terça-feira, agosto 10, 2010

_coisas da vida #8

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É só uma coisa da vida, mas vamos combinar que estamos falando da MINHA vida, e aí não é bem assim. Eu já disse -- ninguém acredita -- mas as coisas que acontecem na minha vida não são normais. Eu fui sorteada. Deus deu três piruetas e parou apontando o dedo randomicamente para lugar nenhum, só que "lugar nenhum" era eu. O que eu estava fazendo bem na frente dele, não se sabe....o que eu sei é que aí já deu para ver que eu nasci assim, toda do avesso.

Então era 1980 e alguma coisa no final que eu não me lembro. Eu morava sozinha com meu filhote num apartamento perto do Parque Barigui, em Curitiba, e estava em fase de castigo (já falei sobre isso antes), indo de casa para o trabalho, do trabalho para casa, e nos finais de semana sem filho me reunia com meus cinco amigos preferidos no que chamávamos de "Festa de Babbette", pela pobreza absoluta dos cinco na época. Nossos banquetes não passavam de uma lazagna ou algo do gênero, que fazíamos nos amontoando na cozinha e dando risada até passar mal. Mas, vamos ao que interessa.

Naquela época eu era conhecida (não ria!) como "Rainha do Radio Táxi", porque trabalhava em agência de propaganda há 300 anos e não tinha carro, então ganhava um bloquinho de vale-taxi no juizo final...oops...no final do mês, para ir trabalhar. Sendo assim, as atendentes da central reconheciam minha voz, os motoristas todos sabiam tudo de mim (e contavam para todo mundo), e tinha gente que usava o meu nome em dia de chuva para garantir que o táxi chegasse.
Well, 8:15 da manhã, hora de discar o velho e bom número: 3262-6262. Mas eu fiz alguma coisa errada e quem atendeu foi uma secretária eletrônica. Tentador: eu e o meu bom humor insuportável, resolvemos anotar o número discado e deixar um recadinho.

- "Nossa...desculpa, eu liguei errado...o que é uma pena porque a sua voz é incrível. Então bom dia pra você...beijo."
Ha! se um dia eu prestei, foi bem pouco.

Até aí tudo lindo. Liguei para o taxi, desci e fui trabalhar como se nada tivesse acontecido, até porque nada havia acontecido. Mas voltei para casa à noite. Jantar, brincar com o filho, banho na criancinha, coloca na cama, lê uma história...validade de mamãe vencendo...beijo tchau, apaga a luz, sonha com os anjos te amo.
Tédio...casa vazia...silêncio mortal porque eu sempre esqueço de ligar a TV. Fui arrumar umas coisas e "Olha o que eu achei!...o número que eu anotei!"
Quem resistiria, não é? Liguei. A secretária atendeu de novo.

-"Oi, você ligou para xxx-xxxx, eu não estou aqui agora, então deixe o seu recado...você sabe como."
E eu respondi.
- "Oi, sou eu de novo. Liguei errado hoje de manhã quando estava ligando pro táxi...aí achei que devia ligar pra ouvir a sua voz de novo. Que bom que você ainda está aí. Então...meu dia não foi lá essas coisas...trabalho normal, cliente chato e tal...mas eu acabo me divertindo no meio do dia. Pena que você não pode me contar o seu né? Então...beijo. Dorme bem."
E essa se tornou a minha brincadeira preferida durante alguns meses. Quase todos os dias eu ligava para o moço da secretária eletrônica e contava o meu dia. Assim, feito maluca mesmo: contava história, dava risada, contava o filme que eu vi...para uma secretária eletrônica.
Um dia ele atendeu o telefone e eu surtei. Desliguei na cara dele. Meu coração quase saiu pela boca, eu tremia. hahaha! Esperei passar a tremedeira e liguei de novo. Ele atendeu.

- "Fala comigo".

- "Desliga...eu só falo com a secretária."

- "Por favor..."

Desliguei e liguei de novo, a secretária atendeu e eu contei meu dia outra vez. Essa era a rotina. Todos os dias, sagradamente, eu falava horas com aquela máquina. Deixava cinco, seis recados, contando coisas variadas, sem dizer meu nome, sem dar detalhes de mim.
Mas chegou o dia em que eu estava matando a pessoa e ele me deu uma dura. Quando eu liguei, a secretária atendeu com um novo recado:

- "Se você não falar comigo hoje, não vai falar com mais ninguém porque eu vou desligar a secretária. Eu não aguento mais: você está acabando comigo."
Ui! eu contei até dez e liguei de novo. Ele atendeu. Conversamos horas naquela noite. Mais horas na noite seguinte e assim todos os dias por muito tempo. Minha única exigência: não diria meu nome, e nao queria saber o dele.

No que pode dar uma história dessas? Todo mundo sabe, não é novidade: paixão. Óbvio!

Um dia, contando uma história, ele falou o nome sem querer. Em troca eu tive que dizer o meu. Depois soube que ele era instrutor de paraquedismo. Eu sou fraca...não aguentei e fui até o aeroclube ver que cara ele tinha. Escondi a cabeleira loira (era o único detalhe meu que ele conhecia) dentro de um boné, cheguei, perguntei por ele, estava no hangar, fui até lá...vi alguém com a bunda mais incrível jamais vista em terras brasileiras, logo abaixo de um costado cheio de músculos que terminava num par de ombros que ocuparia de ponta a ponta uma quadra de tênis...e o dono disso tudo, virado de costas para mim. Sentindo a minha presença, ele me olhou, eu olhei para ele, sorri, e continuei andando como se estivesse indo para outro hangar.

Ele era um menino...não tinha 18 anos...eu não poderia...

Mais tarde eu soube que, na época que eu falava com a secretária eletrônica, havia uma platéia fiel que se reunia na casa dele todas as noites depois do jantar para me ouvir. Depois soube que eu falava com duas pessoas: ele e o roommate -- eles tinham vozes parecidas -- quando a conversa ficava mais saidinha era o roommate falando comigo à traição, quando era mais melancólica e apaixonada, era o dono da voz. Depois, bem mais tarde, eu soube que a vida dele era pior do que as páginas de um romance policial. Complicadíssima! Ele era um amor, tadinho, vítima de uma história feia da qual ele não tinha culpa. Virou meu amigo,  assim como a namorada que foi minha grande amiga durante muitos anos, mesmo depois que ele foi embora.

E assim acabou a história da secretária eletrônica. Um romance telefônico de alguns meses, amigos que ficaram para sempre, e um punhado de tempo com o coração disparado: coisas que sempre me fizeram achar que viver é bom demais.

Sou louca? É...parece que já faz tempo.

6 comentários:

Edson Perin disse...

Me, que loucura! Lembrei direitinho desta história. Vc nunca mais falou com este povo? Tinha esquecido disso. E só pra avisar quem tá lendo este recado, eu sou um dos 5 da "Festa de Babette", e acompanho fascinado as loucuras desta mulher linda desde os idos de 1986...portanto esta história deve ser de 87/88. Me..quando não lembrar de alguma data desta época me liga que eu te digo-hahah....beijo enorme

Abelardo disse...

Mas afinal, pegou ou nao pegou o moco?

Anônimo disse...

Peraí... deixa eu parar de rir...

Acontecem coisas realmente de outro mundo com vc mesmo hein??
Por isso que adoro vir aqui...
Ótimo como sempre!!!
Suspeitíssima de falar!!!
Fã #1!!!!

Beijão, Edilene

Mercedes disse...

Abelardo, peguei o moço não.
Edilene, sério amiga...minha vida é essa comédia mesmo...sempre foi.

Edson, ainda bem que os Babeteanos existem pra me lembrar as datas, porque a minha memória cronológica é um fiasco.
Eu nunca mais vi o Pedro nem o Cícero, mas a Lia eu vi há uns 6 ou 7 anos. Casada com um pediatra, com dois filhos, a mesma carinha de maluca, formada em economia, feliz da vida. Adoro aquela garota. Pena que a vida afasta as pessoas.

Beijos
(Abelardo...)

mariana heller disse...

meu deus, se nao deixo recado na secretaria conhecida, imagina numa estranha... se bem q secretarias desconhecidas devem ser talvez mais faceis, acho q vou começar ligar aleatoriamente e ver o q acontece, vai q eu tenho a tua sorte (duvido)

Anônimo disse...

Hahahahaha! Você é incrível.

;)

Pedro Rocha