segunda-feira, janeiro 14, 2008

Coisas da vida #5


Sobre Porcos e Generais


Então eram dias tranquilos.
As coisas corriam normais: do trabalho pra casa, de casa pro trabalho, eventualmente um jantar com amigos.
Mas ela nunca mudou aquele jeito de falar mais do que a boca, palpitar em tudo o que ouvia, impor sua presença mesmo sem querer pelos corredores da empresa. O simples fato de subir as escadas já dizia a todos quem ela era e a que veio. Mas como toda garota boba, achava que era só mais uma.
Mal sabia que deixava um rastro de perfume que inebriava os probres passantes. Mal sabia que deixava um gosto de inveja na boca das mulheres que tentavam imitá-la sem sucesso, querendo só um pouco de tudo o que ela era.
Aquele dia não foi diferente. Com sua blusa curta e sua calça larga, ela subiu as escadas balançando os quadris daquele jeito que só ela, entrou na sala, sentou-se à mesa, tomou seu café, pegou o telefone e começou o dia. O sol invadia a sala com força naquele verão, e quem passava pela porta não sabia ao certo de quem era a luz.
Foi num dia assim, de sol, que ele sentou à sua frente com seu sorriso e perguntou se ela estava bem. Oras, quem a conhece sabe que esta pergunta pode mudar o mundo. Ela era incapaz de responder com poucas palavras porque sempre foi incapaz de dar pouca atenção a quem quer que fosse.
Largou a caneta, pegou um cigarro e o isqueiro, e foi interrompida pela mão dele fazendo o tipo de gentileza a que ela não estava acostumada. Seu olhar, atencioso por natureza, ganhou um brilho de curiosidade. “O que ele quer?”
Ele era brilhante, engraçado, sarcástico, falante, atraente.

Parênteses: Vamos definir atraente. Atraente não é necessariamente bonito. Atraente é charmoso, instigante, cheiroso, de olhar bom. Olhar bom a gente define outro dia, mas já vou avisando que é tudo!

Não…ele não era bonito. Era alto, magro, cabelo despenteado, figurino casual… não! mais do que casual -- não era nada usual para a época. Ele era moderno demais para viver naqueles dias. Era muito mais velho do que ela, e feio. Sim. Feio: um de seus traços mais impressionantes. Mas em meio aos assuntos interessantíssimos, às gargalhadas constantes, aos olhares incríveis, a feiura desaparecia. Ela ainda o define como o homem mais interessante que conheceu.
Pos...naquele dia, ele roubou grande parte do seu tempo, mas mesmo que ela tivesse notado, não seria possível se livrar dele. Sua companhia era a mais agradável e o tempo ao seu lado passou sem existir.
Ok…de volta à rotina: do trabalho para casa e, hoje, sem jantar com os amigos.

Ela já estava deitada, lendo debaixo das cobertas, quando o telefone tocou.

- Alo?
- Oi, sou eu, Marcos.
- Oi…como você me achou?
- Ha! Tenho informantes…
- Então?
- Então vou te buscar em meia hora, ok?
- Uh? Buscar como?
- Buscar: dirigir meu carro até a sua casa, você entra no carro, eu te levo pra jantar. Assim. Ok? Fica pronta?
- Hey! Não!…espera. Eu não vou sair com você.
- Por que?
- Não. Você tá com a Laura, ela é minha amiga e eu não vou fazer isso com ela nem de brincadeira.
- Quem disse que eu to com a Laura?
- Ela!
- Ela tá completamente louca!
- Bom…isso é entre você e ela.
- Mas eu não tenho nada com ela, juro! A gente conversa bastante e …ai! Será que ela se apaixonou?
- Sei lá Marcos…Mas eu sei que vocês têm saído e que estão meio juntos. Eu não posso fazer isso. Vai dormir, vai? Era o que eu ia fazer.
- Hm…vou não. Eu quero ir jantar com você. Fica aí que eu já te ligo. Beijo

Ela abriu novamente o livro, rindo da situação, mas antes de terminar de ler uma página o telefone voltou a tocar.

- Alo?
- Oi. Eu de novo.
- Oi.
- Pronto. Tudo resolvido.
- O que?
- Com a Laura.
- Do que você ta falando?
- Eu liguei pra ela, deixei bem claro que a gente não tem nada e nem vai ter.
- Você não fez isso por telefone!
- Ué…fiz. Agora você não precisa mais se sentir mal por jantar comigo. Vambora?
- Meu deus, você é louco! Eu não vou. O fato de você ter ligado deve ter deixado a Laura super triste. Ela jamais me perdoaria se eu saísse com você.
- Escuta…eu nunca tive nada com ela. E eu tenho o direito de sair com quem eu quiser. Ela é carente, só isso. Como eu dou atenção pra ela, ela já acha que a gente vai casar em 3 meses.
- Bom…ela me falou que vocês estão planejando comprar uma casa na Lagoa em Floripa.
- O que? Ela pirou MESMO!

Bom, eu não vou contar a história inteira, mas o fato é que ele e sua lábia incrível, fizeram-na rir muito, falar muito tempo ao telefone, e acabaram conseguindo levá-la para jantar, com a condição de ser um jantar de amigos e não um encontro.
O restaurante estava cheio e ela estava linda. Espera de 30 minutos, de pé, sem ter onde colocar as mãos, mas ainda assim ela sentia uma certa superioridade, pelo fato dele ter insistido e praticamente mendigado que ela saísse com ele. Ela estava segura, embora pouco desconcertada pelos olhares dele, e pensava sem parar a mesma coisa: “Se ele acha que vai me ganhar está enganado. Eu vim, mas ele não vai ter nada de mim.”
An hã! Tá bom.
No meio daquela multidão espremida no bar do restaurante mais concorrido da cidade, ele começou a contar uma história.
- Sabia que em Bora Bora, quando um casal resolve ficar junto, existe todo um ritual super bonito para os dois dizerem um ao outro que querem compartilhar a vida, seja casando, seja namorando?
- Ah é? Acho que existe uma certa dança do acasalamento em todo lugar.
- Não…nada assim grotesco. É lindo. Eles dão bouquês de bouganville um pro outro, porque bouganville é o símbolo da fertilidade; e tomam água juntos num pote de cerâmica em forma de porco, porque o porco é o símbolo da fartura. Assim, os dois prometem compartilhar da fertilidade e da fartura que o amor proporciona, e isso garante que eles fiquem juntos pra sempre.
- Nossa! Mas por que você lembrou disso agora?
Ali -- apertado entre todos os integrantes do concurso por uma mesa de canto, fumante, longe do vento frio da porta -- ele tirou do bolso um micro-potinho de cerâmica em forma de porco e disse:
- Eu queria tomar água aqui com você…pode ser? O bouganville murchou no carro...

...


Pelo amor dos três porquinhos, alguém chama o lobo mau! Aquilo puxou o chão com tanta força, que nossa amiga quase despencou. Quer dizer…quase? O desmoronamento instantâneo dos seus ombros naquela hora só mostrava que, lá dentro, o comando central gritava: “Descer ponte elevadiça! Recolher canhões! Desarmar catapulta!”
A Rainha rendeu-se ao exército vizinho!
E agora? E agora? Desarmada, rendida, muda, abobalhada, a Rainha perde a magestade e se joga no fosso dos crocodilos? Ela precisava de uma palavra, de um cigarro, de um copo na mão para dar um gole, alguma coisa para procurar uma reação. Nada! Lá se foi toda a teoria da amiga leal…lá se foi a mulher super resolvida de durona! Ela abaixou a cabeça sorrindo e ele foi buscar seu queixo. Comandante velho de guerra sabia que a batalha estava ganha. Com um só dedo – esforço menor do que nunca – ele levantou o rosto dela com um meio sorriso e disse.
- Acho que ouvi um sim.
Ela, ainda abalada, piscou longamente e sorriu, entregando o rosto para que o novo rei pudesse beijá-la.

End of Story.

É claro que isso só durou o tempo da mágica do potinho. Mas foram alguns meses de dias incríveis e noites interessantes. No fim, o Rei saiu para lutar por outros castelos por odem da própria Rainha, que já não tinha sede da água do porquinho. Talvez um pote maior tivesse resolvido a questão tempo. O fato é que os dois são ainda hoje gratos pelos dias em que passaram momentos deliciosos.
Por muito tempo ainda, ela foi espectadora das batalhas que ele enfrentou dali para frente. “É sempre um prazer observar as táticas de um grande General.”

5 comentários:

Alice Salles disse...

ai mas que rei safado!
ainda bem que pelo menos a rainha tirou casquinha!

Pedro Rocha disse...

CARÁCULIS!!! QUE EEEEESSO????
Olha só, não vim aqui para subestimar sua capaciadade criativa. Ao contrário, já disse que sou seu fã.
Mas ao invés de comentar o texto queria te fazer uma pergunta, na verdade duas: De onde vem tanta inspiração? Sei lá, tanta vocação pra nos fazer ler seus textos - com cara de bobo do começo ao fim - sem ao menos piscar?



Bj e boa semana.
;)

Anônimo disse...

Pedro,

é uma longa historia.
Quando eu era pequena, estava brincando na praia de fazer castelinho de areia, e de repente, apareceu uma luz muito forte. Eu não conseguia enxergar mais nada!!
Eu tenho uma vaga lembrança do que aconteceu depois. Lembro de homenzinhos cinza com olhos grandes, e umas crianças estranhas, muito altas, de cabelos brancos.
Depois, eu só lembro de estar há 50 km da minha casa, e minha mãe chegando muito nervosa para me buscar, perguntando "Por que você fugiu de casa, minha filha!?"

foi isso.
de lá pra cá, eu nunca mais deixei de ter inspiração para contar histórias. Dizem que os homenzinhos ditam pra mim. Sei lá!

Beijo. hehehe!

Mercedes

Pedro Rocha disse...

Aham, sei...
Então quer dizer que você é uma espécie de escolhida que psicografa histórias de homenzinhos cinza?

Ai Mercedes, você viaja mesmo hein. Ahahahah


: )))))

Flavia Melissa disse...

hahahahahhahaa!
vc não foi abduzida, mercy.
vc é que despacha a ordem de abdução!

HAHAHAHA!!!
amo essas coisas da vida...