, pegou a bolsa que estava no chão, colocou no assento, levantou e deu espaço para ele passar.
Assim que sentou, ele viu a foto dela na tela do iPhone, franziu as sobrancelhas e levantou a cabeça para olhar para ela. Isso, enquanto ela pegava a bolsa novamente e acomodava no chão junto à poltrona e voltava a se sentar. Depois de acomodar toda sua bagunça, ele abriu a janela e olhou para o céu tentando prever como seria o vôo. Ela colocou novamente os fones no ouvido e respirou fundo, sentindo o perfume que vinha do seu companheiro de viagem.

“…Nossa! Ele cheira bem!” – pensou, ainda sem olhar para o rosto ao seu lado e sorriu.
Sempre que entrava no avião lembrava das viagens de ônibus da adolescência, quando algum homem sentava-se ao seu lado: fechava os olhos e imaginava como seria viajar de avião, na primeira classe, com gente cheirosa e bonita. Não que ela não gostasse…mas sempre achou que seu lugar no mundo fosse um pouco mais acima. E era.

A aeromoça ofereceu champagne e quando ela levantou os olhos para agradecer, percebeu o olhar quase enfeitiçado da morena bonita, de uniforme, que se desmanchava como manteiga no pão quente. Sorriu seu sorriso de estranhamento e olhou para ele. Ele sorriu e abaixou a cabeça, se escondendo atrás do braço quando mexeu no cabelo, sem graça. Ela tirou um fone do ouvido.

“Você viu isso?”

“Acho que sim…”


Ele olhou nos olhos dela e sorriu timidamente. Depois franziu o rosto em dúvida e disse.

“Juro que não é uma cantada...mas eu acho que conheço você.”

Ela sabia quem ele era. Ela sabia que todo mundo sabia, mas não tinha certeza de que ELE a conhecesse.

“Acho que não…”

“Hmmm…será?”

“Vai ver eu pareço com alguém.”

“Talvez…”


Ela olhou mais uma vez para aquele rosto familiar, tentando ver melhor os traços que ela conhecia mas não tão de perto, conferiu mais uma vez os olhos verdes estranhos, baixou a cabeça e voltou a colocar o fone. Ele manteve os olhos nela mais um pouco, pegou o telefone e pareceu escrever uma mensagem. Disfarçando o constrangimento, ela também pegou o telefone, para Twitar mais uma vez antes da decolagem. Havia uma menção de seu nome:

LivesNowhere: @HeloFRZ alguém roubou o seu iPhone.

Ela respondeu:

@LivesNowhere como assim?

Segue o diálogo que veio depois:

@HeloFRZ Juro, tem uma pessoa do meu lado usando sua foto como wallpaper!

@LivesNowhere Então presta atenção: se você roncar essa noite, eu te mato!

@HeloFRZ Se você não virar pra cá agora, não vou te deixar dormir.

Ela soltou uma gargalhada…largou o telefone e virou-se para ele oferencendo a mão direita.

“Prazer, Helô.”


“Encantado…”


Ele segurou a mão dela sorrindo.

“Pensei que você fosse fingir que não sabia.”

Ela sorriu

“Eu ia... se você fingisse.”

“Mas você sempre soube...”

“Você nunca me enganou...”


Ele abaixou a cabeça e escreveu outra vez no telefone. Curiosa, ela abriu o Twitter.

“Atenção: @HeloFRZ é muito mais bonita em carne e osso.”

Ela sorriu sem levantar os olhos e escreveu:

“Meninas, @LivesNowhere tem um cheio delicioso”

A voz da comissária de bordo soou nos auto-falantes: “Senhores passageiros, a partir deste momento todos os aparelhos eletrônicos devem ser deligados.”

Os dois desligaram seus celulares, se olharam sorrindo, e se conheceram usando bem mais do que 140 caracteres.


:)

quinta-feira, julho 30, 2009

Confissão


Então, o que passa?
O que passa que eu ando calada?
Eu ando calada? Nada! Eu tenho falado mais do que o homem da cobra, em frases curtas em inglês, com 140 letras - todas contadas -, sem pontuação, sem me preocupar com maiúsculas.
Tenho falado besteira, tenho rido demais, tenho matado a saudade de falar inglês e feito bem pro meu ego. Claro, claro, tudo o que o Twitter tem é uma foto que mostra meia Mercedes, enganando o povo que jura que eu não tenho olheiras e nem 47 anos.
Balela! Não é isso que faz bem pro meu ego. É quando alguém fica surpreso em saber que inglês não é a minha primeira língua. Ai como eles não imaginam como isso aconteceu...Acho que nem eu consegueria se não me lembrasse, como se fosse hoje, de cada um dos sinais de que isso tinha que acontecer.

Anos 70. Eu me vejo sentada no chão, na frente de uma vitrola daquelas dos anos 60 que eram um móvel - de um lado toca discos e do outro rádio AM -, um disco dos Carpenter's tocando e eu com a capa do disco na mão, lendo a letra, e um dicionário Inglês/Português na minha frente. Eu tinha uns 11 ou 12 anos e era inconcebível para mim ouvir uma música e não entender o que ela dizia. Naquela época, a única coisa que eu sabia sobre o futuro era que eu queria morar em San Francisco (nunca aconteceu...bússola estragada). Depois eu me vejo na aula de inglês me divertindo muito e prestando ZERO atenção...até que meus pais desistiram e eu parei de ir para aula.
Me vejo aos 14, passando férias na casa dos amigos da minha mãe que tinham 6 filhos e todos falavam inglês. Ai que inveja! Ai que inveja! Inveja ruim mesmo, daquelas que você olha pra pessoa e pensa "Droga, por que ela pode e eu não?!" e ela seca até desaparecer.
E eu comecei a ler. Comprei um dicionário só meu e usei tanto que hoje ele está sem capa, encardido, com páginas caindo. Sim sim, eu ainda tenho meu primeiro dicionário de Inglês. E metida que só eu, ele era (ainda é) um dicionário Inglês/Inglês. Isso foi me ajudando a entender mais e mais sem ter que ir para a aula...
E passou mais tempo...1985/86, eu me separei, fui morar sozinha com o Diogo num apartamento lá no final da Padre Agostinho, na frente do Barigui, e ali passei mais horas sozinha do que as horas que eu tinha de vida.

Cabeca Vazia é oficina do Diabo.
É?
Tenho minhas dúvidas...minha cabeça não estava exatamente vazia. Eu trabalhava muito, tinha um filho para criar, mas saía do trabalho às sete, e o Diogo era um anjo, o que quer dizer que das oito e meia em diante eu estava sozinha. Sozinha e com o coração vazio...esse sim a oficina do Diabo.
Foi quando eu comecei a inventar amores e escrevê-los todos. Na minha olivetti podrinha eu escrevia noites inteiras até meus olhos não aguentarem, e imaginava amores impossíveis. Bingo! Foi quando a porta se abriu. Porta? Melhor chamar de "portal". Era uma coisa mística...era estranha e diferente...era enlouquecedora. Bingo de novo! "Enlouquecedora" é a palavra.
(Hm...lá vem especulação... Pensa comigo: o esquizofrênico ouve vozes. Pode o esquizofrênico ouvir vozes em outra língua? Ai meu deus, se pode me interna!)
A verdade é que eu comecei a ouvir vozes quando dormia. (ufa! descartada a esquizofrenia, eu espero). Eu comecei a sonhar todas as noites com a mesma pessoa, sentada na minha frente, falando sem parar, em inglês.

NOTA DA AUTORA: queridos amigos do passado, vocês NÃO precisam contar para ninguém, muito menos escrever nos comentários, o nome da pessoa com quem eu sonhava. Sim, isso é um pedido de sigilo! Sim, eu tenho vergonha. Please?

Era cansativo. Eu acordava exausta. Não fazia a menor idéia do que ele dizia durante o que parecia ser horas e horas a fio. Isso aconteceu quase todas as noites durante um ano e meio, mais ou menos, até uma noite em Porto Alegre, dormindo no hotel, que sonhei que estava num trem. No sonho eu estava cansada, queria dormir, não conseguia evitar o cochilo. O banco do trem era confortável, a pessoa ao meu lado era quentinha, aconchegante, e eu não consegui controlar o sono... encostei a cabeça no ombro daquela pessoa. Voltei a mim rápido, levantei a cabeça num pulo e olhei para o lado para me desculpar...e era ele. Ele sorriu para mim. Eu me assustei com a proximidade. Nunca ele estivera tão perto de mim. Sempre sentado à minha frente, sem contato físico, mas desta vez todo o lado direito do meu corpo estava encostado nele. Eu acordei como se levasse um tombo - como se volta de um pesadelo - e não consegui me mexer. Durante alguns minutos eu ainda sentia uma pessoa ao meu lado: o calor do corpo, o ar morno da respiração. Tive muito medo. MUITO medo!
Naquela noite eu rezei para todos os meus santos pedindo que eu nunca mais sonhasse com ele...e fui atendida. Perdi meu professor de inglês!
É verdade...mas não perdi o que ele me ensinou. A essa altura, eu já via filme sem legenda e lia livros em inglês sem dificuldade.
Nunca mais tive notícias do moço dos sonhos.

Quatro anos mais tarde, conheci o homem com quem estou casada até hoje. Seria impraticável viver com ele sem falar inglês. Seria impossível trabalhar com ele sem escrever em inglês. Seria dramático acompanhar a carreira dele sem falar inglês. E, pasme, ele tinha o mesmo andar, a mesma altura, a mesma falta de queixo e é tão cego quanto o moço do sonho.

Pronto contei!
Essa sou eu, e essa é a minha vida que sempre foi assim: nada acontece, tudo despenca na minha cabeça de modo assustador...e é assim que eu sou feliz.
Quem ainda não se sentia seguro para me chamar de louca, já pode ficar à vontade.


Um beijo amigo no seu umbigo...

sexta-feira, julho 03, 2009

meus meninos




Qinho Mais de Uma Janela

Direção: DR Gameiro (as in Diogo e Rodrigo
)

quarta-feira, junho 10, 2009

e la nave va....


É um barco gigante, enorme e incansável, que viaja pelos oceanos todos, os milhares deles, como uma voadeira num rio sem fim.

E lá vai o barco abarrotado de amores,
de histórias, de quereres tão imensos,
de vida escrita em água e estrelas...
(testemunhas únicas da existência deste meu navio).

La alva nave de mim, viajando em silêncio,
buscando sempre o que não há como num conto de fadas, ou num navio fantasma.
Os quereres e amores são carregados de magia, de alegria e de um silêncio mortal...pesado...cansado...
Cansado de busca, meu barco? Cansado de amar em vão?
O barco não cansa...
(é o peito que cansa).
Cansa saber tanto e não pronunciar. Cansa amar tanto, amor de tanta paz, tanta paciência, tanta generosidade, e deixar que o amor se vá...Vai, meu amor...vai! Vai viver o que te espera que eu te espero pra sempre, na nave que vai também...
E vai desenhando no mar, como a voadeira no rio, como os quereres exaustos,
pesados,
calados...

E lá vai o barco para um lado e o amor para o outro caminho, ali do lado, onde eu posso ver, onde eu posso sorrir ao ver que o amor se faz...chorar ao ver que a dor lhe corta o peito...
e então meu barco navega em lágrimas que nem são minhas lágrimas...são o sal dos seus olhos que eu transformo e bebo pra que não veja que eu as percebi.

Ai ai...nem tanto assim...nem tanto...Mas há sim um barco abarrotado de amores, amores tantos, dos oceanos todos das minhas lágrimas...

...e você ali, no caminho ao lado.
(todo errado...) nem sabe de mim.


escrito em agosto 2006

terça-feira, junho 02, 2009

Sinto muito

Algumas notícias chegam e pegam a gente de surpresa. Geralmente a morte, nossa única certeza, causa um desconforto grande, seja quem for que tenha partido.
Ouvi da minha filha ontem "todo mundo vira deus quando morre". Nossa...ela só tem 15 anos e sabe que o ser humano tem falhas graves como essa.
Quantas vezes você já viu alguém que nem falava com o morto dizer: "Era um grande homem".
Eu não estou aqui para julgar os mortos, mas vou te dizer que assim como não consigo idolatrar nem meus próprios ídolos, não consigo endeusar alguém só porque morreu.

Eu tinha problemas com o Leminsky. Me processa! Tinha e sei de mais gente que tinha, e apesar de saber, reconhecer e concordar que ele era um poeta incrível, sua morte não fez com que eu passasse a gostar dele. Continuo achando tudo o que achava em vida, e não me acho nadinha importante por ter trabalhado com ele, até porque não fiz um único filme dele do qual me orgulhe. Penso dele o que penso de vários artistas brilhantes ainda vivos que trabalharam comigo. (um desodorante não mudaria em nada a arte deles!)

Mas então recebi a notícia da morte de uma das três únicas pessoas que eu odiei na vida. Uma das três únicas pessoas que realmente me fizeram mal e atrasaram o curso das coisas que estavam por vir para mim. Aí o que que diz? "Sinto muito"? Ai desculpa, não consigo...
Eu sinto muito pelos que podem ter sofrido com a partida dela. Eu sinto muito pela vida perdida. Mas ai...acho que só. Isso faz de mim uma pessoa má ou uma pessoa honesta?
Eu vivi os últimos 27 anos sem essa pessoa e ela não me fez falta, muito pelo contrário. Todas as vezes que me lembrei dela foi para contar do mal que ela me fez. Mas a minha formação de boazinha ridícula fez com que eu me sentisse um pouco culpada por "não sentir muito" a morte dela. Não é um alívio...não é um "graças a deus"...não é um "bem feito"...é só um "ah...é mesmo?".

Essa sensação esquisita de não sentir me fez pensar no dia que eu receber a notícia da morte dos outros dois. Hm...é mesmo? Pois é. Ah eu tenho certeza que todos os fofoqueiros de plantão vão correr pra me contar, loucos para ver a minha reação! Preciso urgentemente ensaiar uma cara para fazer, porque eu sei que simplesmente não vou ter reação alguma, afinal, já faz tanto tempo que eles morreram pra mim...já faz séculos que estão enterrados! Estranha seria a minha reação à notícia de que eles ainda estão vivos, zumbizando por aí...aí sim.
Eu sou um amor, sabe, mas tem uma coisa que pouca gente sabe sobre o meu lado negro: se você morrer pra mim, eu te enterro. E nunca vou voltar para colocar flores no seu túmulo.
Sinto muito.



*mas eu sinto muito pelas vidas perdidas no vôo da Air France, e boboca que sou, ainda acho que algumas pessoas podem ter se salvado de alguma forma...

domingo, maio 17, 2009

Foram dias estranhos...


Teoricamente, eu parei tudo para escrever.
Teoricamente. Porque não foi o que aconteceu. Eu nunca imaginei que fazer uma festa de 15 anos desse tanto trabalho. Ou ao menos não imaginei que fazer a festa de 15 anos da filha de um diretor desse tanto trabalho.
Complicado. A coisa é: todo mundo espera muito de nós. Não sei porque. Não nos casamos numa grande festa (muito pelo contrário), não moramos numa mansão decorada por designers, não temos obras de arte, não temos tapetes incríveis e jóias, eu não uso Chanel e Prada, não estamos nas colunas sociais, não damos entrevistas para os jornais, não somos pessoas públicas, nunca mostramos um gosto refinado. Ao contrário, passamos a vida bem low profile, não damos festas, adoramos junky food, nossos carros são velhos.
Ok, mas parece que nada disso fala mais alto do que nosso nível de exigência no que diz respeito a trabalho, e é aí que a expectativa dos outros vai às alturas: "Imagina a festa da Natasha..."
É...e não foi exatamente fácil fazer com que tudo estivesse perfeito. Vou confessar que o trabalho mais fácil foi o meu, até porque a pessoa menos exigente nessa casa sou eu.
As pessoas que nos cercam trabalharam demais, e a grande maioria delas fez isso como um presente para nós. Isso, senhoras e senhores, não tem preço. Vou ficar em dívida para sempre. São todas pessoas ocupadérrimas, com trabalhos sérios, que nos deram de presente seu tempo, seu cérebro, seu gosto e sua competência. Larissa Cambauva, Kátia Gimenez, Renato S. , Judith Belfer, Diogo Gameiro (ok...esse é irmão, mas conta!) pararam tudo o que estavam fazendo para realizar o sonho de pricesinha da Natasha. E foram muito além. O que não tira absolutamente o mérito das pessoas que ganharam para isso:Raquel Poli incansável, Dani e sua paciência infinita, Carol Garofani com seu gosto impecável, Dee, Marquinhos, Monica Darjcz, e aqueles que eu certamente vou esquecer, porque sou péssima!
A festa foi linda e perfeita, com direito a fatos inpensáveis, inimagináveis...ou quase isso, já que eu, como mãe sonhadora, pedi todos os dias para o universo dar um jeito de providenciar aquela valsa que aconteceu de última hora, só para ver o sorriso da minha filha brilhar mais forte.

E no dia seguinte tudo ficou estranho...Meio como se fosse um castigo por tudo ter dado tão certo. A consequência do excesso de felicidade latejante, transbordante, e o exibir uma família feliz, amigos felizes, crianças felizes, e uma filha linda, foi descer até o submundo dos ratos corruptos e ter que sentir seu cheiro nojento. Tá...exagero...eu não acredito em castigo! Mas o cheiro dos ratos é nojento. Por 48 horas vivi um pesadelo que parecia novela das oito, com vilões canastrões com roupas questionáveis, diálogos mal escritos, cenário brega, mentiras, os mocinhos perdendo...Péssimo!
Mas sabe que já vivemos isso outras vezes. Não nesse nível "novela ruim", mas muito já tivemos que encarar a Nazaré! De tempos em tempos somos postos à prova, e sempre, sem excessão, no final da novela estamos mais fortes e mais unidos...Dane-se a perda...eu sei quem é mais feliz.

O resuldado disso tudo foi: nenhuma palavra escrita. Total BLANK no cérebro. Vou ter que reler tudo o que escrevi para poder retomar a história, mas juntei grande parte da minha família dentro da nossa casa e isso é mais importante que todo o resto. Eu aproveitei pouco, é verdade, mas fui meio que espectadora da união de todos. Tinha gente por todo lado, tomando conta da casa, comendo, rindo, conversando...e isso me faz feliz.

Aos poucos, agora, vou reorganizando a vida, voltando a escrever, voltando a postar. Ainda tenho toneladas para fazer antes de dar esta festa por encerrada. Só as minhas olheiras saíram do caminho...o resto ainda está por aí.

Obrigada pela paciência.
Espero ver todo mundo aqui nos comments outra vez.

Beijos muitos

Mg

terça-feira, abril 21, 2009

Que desculpas eu tenho?

Faz semanas que eu não posto nada. Semanas de silêncio profundo neste lugar, a não ser que você entre para ver meus updates no Twitter (ali embaixo, à direita), que é a única coisa que tem mudado por aqui.
Então...lá vão todas as minhas desculpas para tal abandono, sendo elas horrivelmente esfarrapadas ou não. There you go:

. Tenho um livro e um projeto que precisam de atenção e levam minha cabeça pra outro mundo que não este aqui.
. Estou organizando um "evento" ao mesmo tempo, que além de me comer (devorar na verdade) todos os minutos do dia, me enche o saquinho com atividades que eu sempre considerei "menos nobres" e me estressa 24 horas por dia.
. Hóspedes.
. Twitter (?)

Se faz algum sentido, saibam não estou conseguindo treinar, escrever ou dormir. A coisa ta preta, senhoras e senhores. Então, tenham paciência.
De qualquer forma, a boa notícia é que as minhas experiências aqui, com Jack e Monica e mais algumas outras, estão se transformando numa história que parece que ta ficando legal.

Se vocês souberem esperar...
Please?

Beijos muitos.

Mg

sábado, março 21, 2009

Jack & Mônica - telefone II


Metade do dia passou sem que eu tivesse coragem de pegar o telefone enquanto ele ficava lá, sendo ele mesmo. De hora em hora apitava para lembrar que existia, sempre piscando aquela luzinha verde, como se risse da minha cara. “Estou aqui! Estou aqui!”, Ah...que irritante! Se ninguém ainda havia percebido, eu não ia fazer o papel ridículo de discar aquele número. Como era mesmo? 310-829.2435!
Mas, eu sou teimosa, não idiota. Peguei uma dose extra-grande de café puro, forte e sem açúcar e fui para o computador. Palavra mágica: Google. Como faz para descobrir de onde é um prefixo de telefone? Digitei 310. Pareceu um pouco estúpido a princípio.

“www.310.com” - uma loja virtual de artigos esportivos, site under construction.
“310.org” , um site de música, crítica de CDs e animações shockwave.
“310 - North American telephone area codes 310 and 424 are West Los Angeles and South Bay Area of Los Angeles County ”.
Ha! Santa Wikipedia! Lá fui eu.

Mega aula de “DDD”. Até mapinha tem no site, e todas as explicações de mudanças e substituições de código de área e seus motivos incompreensíveis. Há quem não saiba que Los Angeles não é exatamente uma cidade...é um aglomerado delas; e os lugares que a gente acha que são bairros, são na verdade cidades. É por isso que cada uma tem seu código de área. É como se precisasse de um DDD novo para cada bairro de São Paulo.
Mas o que interessava realmente estava ali na próxima página, na lista de regiões por código de área: “310: Santa Monica, Malibu, Torrance, Beverly Hills, Catalina Island;” em resumo, se você mora bem e é cool, você ganha, no juízo final, um telefone que começa com 310.

Então meu fantasma de olhos azuis era cool e tinha dinheiro bastante para morar bem. Ou era o jardineiro da casa de alguém com os requisitos básicos de uma pessoa 310, o que já o faria mais rico do que eu. Mais rico e mais pão-duro, já que fica pedindo para EU ligar. Então, eu...euzinha, aqui no hemisfério sul, vou discar um número internacional e falar em inglês com o jardineiro de algum ator gostosão. “Oi, ta sem crédito?...me dá o número do seu patrão.”

Ah...como eu queria que por dentro eu estivesse sendo tão espirituosa. A verdade é que aquele, como os outros sonhos, tirava a minha paz e todo o meu senso de realidade. Minha verdadeira vontade, às vezes, era bater na porta de uma clínica psiquiátrica e pedir arrego: “Me leva, moça...me amarra que eu preciso!”

A casa me sufocava com a sensação de estar deixando de fazer alguma coisa. Tudo estava feito, e não havia o que me fizesse discar aquele número. Peguei o carro e saí. Tinha uma feirinha de antiguidades e artesanato no parque ali perto de casa, então achei que não precisava ir muito longe para me distrair. O lugar estava cheio de gente bonita e crianças alegres. Havia música no coreto, barracas de comida, grandes áreas verdes para descansar e uma apresentação de dança na pequena ilha, no meio do lago. Divertido. Comprei um pastel - daqueles que a gente não conta para ninguém que gosta - e fui sentar na beira do lago. Assim que sentei, um homem de chapéu com um realejo veio chegando para o meu lado.

“Vamos ver sua sorte, senhorita?”
“Vamos”,
eu respondi sabendo que ultimamente a sorte havia me deixado. Seria engraçado ver a cara dele quando descobrisse que todos os bilhetinhos tirados para mim estariam em branco. Ele se assustaria achando que era algo sobrenatural, mas mal sabe ele que “sobrenatural” seria se houvesse alguma sorte reservada para mim.

Ele ignorou meu olhar descrente, e começou a rodar a pequena manivela que tocava uma canção que eu não identifiquei. Enquanto isso, um mico escravizado assustador abria a gaveta da caixinha e escolhia um papelzinho azul para mim. O mico esticou o mini-braço com a mini-mão que parecia a de um humano que caiu nas garras de uma tribo encolhedora de cabeças, e tentou me entregar o papel. Eu não teria coragem de pegar nada que viesse daquela pequena aberração. Olhei para o homem num pedido de socorro, mas descobri que ele não era aberração menor. Na verdade, homem e mico eram um par perfeito, talvez vindos do mesmo DNA. O mico era o “Mini Me” do realejo. O homem balançou a cabeça revirando os olhos, mas resolveu me salvar. Pegou o papelzinho azul da mão de seu mascote-xerocado e me entregou. Sem olhar para o papel, eu dei uma nota de cinco para ele, que agradeceu e foi embora. Enquanto ele andava, o mico, em suas costas, olhava para mim e parecia rir, o mini-monstro.
Assim que me senti numa distância segura, olhei o papel.

“O universo aponta os caminhos do destino. O homem inteligente os segue.”

Não! Eu sabia, droga! Eu sabia que qualquer que fosse o oráculo ridículo que eu me permitisse consultar, diria a mesma coisa. Nem um biscoitinho da sorte diria nada vago e relaxante naquele dia estúpido.
Levantei do chão de mal humor, amassei o papelzinho do monstro e fui ver outra coisa. Quem sabe gastar dinheiro em objetos desnecessários me distraísse da idéia de seguir os avisos do destino. Grande tapeadora de oráculos!

Saí olhando as barracas sem uma ordem coerente, até que uma me chamou mais atenção. Eram obras feitas de conchas - uma mais brega do que a outra -, quase todas marinas com a presença de sereias. Mas o mais interessante era a artista que as confeccionava: uma velhinha de cabeça muito branca e bochechas coradas, com delineador azul claro combinando com os olhos azuis, toda vestida de turquesa. Ela própria era a peça mais kitch da barraca. Ela sorriu faceira. Sua voz era jovial para a idade, e a alegria que vinha dela, mal cabia no parque. Perguntou se eu procurava por alguma coisa especial. Eu disse que estava apenas olhando, e ela sorriu um sorriso inesperado, mostrando dentes perfeitos e muito brancos, que definitivamente não condiziam com a idade dela. Eu franzi um pouco a testa, estranhando, e ela reparou. Colando pequenas conchas em mais um quadro de sereia ela disse:

“Às vezes, as escolhas têm um preço.”
“Do que a senhora está falando?”
“Da estranheza nos seus olhos.”

Eu fiquei sem jeito.
“Desculpa...é que é difícil definir a sua idade. Não que eu precise, mas é...não sei. Desculpa.”

“Está tudo bem. Eu sei. Todo mundo estranha, mas nem todo mundo percebe exatamente o que é. Parece que você é mais sensível.”
“Sou?”

“É...eu estou vendo nos seus olhos. Começa assim, e depois são os cabelos...depois a postura...mais tarde...”

E ela mostrou a si mesma, como se exibisse uma obra de arte.
O que ela queria dizer? Que eu seria mais tarde como ela? Por que?

“Não estou entendendo...”

“Eu precisei escolher, mas achei que tudo pudesse esperar... Que o que era meu o seria para sempre...que tudo era mágico demais para ser real... mas não era verdade.”

Minhas sobrancelhas se juntaram, como se pudessem me ajudar a fixar e entender o que aquela figura falava. Ela continuou.

“Chegou o dia em que o destino cansou de mim. O mar foi embora e quando eu me olhei no espelho, estava assim.”

“Por que?”


“Ah...acho que é como um feitiço...uma forma de me lembrar todos os dias que o tempo passa, e que quando a gente não vai buscar o que a alma nos pede, ela envelhece e entristece.”


Aquilo me encheu de uma tristeza quase palpável.

“Mas não há o que fazer? Não tem como você reverter isso agora?”

O futuro muda de acordo com as decisões que você toma. Se eu voltasse atrás hoje, e seguisse aquele mesmo caminho, não haveria nada do outro lado. Aquele futuro, ficou no passado. Só o que há dele são algumas lembranças e isso” - ela pegou nos cabelos - “o símbolo do tempo que eu perdi”.

“O que é a sereia?” Eu perguntei, curiosa.

“La Cantante. O impulso irresistivel a que eu tive a ousadia de desafiar.”

“Parece triste...” eu disse baixo, com medo de magoa-la. Eu podia imaginar a dor que vivia dentro dela agora. “Mas você parece ter uma alegria ...”

“É o conhecimento. Eu uso o que vivi para salvar outros do meu calvário. Sempre que alguém está salvo, deixa parte da alegria comigo. É uma troca. Eu não cumpri o plano A do destino, mas ele me deu uma boa missão como plano B, e é uma missão feliz.”

“Você está dizendo que eu preciso ser salva?”

Ela soltou uma gargalhada gostosa.

Não...só estou respondendo o que você me pergunta.”

Eu ri junto com ela, olhei mais uma vez as sereias e me despedi.
Ela me chamou de volta, perguntou se eu gostaria de levar alguma coisa.

“Ah...adoraria, mas não trouxe dinheiro.”

Ela virou a cabeça como se estivesse em dúvida.

“Mas eu posso te dar um presente, não posso?”

Mais do que rápido, tentei me livrar. Eu não teria nem para quem dar aquela coisa horrível.

“Não, não! Este é o seu trabalho...eu não posso aceitar.”

Ela sorriu com todos aqueles dentes.

“Eu nunca daria um deles a você. Eu os faço para mim. Quero lhe dar outra coisa.”

Ela enfiou a mão num baú que estava no chão, e tirou uma coisa branca, do tamanho da mão.

“Pegue...para você se lembrar.”

Era um caramujo branco, estranho, com brilhos de pedra e não de concha, que parecia ter sido incrustado com milhares de minúsculos brilhantes. Era lindo!

“Nossa...é incrível...nunca vi um assim.”

“Não é?” - Ela disse esticando o caramujo para mim. - “Escuta. Põe no ouvido.”

Eu obedeci.
Encostei o caramujo no ouvido e um zumbido estonteante penetrou meu cérebro como uma adaga afiada nos dois gumes, cortando por onde passava. Tudo girou. Eu senti um perfume forte de açúcar, baunilha e lavanda que entrou pelas narinas queimando até encontrar a ponta da faca no alto da minha cabeça.
O mundo escureceu.

Silêncio.

Uma dor no meu peito. Uma pressão forte. Um perfume...
Tive medo de abrir os olhos. Abri um só. As ripas acima da minha cama. “Como?”. Tive medo de abrir o outro, mas o fiz. Procurei o relógio na cabeceira: oito e meia. Olhei para a janela, era dia. Tive medo de levantar. Virei de lado e cobri a cabeça com o travesseiro. Meu rosto tocou uma coisa gelada. Tive medo de ver o que era. Meu rosto vibrou. Era o celular. Tive medo de ver quem era. Empurrei o travesseiro e afastei o rosto devagar. Olhei o visor...310-829.2435.

Pisquei várias vezes e olhei de novo: 310-829.2435.
Meu coração congelou. Fiquei olhando sem ação, apoiada nos cotovelos. Atender ou não, não era a única coisa que ocupava minha cabeça. Ainda havia o zumbido. Ainda não sabia se estava acordada. Não tinha mais a menor idéia do que era ou não realidade. A imagem da jovem-velha ocupou meu olhos: “o tempo que eu perdi” foi a frase que me veio.

Sussurrei ao telefone.
“Alô.”
Houve um silêncio prolongado.
“Alô?”
Nada. Eu não tive coragem de desligar. Podia perceber alguém respirando. Era uma constatação e tanto: o dono daquele número respirava! Tentei outra vez, em inglês.
“Hello.”
A respiração tornou-se mais intensa. Um sussurro quase inaudível e triste, soou como um lamento do outro lado da linha.

“Quem é você?”

“Quem é VOCÊ?” - eu sussurrei de volta.

Ele ficou em silêncio e foi como um vácuo gigante no tempo. Uma espera que podia esvaziar o pensamento de todos os cérebros do universo. Não aguentei e respondi antes dele.

“Mônica.”
“Monica...”

“É...Monica. Você?”


Hesitante e ainda sussurrando:

“Você...sonha...também?”

Wow! Como assim? Ele sonha? Aquilo parecia brincadeira, e eu não aguentava mais me sentir um fantoche nas mãos do destino, do tempo, da mulher das conchas ou do meu próprio delírio.

“Você sonha?” - eu devolvi, temendo a resposta que, na verdade ele já havia dado.
“As vezes...mas hoje... o número... Por que eu sonhei com o seu número, Monica?”

Ele parecia quase tão angustiado quanto eu.

“Eu não sei. Eu sonhei também...mas eu não sei o seu nome. Me diz?”
"Jack.”

“Você está em Los Angeles?”
"Sim. E você? Brasil, ne? ”

“São Paulo.”

“Eu te convidaria para almoçar, se fosse São Pedro.”

Uma risada saiu junto com o ar do meu nariz.

“Você está bem...Jack?”

Em nenhum momento, aumentamos o tom de voz. Sempre um sussurro, como se o outro fosse desaparecer ao menor movimento mais brusco.

“Acho que sim. E você?”
“Aliviada, acho.

Médio...depois do caramujo eu não sabia mais o que pensar. Eu estaria acordada agora, ou em poucos minutos abriria os olhos e veria as ripas no teto do quarto?

Jack?”

“O que?”
“Seus olhos...que cor?”

“Os seus são castanhos, eu sei.”
“são.”
“Azuis.”
nós falamos ao mesmo tempo.

Eu sabia...
Ficamos em silêncio novamente. Eu estava fazendo 865 perguntas mentais, mas não era capaz de pronunciar nenhuma delas. Tive a impressão do mesmo estar acontecendo com ele.

“Onde você tá agora?” Ele perguntou.
“Na cama.”
“Que horas são?”
“Quinze pras nove, acho. E você?”
“Na praia. Vim correr pra me ac....”

“Se acalmar do sonho?”
“É...eu sempre fico muito...”

“Tá tudo bem agora. Fica bem.”

“Monica..."
"O que?"
"Me promete?”

“Qualquer coisa...”
“Sempre que eu ligar...atende. Sempre?”

“Prometo.”
“Jura? Não desaparece?”

“Juro. Você também.”

“Nunca mais...mesmo.”


O silêncio voltou e com ele um aperto no coração. Que diabo!

“Monica, tenho que desligar, mas...posso ligar outra vez hoje?”
“Quantas vezes você quiser, Jack. Eu vou estar aqui. Posso também?”

“Ah...por favor...E nem pense em me largar de novo.”


De novo?
Foi ruim desligar. Pela primeira vez o termo “linha telefônica” fazia sentido para mim. Enquanto falávamos, havia uma linha que nos ligava um ao outro. Não que ela não existisse antes, mas esta parecia mais palpável. Desligar foi cortar esta linha, e eu posso imaginar um Jack de olhos azuis vagando no espaço, perdido, longe de mim. Desligar o telefone era desligar a gravidade. Para ter os pés no chão novamente, precisariamos estar conectados de uma forma real.
Com certeza eu ligaria para ele hoje...e amanhã, e todos os dias, até que todo o dinheiro que guardei na vida tivesse se esvaído em ligações internacionais.



imagem: Whirlpool Galaxy - M51a, localizada a 23 milhões de anos luz, na constelação de Canes Venatici

quinta-feira, março 19, 2009

Calma meu povo!

Eu sei que devo o Telefone II...eu sei que devo o resto do "Três", eu sei tudo o que devo nesse mundo de meu deus! Mas tá punk! Alotofwork!
Esse final de semana tem. Prometo.

Beijo amigo no seu umbigo apressadinho.

Mg

domingo, março 15, 2009

Jack & Mônica - telefone I



310-829.2435

tá, eu já decorei, para de repetir isso! Você sabe que eu odeio repetição.

310-829.2435

EU SEI! 310-829.2435! Mas o que eu faço com isso?

Liga.

Ai! Ele disse isso com um meio sorriso tão irônico que parecia estar me chamando de burra. Claro! Liga! Que anta! Claro que aquilo era um telefone!
Eu sentei na cama outra vez, outra vez desolada, sem saber se prefiro me dopar pra dormir sem sonhar, ou se a verdade é que vou dormir esperando que ele apareça outra vez e me surpreenda como sempre.
É muito bom acordar, nos dias em que ele me coloca sob pressão desse jeito, me fazendo decorar um nome ou um número, ou um lugar - ele me irrita repetindo as coisas...odeio! Mas acordar é tudo o que eu não quero, quando os olhos dele estão lá me olhando - todo o azul onde eu quero me afogar -, quando eu sinto o perfume que vem da pele dele, quando o sol reflete o brilho quase azul dos cabelos negros ou a chuva escorre desenhando caminhos por entre os pelos. Acordar é dádiva e castigo. E a pior parte é saber que acontecem mais coisas enquanto eu durmo do que aconteceram durante meus últimos anos acordada. É torturante, mas ainda é o melhor que eu tenho.

O sol mal tinha aparecido quando eu joguei a coberta para fora da cama e me sentei. A luz la fora era fraca ainda e o silêncio mortal.
O que faz agora?” Eu vi meu celular olhando pra mim com cara de pergunta, mas não cabia na minha cabeça fazer uma coisa estúpida como essa. Eu ligo e digo o que? “Oi, é a Monica, tudo bem? Você me pediu pra ligar.” Claro...e ele diria o que? No mínimo desligaria na minha cara para depois contar a alguém que foi acordado de madrugada por uma louca. Lógico.

Eram 6:15 e eu não queria me mexer.
Há quanto tempo as ripas de madeira do forro do quarto são a única coisa que eu vejo quando acordo? Uma mais larga, uma mais fina, outra mais larga, todas se encaixando perfeitamente sem deixar frestas. Todas ali preparadas para me dar bom dia enquanto eu acordar sozinha. “Bom dia. Eu não estou procurando alguém para acordar ao meu lado.” Elas devem me achar louca (devem estar rindo agora). Ou serão cúmplices do meu amor noturno? Será que ele veio a mando delas? Será que estão com tanto tédio por não ver nada mudar neste quarto, que resolveram contratar um figurante pra animar minhas noites? “Obrigada.”

É...era o que eu devia fazer. Agradecer. Bom dia.


...


sábado, março 07, 2009

damn vampires


Eu disse para uma amiga ler Twilight se ela quisesse uma coisinha digestiva e deliciosa ...livro de menina, super light. Sim sim...eu recomendei rindo baixinho, sabendo que ela ficaria viciada. E ficou, assim como as outras 40 milhões de pessoas que pagaram por um exemplar de Crepúsculo em 20 línguas diferentes. Sem conseguir resistir, essas pessoas acabaram comprando mais 40 milhões de cada volume da série: Lua Nova, Eclipse e Amanhecer.

Bom, depois de ler a história da Stephenie Meyer, eu pirei. Se não bastasse ter vendido tudo isso de livro e ter ficado indecentemente rica às custas do sangue alheio (piadinha sem graça), ela conta que sonhou com um vampiro que se apaixonava por uma menina e não podia ficar com ela porque a vontade de matá-la era mais forte do que qualquer outra coisa. Quando acordou, Stephenie escreveu o sonho para não esquecer. Wow! O sonho virou o primeiro livro - Crepúsculo - e sem ter escrito nada antes na vida, fechou um contrato de 750 mil dolares para escrever mais três livros. Essas e outras coisas me deixaram morrendo de inveja e querendo perguntar pra ela onde eu assino pra fazer o mesmo pacto com seja lá que demônio ela fez!

Tudo isso é quase sobrenatural, mas não mais do que o fascínio das mulheres pelo vampiro que ela criou. No começo, ele - Edward Cullen - roubou o coração de uma multidão de adolescentes. Em seguida ele invadiu os aposentos das mães dessas meninas e depois disso perdeu o controle. Minha tia de 70 anos está irremediavelmente apaixonada por ele. Minhas amigas de 40 a 55 também. Eu mesma te digo que se esse moço existisse e quisesse o meu sangue, eu o serviria em taças de cristal...e se ele quisesse me matar, no problem, desde que fizesse isso bem devagar (aff!). O fato é que Edward Cullen saiu pelo mundo roubando o coração de cada pessoa que ousou abrir as páginas de "Crepúsculo", fosse homem, mulher, adolescente ou não.
Como faz pra entender? Aí eu que tenho tempo, fiquei especulando a possibilidade de uma criatura supostamente perigosa e mortal exercer tamanha atração. Bom, não é de hoje que histórias de vampiros atraem as mulheres, e nas minhas elocubrações eu cheguei a uma conclusão terrível. Acompanha o meu raciocínio:

. Vampiros são irresistíveis. Feitos para matar, tudo neles atrai a presa para perto de si. Diz Edward Cullen: "Eu sou o predador mais perigoso que jamais existiu. Tudo em mim é convidativo: minha voz, meu rosto, até o meu cheiro, como se fosse preciso...como se você pudesse fugir de mim ou lutar comigo, eu fui criado para matar." Então, por mais que você queria dizer não a ele, ele vai vencer você. Ele é perigoso e forte enquanto você é frágil. Existe desculpa melhor para dizer sim? Quem pode condenar uma mulher indefesa? Você nunca será julgada.

. Ele “ataca” durante a noite pois não suporta a luz do dia. Chega quando você dorme, desprevinida e desarmada, logo – de novo – você não fez nada de errado.

. Quando alguém deseja você, deseja o seu toque, o seu gosto, o seu corpo. Isto é o que estamos acostumadas. E parece suficiente. Mas...quando um vampiro deseja você, é muito maior e mais profundo. Ele quer o seu cheiro, o seu gosto, a sua carne…e não basta que ele lhe domine e possua completamente, ele ainda quer você invadindo o corpo e a corrente sanguínea dele. Ele quer o seu sangue correndo dento dele. Ou seja, ele quer você inteira… Em troca, ele lhe dá o que ninguém mais poderia: imortalidade e juventude eterna.
Ah…vai! Me diz que isso não é lindo! Quem pode amar e desejar tanto assim? Quem pode dar um presente tão generoso?

Minha conclusão é simples: o perigo real são as mulheres.

Mulheres são assustadoras. A verdade sobre a existência do vampiro está diretamente relacionada à sede de poder feminino: nós não queremos ser simplismente amadas. Queremos um amor tão imenso que seja imortal. Queremos um homem aos nossos pés, implorando para ser alimentado, para que sua sede seja saciada com o único nectar que pode mantê-lo vivo - a nossa existência. E queremos tudo isso sendo inocentadas de nossos crimes.
O vampiro, então, passa de agressor a vítima. Ele não tem dentes afiados nem tanto poder...ele não passa de um homem. O homem que escolhemos.
E aquela pobre mulher frágil, indefesa que não deveria ser julgada? Bom, ela ainda não nasceu.

segunda-feira, março 02, 2009

intelectualidade x liberdade

Deixa eu contar que toda vez que eu encho o saco da minha filha dizendo que ela precisa assistir filmes de adulto, parar de ouvir musiquinha pop, jogar fora os DVDs de "High School" filmes, no minuto seguinte me bate um tremendo remorso...
Ah...amnésia materna! Esqueci que até os 17 anos eu era uma boboca pop sonhadora que gostava de filminho adolescente, não tinha estilo definido e não sabia quem eu era. Hey! Mas eu ERA adolescente! Foi aos 17 que arrumei um namorado intelectual-estudante-de-arquitetura-dos-anos-70-comunista, e a minha fama de intelectual começou. Sim, claro! Ele me ensinou coisas que pai e mãe não devem ensinar (uia!) e o convívio com ele modificou muita coisa em mim. Pena que hoje, após se tornar um pai de família e ter lá seus 50 anos, ele não passe de uma pessoa mediana, chata, moralista e...lógico...com amnésia!
Ter namorado esse moço me rendeu o estígma de "intelectual da família". Depois eu entrei fundo no mundo da publicidade e tudo se perdeu de uma vez: namorei outros QI's superiores, fui obrigada (entre aspas) a conhecer outro mundo, assistir Buñuel, Fassbinder, Win Wenders, Fellini, Saura, Bergman, mergulhar no mundo da arte, mudar o gosto musical, ouvir mais Jazz, mais Blues, mais bandas e poetas revoltosos, donos das mudanças do mundo.
Nada disso doeu porque nada disso foi forçado. Assim como o meio termo libriano também não é forçado.
Eu explico: não existe nada mais complicado para mim do que a NÃO MUDANÇA. Assumir um lugar do lado de lá do muro seria a pior das dores pra mim. Como assim eu vou ficar do lado de cá sem saber o que tem do lado de lá? Eu preciso das duas coisas. Sempre foi assim. Passei grande parte da vida entre dois lados - não em cima do muro -. Eu era normal demais para andar com os malucos, maluca demais para andar com os nerds. Numa briga tem sempre dois lados, na beleza também, nos tipos de inteligência que as pessoas têm, em tudo...tudo tem dois lados e você está certo por um lado, mas ele está certo pelo outro e so it goes...Assim sou eu: eternamente vendo o que tem de bom em cada coisa, o que faz com que nada seja de todo ruim.

Well, mas voltemos à intelectualidade. Ela é linda! Ver o mundo pelos olhos de quem pensa diferente é maravilhoso, se fosse realmente assim. Porque a verdade é que, assim como a ignorância, a intelectualidade aprisiona. Cria opiniões formadas e preconceitos: você vê novela? É medíocre. Você gosta de RAP? Ui...que irritante. Você gosta de comédia romântica, não gosta de Caetano Veloso, acha que o Chico canta mal, detesta filme de arte? Ui...que ignorante!
Ignorante my ass! Que LIVRE você é! Que liberdade maravilhosa poder achar o Caetano Veloso um chato e dizer isso mesmo vendo o nariz torcido de quem esquece de se questionar há milênios. E amar Bergman. Que delícia perder uma tarde vendo filme da Meg Ryan anos 80, escapista, bonitinho! Que delicioso devorar os quatro livros da série Twilight e se apaixonar pelo Edward Cullen com toda a sua alma! (e a minha também)
Ah, que mediana eu sou! Deus salve a mediocridade se ela me der tanto prazer! Deus salve a minha cultura quando eu andar por Barcelona e chorar dentro da Sagrada Familia. Deus continue me dando discernimento para saber o que é ruim e o que é profundamente agradável aos olhos e ao coração, mesmo que seja uma obra consagrada. Que eu continue sabendo que os críticos da Folha de São Paulo são uns recalcados sem noção que acham MESMO que "Se eu Fosse Você 2" é melhor do que "Quem Quer ser um Milionário" ou "Benjamin Button". Ah! Deus conserve a minha ignorância!
E tudo isso foi só pra dizer pra minha filha ficar tranquila, porque vai chegar o dia que ela vai descobrir o outro mundo - o mundo mais complicado. E vai chegar o dia dela crescer e ter opiniões inflamadas, e namorados revoltados, e grupos de discussão sobre o destino da humanidade, etc etc etc...mas tem tempo, Natasha. Aproveita enquanto tudo é perdoável. A adolescência já é cruel demais sem a prisão da intelectualidade. Ou a sua liberdade.

E no fim das contas, veja por mim, o Raul Seixas é quem tinha razão: bom mesmo é ser essa metamorfose ambulante.
Me larga! Eu sou livre.

Um beijo amigo no seu umbigo intelectualóide.


segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Alô?

"Eu gostaria de falar com o Sr. Mercedes."
"Pode falar...é ela."
"Ah...nossa...é que aqui dizia Mercedes, então eu achei que fosse SENHOR."
"Como assim?"
"É...pensei que fosse um senhor, Mercedes."
"Mas Mercedes é nome de mulher."
"É? Não sabia...achei tão diferente..."
"E me ligou para...?"
"É que a revista Isto É está com uma campanha de incentivo à leitura...a assinatura vai sair por só 6 vezes de 35 reais."
"Puxa que bom...mas aqui em casa ninguém lê."
"Não?"
"Não...obrigada."


"Alô...?"
"A Senhora Menezes se encontra?"
"Não tem ninguém com esse nome."
"Não?? E o Tiago?"
"Também não tem Tiago."
"Ai...é da telefônica, eu sou o técnico, precisava terminar um reparo..."
"Não seria Mercedes? Diogo?"
"Ah...isso!"


"Por favor o Senhor Diogo?"
"Ele não se encontra...são 3 horas da tarde...ele trabalha."
"A que horas eu posso encontrá-lo?"
"A que horas você chega na SUA casa?"
"Não importa, Senhora...a que horas ele se encontra?"
"Depois das 9."
"Só trabalhamos até as 18, senhora."
"O que você quer que eu faça?"
"Tem um telefone onde eu possa encontrá-lo?
"Alguém liga pra você no trabalho?"
tuuu. tuuuu. tuuuu. tuuuu...


"Alô? Senhor Luiz?"
"Não."
"O Senhor Luiz se encontra?"
"Ah!...não."
"A que horas ele chega?"
"Não sei...ele não mora aqui."
"Mas ele chega em algum momento?"
"Ele não mora aqui."
"Sim, mas ele vai aí as vezes?"
"Só se vem escondido, porque eu não conheço nenhum Luiz."
Tuuuu. Tuuuu. Tuuuuu.

"Senhora Mercedes, então, daqui a uns cinco minutinhos, uma mocinha muito simpática vai ligar para a senhora...a senhora explica que falou comigo - o Jean - e que quer cancelar as assinaturas...ela é uma mocinha muito simpática...a senhora explica para ela. Assim ela cancela as assinaturas e bloqueia os seus cartões para nunca mais acontecer de a senhora receber revistas indesejadas, está bem? Então...daqui a uns cinco minutinhos, uma mocinha muito simpática vai ligar...a senhora atende, entendeu? Daqui a uns cinco minutinhos, uma mocinha muito simpática..."
"ENTENDI, JEAN! CHEGA!"

No dia seguinte...

"Alô?"
"Senhora Mercedes? O Jean da editora me pediu para ligar para a senhora para confirmar as assinaturas das revistas Isto É Gente, Menu, Planeta, blablablablabla"
Tuuuu. Tuuuu. Tuuuu.

Me diz pra que é que eu ainda atendo telefone!

terça-feira, fevereiro 10, 2009

** momento I - setembro/1989

(parte integrante de auto-exílio)


Como é que faz
para omitir uma explosão
de todo seu ouvinte,
todo transeunte?

Como é que faz
para esconder um céu brilhante
de todo pássaro,
seu habitante?

Como é que faz
para reduzir
"Este Amor"?
Apagar
"Este Amor"?
Esquecer
"Este Amor"?

Como é que faz
para não tê-lo vivido?
não tê-lo bebido aos tragos?
não tê-lo todo nas veias,
nos tecidos?

Como é que faz,
me diz?
Para falsear este tudo,
este tanto,
e guardá-lo todo
- este todo inteiro -
em algum canto?




auto-exílio é uma série de textos e poemas escritos à máquina, encontrados perdidos numa pasta velha no sótão da minha casa. são fragmentos de da vida que eu levei de 1981 a 1989. de tempos em tempos, ou sempre que eu não tiver o que dizer, vou publicar um deles.

**momento I é o primeiro de três poemas escritos para a mesma pessoa, que fez parte da minha infância e reapareceu vinte e dois anos mais tarde, depois foi embora...do mundo.
não pergunte! eu tenho amnésia.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Desabafo


Descobri que não há tempo para imaturidade emocional. Não há tempo para cair, deixar o mundo me arrastar, me debulhar em lágrimas e esperar o tempo passar. Ele passa, e quando tudo acaba, os problemas continuam no mesmo lugar.
Descobri que perder alguém e mais difícil do que imaginei. Eu não tenho muita experiência com tristezas em geral. Sou muito ruim em "ser triste". Se precisasse viver disso seria um grande fracasso.
Mas ai! Dói tanto! Mesmo preparada, mesmo sabendo que era impossível evitar, mesmo estando pronta...Hello? Não tem ficar pronta para um coisa dessas. Como disse a minha mãe: "passei cinco anos sabendo que isso ia acontecer, e na hora que aconteceu, foi tão de repente..."
É assim...de repente. Você sabia o que tinha de fazer, teve tempo de preparar tudo, mas "Não agora! Espera porque eu não disse tudo. Espera que eu tenho mais um carinho, mais uma palavra, mais um segundo..."
De uma hora para outra, aquela pessoa forte, poderosa, sabe aquela? Ficou minúscula, pequenininha, com vontade de pedir colo. Mas não dá tempo, sabia? Só dá pra ser criança quando ninguém precisa da gente, e este é um dia que eu nunca vou ter. Sempre alguém estará precisando de mim e eu tenho de estar inteira. "Hey! Devolve meus cacos, porque alguém está mais quebrado do que eu!"
Quando eu tinha uns vinte e poucos anos e achava que sabia tudo, fui a uma astróloga. Esqueci quase tudo o que ela disse, é claro, com excessão de duas coisas que me marcaram bastante:
1. Os sagitarianos são o seu chão. Toda vez que a vida estiver fora do rumo, um sagitariano virá mostrar que voce está viva e levá-la de volta ao caminho certo, mesmo que pelo atalho mais penoso. Ela disse uma outra coisa sobre eles também, mas não cabe nesse texto.
2. Voce parece forte. Voce é forte. Voce não precisa de ninguém e todo mundo sabe disso. Por isso, voce vai passar os piores momentos da vida sozinha.

Verdade 1 e verdade 2. Dessa vez eu não fiquei sozinha. Não sozinha nesse sentido comum...só o meu sofrimento que foi meio solitário. Eu não podia chorar um monte e mostrar que ainda sou a narigueta do pai, porque havia pessoas muito mais frágeis precisando de colo. Ao mesmo tempo, minha filha se recuperava de uma cirurgia grande e meu marido teve um treco e eu achei, por eternos 40 segundos, que ele fosse morrer também. Não seria justo...juro que não seria justo!

Então como? Me diz, como? Tive que engolir o choro e seguir em frente. É bom...é...mas é ruim, porque neste momento eu me sinto quebrada. Faltam pedaços e eu estou vendo a fresta deixada por eles. Está difícil escrever, está difícil me organizar, está difícil trabalhar...ao mesmo tempo eu não paro, não sento, não leio, não vejo TV, não relaxo. Passo o dia fazendo coisas que não preciso fazer, sem parar um minuto, até cansar e dormir - o que só acontece depois das três da manhã.
Eu queria sentar e chorar por horas para poder acabar com isso e voltar, inteira, para vida que estou fingindo não ver.

Thanks for listening.

Mg

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Amaury Gameiro, meu pai.
9 Junho 1926 - 18 Janeiro 2009



Será que no céu tem vinho? Será que todos os jornais do mundo chegam até lá? Será que há livros suficientes para ocupar uma mente curiosa? Será que algum cozinheiro faz bacalhau, empadão, bife de madrugada, rabada, jacaré, tartaruga, javali, codorna, algum animal estranho, ou qualquer coisa nova, um petisco, um pepino azedo, um queijo bom? Será que tem rabanete? Tem alface, tomate, pimentão, molho de salada pra virar o prato escondido? Será que no céu tem música, documentário, conversa boa, gente alegre, terno e gravata? Será que tem ostra e marisco? Tem figo ramy? Será?
Será que alguém no céu pede água no meio da noite? Pede explicação? Será que alguém por lá só pede para ouvir sua voz? Será que pede para ouvir histórias de infância, de pessegada em lata de filme, dúzias de ovos roubados, flores comidas no jardim? Será que alguém no céu pede para dar a mão e aprender o caminho? Será que seguem seus passos e olham seu rosto com orgulho? Será que existe um céu?

Se não existia, eu tenho certeza que ele está fundando um. Se já existia, seja onde for, o céu agora ficou mais inteligente.