domingo, dezembro 28, 2008

Resoclusões

Estou fazendo hora para não dormir. Tenho que sair de casa as 4 para o aeroporto, pegar um vôo as 7 que vai atrasar com certeza...e se eu dormir agora sei que vou perder a hora, etc etc...vocês me conhecem. Melhor deixar para dormir no avião, I guess. I hope. I don't know.

Tenho impressões para relatar. Coisas que tenho pensado e talvez possam se transformar em resoluções de ano novo, embora eu ache que resoluções de ano novo são como lista de supermercado: a gente faz, mas sempre esquece no balcão da cozinha. Ou sou só eu?
Agenda é pra não usar, lista para não seguir, requisição de exame para perder, lista de prioridades para esquecer, e assim por diante. Quando serei eu capaz de seguir as regras que eu mesma me imponho? Aff.
Além destas coisas que podem ser resoluções, tenho conclusões...serão elas definitivas? Sei lá.

Conclusão:
Eu não me conheço. Passei a vida dizendo que sou uma leitora preguiçosa e que não gosto de ler ficção, mas nos últimos 30 dias devorei 5 livros com a voracidade de um leão, todos fantasiosos, todos merecendo que eu escondesse a capa para ninguém dizer: "O que? Você lendo isso?"

Resolução:
Joguei fora meus rótulos. Gosto do que me dá prazer e os objetos deste prazer variam de ano para ano, de momento para momento. Vou tentar manter isso como um mantra sagrado.

Resolução:
Em 2009 vou editar um livro. Algum. Qualquer um. Seja uma coletânea de crônicas, seja de short stories, seja um dos romances que eu venho escrevendo pouco mas sempre. Chega de ser uma escritora não publicada. Estou ficando velha e talvez seja hora de fazer alguma coisa que fique para alguém, ou sirva ao menos para fazer fogo num dia frio.

Conclusão:
Ainda bem que o meu marido existe para me dar um empurrão de vez em quando. É duro, mas tenho que adimitir que sem esses empurrões, eu talvez não tivesse tido coragem de realizar metade do que realizei nos últimos 16 anos. (claro que ele tem a ver com a resolução acima)

Resolução:
Escrever na primeira pessoa é mais fácil, mais envolvente e mais divertido, e talvez seja exatamente isso que faz com que alguns dos meus textos sejam adorados por quem lê. Vou modificar os meus dois romances - ambos narrados por uma voz alheia à história -, reescrevê-los desde a primeira página, fazendo aquelas duas mulheres contarem suas histórias de própria voz e acho que assim eu não só consigo terminar os dois, como consigo envolver melhor a quem for ler.

Conclusão:
Se eu não tivesse deixado de ser preguiçosa e não tivesse tentado descobrir o que fez com que a Stephenie Meyer conseguisse tirar milhares de adolescentes ao redor do mundo da frente do computador, para ler uma saga de 4 livros de 500 a 700 páginas cada um, eu jamais teria chegado à resolução acima, o que comprometeria seriamente a outra resolução -- aquela ainda mais lá em cima.

Conclusão:
Consegui cumprir a resolução de ano novo de 2008: emagreci 13 kilos, estou me sentindo bem, embora não exatamente magra (dá um tempo...eu tenho quase 50 anos!!), e foi a grande vitória dos últimos 8 anos. Cheguei à conclusão que engordar foi uma maneira de me proteger e me esconder; eu tinha milhares de motivos para isso, mas agora que os motivos se foram, era hora de voltar a ser eu. I'm back!

Resolução:
Com a mesma força que me fez fechar a boca e ser disciplinada durante um ano inteiro, eu vou mudar algumas outras cositas.
. Vou deixar de ser cigana e comprar a minha primeira casa. (Ok...mentira..vou comprar a minha primeira casa mas não vou deixar nunca de ser cigana.)
. Vou fazer aula de canto.
. Vou elaborar um cardápio decente (ai que saquinho...alguém faz isso pra mim?) para parar de ter que pensar no que fazer de comida todos os dias, porque essa é a parte mais ridícula e repetitiva e chata e sem importância da vida! To cansada de sair da mesa do almoço tendo que decidir o jantar. Será que não dava pras pessoas comerem só uma vez por semana?
. Vou pensar numa lista decente de coisas que quero ou preciso fazer.

Conclusão:
Outra resolução cumprida foi: vou escrever mais.
Eu escrevi muito mais esse ano do que nos últimos outros. Talvez não tenha publicado tanto, mas escrevi histórias mais longas, conseguindo o que, durante muito tempo, eu julgava impossível: escrever histórias e não apenas impressões.

Resolução:
Agora que eu sei que posso...vou me libertar dos pequenos problemas que eu invento para me impedir de escrever como eu gosto, e vou me colocar dentro do que quero contar...e sim, sim, mais uma vez EU VOU ESCREVER MAIS.

Conclusão:
Nunca, em 47 anos, eu fui tão tranquila, tão segura, tão feliz.

Resolução:
Vou manter isso como mais um mantra sagrado.


Feliz Ano Novo, crianças...que 2009 seja muito melhor do que este ano terminado em 8, que como todos os outros anos terminados em 8, parecia nunca querer acabar!

Um beijo amigo no seu umbigo

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Música que dói

Você sente dor ao ouvir alguma música?
Já aconteceu de estar distraído e de repente ser parado por notas musicais que te atingem na boca do estômago e correm direto para a garanta, pressionando o peito?
Eu tenho muito isso.
Lembra quando o TPM tocava "The Blower's Daughter" do Demian Rice? Lembra como aquilo doía em mim? Ah...você não sentiu. Pena.
Algumas músicas me fazem chorar na primeira vez que eu escuto. Algumas vozes, não sei se é o tom, não sei se é a dor que já estava nelas, não sei o que é...mas quebram meus joelhos, torcem alguma coisa dentro de mim. É triste, mas é lindo...e eu aproveito o momento, porque são poucas as coisas na vida que arrebatam dessa forma.

Me desconcerto, me concentro -- bem no centro de mim --, sinto a lágrima rastejante que vem subindo e rasgando até o olho...e sorrio. Estou viva! É o que essa dor vem lembrar.
Ela vem assim: Let me Sign

Boa chuva pra você.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Desembaraçar

"Aprendi que se pode conhecer muito bem uma pessoa pela maneira
que ela reage a três coisas: dias de chuva, bagagem perdida,
e o modo como ela desembaraça luzes de Natal."

Maya Angelou


Essa sempre me pareceu a hora mais importante do ano. A hora de provar para mim mesma que eu sou capaz de desenrolar cada fino fio verde, entendendo para onde cada volta pretende ir, tomando o cuidado de não bater as pequenas bolhas finas de vidro, quase inexistentes, e descobrir, uma por uma, qual lâmpada ainda pode guardar alguma vida, depois de 340 dias de quase-morte.
Parece dramático, eu sei.
Mas eu acho que existe uma relação muito clara entre as luzes de Natal e a vida que vivemos. Ou sou só eu? Enquanto elas dormem, fingindo não ter vida, durante o ano inteiro, eu preciso de luz. Não bem assim...eu preciso TER luz. Sou eu quem precisa iluminar e estar viva, reluzente, cheia de energia, durante os dias que vão passar tão rápido quanto o acender e apagar contagiante das luzes em festa.
Durante o ano inteiro, me parece, o que fazemos é desenrolar, desembaraçar, tentar entender e seguir caminhos que são às vezes claros com o dia, às vezes misteriosos como as curvas de um rio barrento. Para que lado estamos indo? Que movimentos podemos fazer para não esfacelar desejos em milhares de pedaços tão finos que acabem virando pó? Como seguir essa linha e mantê-la nas mãos de um jeito que nada se perca, nada se enrole para sempre, nada nos mantenha presos sem poder mover as mãos?

Sempre que abro as montanhas de caixas que guardam outras caixas e saquinhos plásticos, descobrindo as cores e brilhos dos enfeites de Natal, tenho a mesma sensação incômoda de que o ano está nas minhas mãos.
Existe uma árvore grande ao meu lado, inteira verde e crua e eu preciso transformá-la numa explosão de alegria. Preciso fazer com que ela tire o fôlego das crianças e encante os adultos. Está na minha mágica trazer imagens da infância, rostos que se foram, risadas alegres e a lembrança das fitas coloridas desatando seus laços para revelar sorrisos. É quase impossível fazer isso sem saber que estou, enfeite por enfeite, construindo os próximos 12 meses. "O que será? Por via das dúvidas, é melhor usar mais brilho!"

Toda vez que me me deparo com os milhares de fios das guirlandas da árvore -- são fios de bolinhas vermelhas, outros dourados, outros são notas musicais, outros fios gigantescos de pequenos sininhos -- eles estão todos na mesma caixa, trançados num grande bolo a princípio impossível de entender --, começo a puxar cada ponta para tentar separá-los, e penso se não é exatamente isso que passamos a vida fazendo. Pelo menos nós, mulheres. Se parar pra pensar, me lembro quantas vêzes, desde sempre, aprendemos a "desembaraçar". Observando ainda pequenas, a paciência com que nossas mães desembaraçam seus cabelos de manhã. O movimento da escova cuidadoso para não arrebentar os fios. E imitamos seus gestos em frente ao espelho, nos achando lindas, desmanchando os pequenos nós que estão lá. Depois os novelos de lã, os nós dos bordados, a linha que enrola ao pregar um botão, a máquina de costura que prende o carretel quase arruinando a costura, os pontos complicados do tricô, as franjas do tapete, os cordões da cortina, os fios da persiana, os colares na caixa de bijouteria, os cabelos de nossas crianças, e tudo outra vez.

Depois de todos estes pequenos e árduos testes de paciência, estamos prontas para guiar os passos dos filhos que teremos, entender os caminhos do homem que amamos, traçar o mapa por onde andará cada pessoa que importa, dizendo, sem dizer, por onde se chega mais rápido ou por onde a estrada é mais bonita.
Desembaraçar. O fio de luz, a vida alheia, a nossa própria, as relações. É este o talento secreto das mulheres mágicas que enfeitam, todo ano, as árvores de Natal, os dias do ano, as vidas que a cercam, o emaranhado dos caminhos por onde passam.

Chegando a hora o meu post de Natal, o que eu desejo a cada uma das pessoas que passam por mim, é que tenham o poder de enfeitar, com claras linhas de luz, os dias de vida que virão. Os seus e os de quem precisa da sua luz para sobreviver.


foto: Pleiades (M45) Sete Irmãs (luzes....no céu)
www.astrocruise.com

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Saindo da Rotina


Cheguei ao aeroporto, fiz check in e fui comer, já que meu vôo estava atrasado. Com a minha sorte, isso é normal. Meu iPod tem milhares de músicas que eu não aguento mais, então resolvi que não era isso que eu ia ficar fazendo até o vôo chegar. Mentira! Eu não posso ficar ouvindo música no iPod assim, em lugares lotados. Se houvesse uma escala para isso, minha facilidade para entrar em transe seria de 100% e, como todo mundo sabe (sabe?), o melhor canal para induzir alguém ao transe, seja hipnótico, seja psicótico (hahah!) são os ouvidos. O que quer dizer que ligar um iPod na minha orelha possibilita 100% de chance de um vexame interestadual. Eu, no mínimo, cantaria em voz alta. Se não fosse isso, -- e as chances são realmente mais fortes, assim 300% -- eu poderia falar sozinha, esquecendo completamente onde estava. Eu nunca entendi muito isso em mim, até começar a reparar nas reações do meu pai, depois que a surdez dele deixou de ser um probleminha de audição para ser realmente surdez. Às vezes ele pensa alto, ou emite uma opinião que deveria ter guardado para si, sem perceber, sussurrando. Existe então a possibilidade de um internamento relâmpago pela segurança do Aeroporto Afonso Pena, caso eu tampe meus ouvidos com o fone do iPod e deixe que alguém cante alto dentro deles. E não é só isso: eu posso dirigir ouvindo música, mas não posso dirigir ouvindo música muito alta por muito tempo, porque saio do mundo também; principalmente se a música for meio chapante, com longos solos, ou vozes míticas. O que? Você não sabe o que são vozes míticas? São vozes que não entram pelos ouvidos, mas diretamente pela boca do estômago...vozes que mexem com o subconsciente. Se você nunca sentiu isso é porque eu sou muito mais maluca do que você, sem usar as drogas que você usa. Ha!

Well...iPod descartado, fui até a livraria. Passei me coçando pela prateleira de auto-ajuda -- eu sempre tenho uma coceira estranha perto desses livros --, olhei as revistas, fui saindo sem uma solução, quando vi a capa de um livro chamado Crepúsculo. "Crepúsculo...Crepúsculo...ah! Twilight, da Stephenie Meyer!" Fiquei feliz. Eu ia ler Twilight em inglês, mas já sabia que não chegaria ao segundo capítulo porque...bom...se eu ler na cama, eu também entro em transe e, embora eu até mude as páginas, estou na verdade longe dali, em outro mundo, fazendo outra coisa. Isso em Inglês piora consideravelmente e meu transe pode acontecer dez páginas mais cedo. Pois é...eu nunca disse que era normal. Comprei o livro sem grandes expectativas, uma vez que uma história sobre vampiros adolescentes é semper uma história sobre vampiros adolescentes. Sentei-me na sala de embarque, abri a primeira das quase 400 páginas, o vôo chegou, embarquei só quando a fila já não mais existia, sentei, continuei lendo, esqueci de afivelar os cintos, desci em São Paulo, fui uma das últimas pessoas a deixar o avião, vim para casa indignada por enjoar lendo no carro. Não li mais. Isso era sexta-feira. No sábado à noite, depois de embarcar meu marido para o outro lado do mundo, dar jantar para as crianças, etc, etc, sentei na sala de TV e retomei a leitura. Quando tive fome, percebi que eram duas e meia da manhã. Fui lendo para a cozinha, peguei umas fatias de queijo e uma coca-light, voltei para o sofá jurando que já iria para a cama, mas só consegui fazer isso às quatro horas. Fui deitar, mas resolvi ler só mais um pouco...às cinco e meia forcei minhas mãos a fecharem o livro e apagarem a luz, numa agitação tão grande que eu poderia sair para dançar. Hoje, domingo, sentei e li até a última página do livro que termina com o primeiro capítulo do segundo livro da trilogia....Agora estou sofrendo! Alguém conhece uma livraria 24 horas?

Só para constar:
. morri de inveja da autora.
. morri de vergonha de ser tão preguiçosa, editorialmente falando.
. não vou ver o filme porque o meu vampiro é dez vezes mais bonito e mais power do que o Robert Pattinson

sábado, novembro 29, 2008

Três - Autora Pergunta

Tem gente pedindo pra eu publicar o próximo capítulo de TRÊS, mas temos um problema, Senhoras e Senhores: eu tenho quase tudo o que foi escrito ANTES da torcida de pé, e praticamente NADA foi escrito depois do beijo.
Esta é aquela história que me deixou maluca, porque eu mesma não sei escolher para NANI com quem ela deve ficar: o maravilhoso Mitch ou o delicioso Mac?
Entrei em crise. Eu sou libriana, caramba! Sabe o que significa ESCOLHER pra um libriano? hahahah!

Então...prometo que vou me concentrar. Mas enquanto isso...que tal se eu recomeçar, e mostrar o que estava lá antes do encontro no vaso de rosas brancas?

Me digam.

Bom dia.


Me.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Três - a festa


Linda como a ocasião pedia, Nani respirou fundo e entrou sozinha no grande salão da casa de Mitch. Na entrada, encontrou Bob que cumprimentou-a brincando:

- É muita primeira dama pra UM aniversariante só...

Nani respondeu com uma acotovelada discreta na cintura de Bob e uma risada, e já se esticou para pegar uma taça de champanhe da bandeja que passou ao seu lado.

- Não me faz rir que eu to nervosa.
- Relaxa! Tá vendo todos esses tubarões? Tudo casca. São um monte de carneirinhos morrendo de medo de perder o pedacinho de pasto que conseguiu.
- Não é possível!
- Bem vinda a Hollywood, meu bem...
Bob segurou Nani como se ela fosse pisar em alguma coisa.
- Cuidado! Não pisa nas bolinhas que é cocô de carneiro.
- Bob! Pára! - Nani tentou não soltar sua gargalhada poderosa
- Cadê o Mitch?
- Por aí. Ele te acha já já.
- Muita ex-namorada pelo salão?
- Hehe...pergunta pra ele. Já volto.

"Já volto" é aquela frase tipo "pois é". A gente usa quando quer se livrar de alguma coisa. "Pois é" serve para encerrar um assunto e garantir que não haverá um próximo. "Já volto" é um pouco mais complicado. Geralmente quer dizer: tem muito mais gente interessante aqui e eu ainda nem sei quem chegou, então eu vou te deixar sozinha, porque a gente nem tem tanta intimidade pra eu me ocupar de você muito tempo.
Ok...sem problemas. Se o "já volto" não viesse de Bob, ele receberia um "pois é" em tempo recorde.

Nani andou pelo salão calmamente, cumprimentando quem a cumprimentava, olhando cada detalhe da decoração e dos vestidos que passavam por ela. Quem diria que Mitch faria uma festa com cara de filme antigo? Black tie, orquestra ao vivo, pista de dança, velas...Não faria muito sentido fazer 50 anos numa rave, mas talvez um luau fosse mais a cara dele, por morar em frente ao mar e ter na garagem de casa mais pranchas de surf do que anos de vida.

Ao passar por um vaso enorme de rosas brancas, Nani tropeçou num cabo de energia que não deveria estar ali, torceu o pé com a taça de champagne na mão sem ter muito onde se apoiar. Se caísse cortaria a mão, com certeza. Por muito pouco ela não perdeu completamente o equilíbrio e se estatelou no meio da festa com todos os tubarões olhando...só o que evitou o vexame eminente foram as mãos de um homem que surgiram do nada para segurá-la pela cintura.

- Ai! Obrigada.
- Cuidado, menina...

Ele manteve as mãos na cintura de Nani que, encabulada, tocou-as tentando se livrar delas.
- Ta tudo bem, pode soltar.
- Você tá bem? Tem certeza? Não machucou o pé?

Ele teve a intenção de se abaixar para conferir o estado do pé dela, mas ela tocou seus ombros imediatamente para que se levantasse.
- Não! Ta tudo bem. Obrigada. Mesmo.

Ele se afastou andando de costas e olhando para ela.
- Se precisar que alguém te segure, é só chamar. - virou-se, deu mais alguns passos e voltou-se para ela outra vez - Foi um prazer...

Nani não conseguiu conter seu sorriso aberto e seu olhos brilhantes. Os olhos enormes e o sorriso irônico daquele homem de sotaque escocês fortíssimo não poderiam receber nada menor. Ela concordou com a cabeça numa reverência e continuou sua expedição pela festa. Mais alguns passos e encontrou Mitch.

- Meu deus...Você tá incrível...
- Ah! Eu pensei que fosse passar a noite abandonada.
- E te largar no meio destes leões famintos? Nunca! Você ta linda...
- Quem falando...A verdade é que nós dois juntos somos incríveis.
- Olha minha mãe chegando...

Nani olhou para a entrada do salão e viu aquela senhora gordinha toda enfeitada entrando, orgulhosa.
- Vai lá receber a rainha.
Ele respondeu sussurrando:
- Não conta pra ela, mas só tem um rainha aqui esta noite, e é você. Vem comigo.

...

No decorrer da festa Nani foi apresentada à mãe e aos irmãos de Mitch, aos seus amigos de infância, colegas de trabalho, diretores, produtores musicais, cantores, celebridades - sem a menor sombra de deslumbramento. Para ela, os efeitos do sucesso e a definição de celebridade não queriam dizer nada além de alguma visibilidade e um pouco mais de dinheiro no bolso. É claro que entre todas aquelas pessoas havia alguns de seu ídolos. É contraditório, mas sua simplicidade nunca deixou que ela visse outros seres humanos como superiores ou semi-deuses. Mesmo os ídolos. Ela mesma já havia recebido adjetivos como "genial, brilhante, melhor disso, melhor daquilo, surpreendente", e ainda julgava-se um mero ser humano falível igual a todos os outros. Além do que, Nani nunca se importou com as diferenças que os outros vêm entre nobres e plebeus, e o conceito de nobreza já havia se corrompido na metade do último século.

De tempos em tempos Nani se via sozinha enquanto Mitch recebia alguém. Desta vez, ela foi para o deck descansar os pés e os ouvidos, pensar em português um pouquinho, e só deixar o barulho do mar entrar. Já estava ali há algum tempo, quando uma voz a tirou do fundo do mar.

- Não caia daí.

Era o mesmo homem que a havia segurado quando torceu o pé.



continua abaixo...



**este texto é parte do romance inacabado "Três".

Três - o deck


- Não caia daí.

Era o mesmo homem que a havia segurado quando torceu o pé. Ele perguntou:
- Então... além de ser uma das mulheres mais interessantes da festa, quem é você?

Ela sorriu um pouco tímida.
- Nani Gaya.
- Muito prazer, John McAlister.
- Eu sei.
- Isso é bom?
- Não é tão ruim... - ela respondeu.

John McAlister era o ator-revelação daquele ano. Depois de anos de teatro em sua terra natal, fez alguns filmes na Inglaterra e estourou em Hollywood como um dos maiores fenômenos das últimas décadas. Não sem razão. Ele era realmente um talento incrível. Aos 30 anos já havia ganho um Oscar e um Globo de Ouro por seu primeiro filme na América, e incontáveis indicações e muitos outros prêmios pela Europa. Não muito alto, mas dono de um corpo atlético, olhos indecentemente azuis e cabelos escuros, McAlister arrancava suspiros de toda uma geração.

- Então? O que você é do Mitch? Uma das....

John moveu a mão em círculos como quem quer generalizar alguma coisa. Imediatamente, Nani franziu as sobrancelhas e respondeu:
- Não. E você? É um dos....

E imitou o gesto dele, que soltou uma risada gutural.
- Não não, sem chance!
- Bom saber.

John fez uns trejeitos de bicha.
- Oi, eu sou um dos meninos do Mitch, mas ele não faz muito o meu tipo, sabe? Ele é grande demais!

Aquela brincadeira não caiu bem para Nani. "Como assim? Quem são "as meninas" do Mitch?" Mesmo assim, ela entrou na brincadeira.
- Isso causaria suicídio coletivo.
- Imagina... O Mitch não é gay. Nem eu. Depois, se eu fosse escolher um homem pra chamar de meu, seria alguém da minha estatura.
- Estatura profissional, claro.
- Não! Concorrência dentro de casa seria catastrófico pra relação!

Os dois riram daquela bobagem, mas o início da conversa ainda batia mal em Nani.
- O que você faz? - perguntou ele sentando-se ao lado dela no deck.
- Escrevo.
- Cinema?
- Não, romances e livros infantis. Mais livros infantis, fantasia e tal.
- Uma pérola entre os tubarões...Quem deixou você entrar aqui?
- É tão perigoso assim?
- É, mas não se preocupa. Eu protejo você.
- Haha! Agora eu fiquei tranqüila!
- E esse sotaque incrível é de onde?
- Brasil.
- Ah! Entendi.
- Ah não! Você não vai dizer que entendeu por que que eu sou bonita, nem vai perguntar se eu já fui modelo de lingerie. Por favor!
- Nunca! Mas...posso perguntar se você já foi piloto de fórmula 1?

Sem poder evitar, Nani soltou sua super gargalhada semi-escandalosa.
- Você é linda rindo assim.

PAUSA:
O olhar de McAlister era muito pior ao vivo do que nas telas. Nas telas ele já tinha derretido o coração até das mulheres mais duronas. Na platéia, ele matava milhares de meninas desesperadas quando lançava seu olhar num extreme close-up. Pois agora ele estava olhando para Nani com um sorriso que queria evitar de ser sério, escondendo que subitamente ele não queria rir - só admirar. O famoso Mac-olhar transformava uma frase simples num tiro certeiro no centro do alvo: a boca do estômago de Nani. Ela desviou o olhar dizendo:
- Não me deixa sem graça.
- Ok. Só mais uma vez: eu adoro o seu sotaque.
- Tá bom então...eu me entrego: O seu também é absolutamente delicioso!

John ficou vermelho e um pouco desconcertado.
- Você fica vermelho!
- Ai. Me pegou...fico. Faz parte do meu charme escocês.
- Tá...eu não sou escocesa, então me explica porque que EU fico vermelha.
- Vê se eu acerto. Eu sou vidente, sabe? Quando eu era pequeno, eu tinha amigos elfos, gnomos, hobbits...eles me ensinaram e conhecer as pessoas só de olhar para elas.
- Ah...claro. Vai. Tenta.
- Preciso que você me dê a sua mão.
- Você disse "só de olhar". Nada de mão.
- Hm...droga. Então, se concentra.

E lá veio de novo o Mac-olhar com aquele sorriso...
- Você é uma mulher experiente, mas na verdade é uma menina sonhadora.
- Hm...tá fácil.
- Calma...Você se esforça para agir como esta mulher, mas a menina fala muito mais alto. Está nos seus olhos. Eles brilham demais.
Nani desviou o olhar.
- Você tem medo... - John demorou para terminar a frase e Nani voltou a olhar para os olhos dele com curiosidade e uma certa apreensão. - ...de deixar a menina vencer essa guerra. Porque você sabe que se a pessoa certa apertar o botão certo, você perde o controle.
- Mas que bruxo!...E essa "pessoa certa", seu bruxo? Ela existe?
- Por que?
- Porque eu quero ficar longe dela.

John sorriu o seu sorriso cínico, franziu a testa, olhou para cima...
- Caiu a conexão. Eles não me contaram essa parte.
- Ah...
- Dança comigo? - disse oferecendo a mão para Nani.
- Será?
- Não se diz "não" pra um homem mais baixo.

Nani levantou sorrindo, apoiou-se levemente na mão de McAlister que agia como um perfeito cavalheiro.



continua abaixo...



**este texto é parte do romance inacabado "Três".

Três - milord & milady


- Dança comigo? - disse oferecendo a mão para Nani.
- Será?
- Não se diz "não" pra um homem mais baixo.

Nani levantou sorrindo, apoiou-se levemente na mão de McAlister que agia como um perfeito cavalheiro.

- Você não é mais baixo do que eu.

Os dois entraram no salão como se estivessem num baile medieval: John com um braço para trás e o outro levantado, sustentando a mão de Nani que repousava suavemente sobre a dele. Ambos olhavam para frente e eventualmente um para o outro, enquanto conversavam.

- Daqui, você parece mais alta, Lady Gaya.
- Impressão sua, Lord McAlister. Se eu descer do salto, a vista será diferente. Eu sou uma anã.

John puxou Nani bruscamente trazendo-a para si numa meia pirueta e prendeu o corpo dela grudado no seu, com o braço ao redor da cintura, nariz com nariz.

- Mal posso esperar.

Nani se assustou mas não teve reação. Ele então sorriu, afastou-se um pouco e ofereceu sua mão a ela, para começar a dança.

- Me permite?
- Claro.

Começaram a dançar e Nani continuou:
- Mal pode esperar o que?
- Pra ver você descalça. Seu pé é bonito?
- Sei lá John...você não é muito normal, é?

Ele olhou para o chão e puxou o vestido de Nani para poder ver o pé que estava coberto.
- É lindo!
- Larga o meu vestido?
- Perdão pela insolência, Milady, não pude evitar.

Jonh e Nani dançaram conversando e rindo como se fossem velhos amigos. De tempos em tempos, era possível ver Nani escondendo o riso no ombro dele e ele gesticulando muito, sem parar de falar. Até que a conversa foi bruscamente interrompida pela fisionomia séria de John. Ele diminuiu o passo...

- Lady Gaya...
- Sim, Milord?
- Sinto informar que será preciso deixá-la.
- Sério? O que houve?
- Parece que alguém não está gostando da nossa dança.
- Quem? a sua namorada escocesa chegou?
- O dono da festa.
- Como assim? Onde?

Nani virou-se para olhar mas seu rosto foi detido pela mão de John em seu queixo.

- Não olha agora. Ele acabou de olhar para mim e pronunciar muito claramente as palavras "SAI FORA", junto com um gesto que, acho, significa cortar o pescoço de alguém.
Nani começou a rir.
- Mentira!
- Juro.
- Você é engraçado, Mac...
- Eu não quero largar você.
- Não larga. Vamos mais para o meio. Deixa ele com... - gesticulou com a mão em círculos - "...as meninas do Mitch".

Os dois se misturaram aos casais que dançavam no centro da pista. John ficou sério, olhando para ela com "o olhar" outra vez.

- Por que ele fez isso? - perguntou John, sério. - O que você tem com ele? Você disse que não era...
- Eu não sou uma das "meninas do Mitch". Nem sei nada delas.
- Então por que ele me mandou sair fora?

Nani hesitou para responder, e John respirou fundo, mais nervoso do que pareceria apropriado.
- Por que você não me falou que vocês estão juntos?
- Você não perguntou.
- Quanto tempo faz isso, Nani?
- Dois dias.
- Só isso? Então pode perfeitamente não ser nada...
- Não é bem assim.
- Olha... - disse John chateado, olhando para Nani com olhos estranhos. - Eu to na casa dele, Nani. Preciso ir até lá entregar você pessoalmente. Eu sou convidado e a minha educação não permitiria outra coisa.
- Você é um gentleman...
- Mas eu não queria ser não...não se engane! Se esse lugar não fosse a casa dele, eu ia embora daqui com você agora, mesmo que ele ficasse puto.
- Nem pense nisso.
- Nani...presta atenção.

O olhar de John começou a afetar Nani de um jeito muito mais grave do que aquele tiro na boca do estômago.
- Mac, posso te pedir uma coisa?
- Claro.
- Dá pra não me olhar assim?
- O que tem o jeito que eu te olho?
- Não...nada de errado, só...
Nani abaixou os olhos para não encará-lo.
- Olha pra mim, Nani.
- Não.
- Por favor?
- Então não me olha assim...
- Não tem como.
- Mac...eu não posso deixar isso acontecer.
- Fala meu nome de novo?
- McAlister...
- Não...
- Mac...- ela abaixou a cabeça encostando a testa no ombro de John. - Não me olha assim...

Ele segurou a cabeça de Nani contra o ombro e sussurrou em seu ouvido:
- Não dá pra evitar. Eu só consigo olhar pra você desse jeito. - John levantou a cabeça de Nani e fez com que ela olhasse nos seus olhos. - Você entende o que eu to falando quando eu olho pra você?
Ela fez que "sim" com a cabeça, ao que ele respondeu com um sussurro:
- Eu não posso evitar.
- Mac, eu vim do Brasil a convite dele...a gente tá começando a...

Num gesto rápido, John tapou a boca de Nani com a mão e chegou seu rosto tão perto, que pareceu beijá-la.
- Não diz isso. Não diz nada... - ele sussurrava.
- Pára! A gente nem se conhece e eu podia ser sua mãe!
- Não! Deus não faz isso com as pessoas!
- Mac, me escuta!...
- Me chama de Mac outra vez.
Ela desarmou de novo e sorriu.
- Mac.
- Linda...
- Vai. Se concentra, se acalma, volta pra realidade.

Ele puxou o corpo de Nani pra junto do dele, praticamente encostando boca com boca.
- A gente vai parar de dançar agora e eu vou levar você pro Mitch, como o gentleman que eu sou. Mas eu preciso ver você de novo. E eu não to fora da realidade.
- Me larga. Isso não tá certo.

Ele soltou o corpo dela lentamente, ainda com a boca muito próxima. Ambos tinham os olhos fixos nos lábios do outro. Ele deu um passo atrás, ela hesitou, aproximou os lábios de novo e, respirando fundo, se afastou. Os dois saíram do meio da pista lado a lado. Tinham os braços soltos ao longo do corpo e as pontas dos dedos se tocando, numa última tentativa de estar perto. Nani não se conformava por sentir uma atração tão forte por alguém que esteve com ela pouco mais de uma hora e meia. Ela travava naquele momento uma guerra sangrenta entre razão e emoção. John era um convite explícito à volta da Nani dos velhos tempos. Paralelo a esse sentimento intruso, havia Mitch e toda a estabilidade e o controle emocional que ele representava.
Ao se aproximarem de Mitch, John pegou a mão de Nani e entregou a ele. Cumprimentou solenemente com a cabeça.

- Your Lady, Sir.
Mitch puxou Nani para perto de si e beijou-a.
- Até que enfim, McAlister. Pensei que você fosse roubar ela de mim.
- Não sem um duelo.
- Pois escolha as armas.

Nani colocou as mãos no peito numa cena teatral.
John apertou a mão do amigo.
- Parabéns, cara. Pelo aniversário, pela festa, e pela namorada. Ela é genial.
- Obrigado. Gostou?
- Muito. Há muito tempo eu não via nada assim.

Nani franziu a sobrancelha repreendendo John que remendou:
- A festa...


continua abaixo...



**este texto é parte do romance inacabado "Três".

Três - evitar.

A situação era essa: Nani e seus dois cavalheiros ficaram frente a frente, conversando assuntos banais. Mitch, abraçado à sua namorada nova, que por sua vez sentia um nó no estômago muito próximo do vômito nervoso, vidrada nos olhos de John McAlister, que por sua vez conversava cortês e simpático, pensando na verdade em arranjar um jeito de desintegrar e sumir.
Nani encontrou a frase perfeita para tirá-la daquela saia justa:

- Vou pegar alguma coisa pra beber. Vocês dois comportem-se...

Nani se afastou, deixando os dois para trás e entrou no banheiro. Parou em frente à pia e respirou fundo num misto de alívio e aflição, olhou-se no espelho.

- O que foi isso?...

Por que será que é sempre assim? Quando tudo parece calmo, a tempestade chega e bagunça o céu...Como é que a Nani ia imaginar que uma coisa assim iria acontecer? Por que ela não ouviu os conselhos de todas as milhares de pessoas que já disseram: "Para de dar mole pra todo mundo!" Por que a vida não pode ser simples e apresentar uma situação de cada vez, sabendo que - "Hello? agora eu estou tranqüila, então é hora de me deixar assim. Quando eu quiser fogo eu aviso, aí pode mandar o fogo. Mas agora NÃO!"
Mas será que a culpa era dela? Ela só torceu o pé e foi salva pelas mãos de McAlister. Certo, mas e no deck? O certo não seria ela dar menos papo para ele e sair de lá? Difícil...mas então o certo seria não aceitar a dança. Mas, ah!
Você não sabe o que é uma Nani entediada...Sabe o que é pra ela ficar bancando à primeira dama, sem demonstrar que está se sentindo abandonada? Opa! Que tipo de desculpa é essa? Assim parece que o McAlister tem razão e a Nani pode estar deixando a menina dos olhos brilhantes ganhar da mulher equilibrada. Hum...complicado.

Horas mais tarde, já recuperada, e acompanhada por um Mitch que já não se arriscava a deixá-la sozinha, Nani sentiu falta da bolsa e voltou ao deck para ver se foi lá que a largou. Ao chegar, viu a bolsa em cima do banco onde esteve com John, abriu a bolsa para verificar se tudo estava como ela deixou, depois sentou-se um pouco, abaixou a cabeça nas mãos -- meio preocupada, meio desesperada -- e quando voltou a olhar para a porta, John estava encostado olhando para ela com um sorriso sério. Os dois se encararam por alguns instantes. Ela balançou a cabeça negativamente. Ele piscou os olhos longamente, balançando a cabeça num SIM. Nani levantou-se e dirigiu-se à porta para sair, como agora parecia ser correto. Parou ao lado de John, ele virado para a praia, ela virada para a festa, pegou sua mão discretamente, e falou baixo:

- Desculpa...
John respondeu sem olhar.
- Eu vou ver você de novo.
- Não vai, Mac.
- Você não pode evitar.

Ele apertou a mão dela com força quando ela tentou entrar no salão, deu um passo para fora puxando Nani com ele, encostou-a contra a parede do deck e beijou-a. Nani tentou afastá-lo mas acabou cedendo. Ela sabia que aquilo não era um beijo: era o único beijo. Mesmo não querendo passar por toda aquela situação, ela simplesmente não recuou. Era mais forte do que eles e John estava coberto de razão: não se podia evitar.
Nani empurrou John, ele arrumou o cabelo dela, sorriu deliciosamente...

- Sonha comigo.

...E foi embora.



continua...um dia.




**este texto é parte do romance inacabado "Três".

sexta-feira, novembro 14, 2008

Eu mereço!


Foi feita uma pesquisa na Inglaterra ano passado que constatou que entre as coisas mais chatas do mundo estão: 1. Telemarketing 2. James Blunt, nessa ordem. Eu estou pensando seriamente em ligar pra quem fez essa pesquisa pra dizer que eu concordo, mas até jogaria o James (You're Beautiful, Same Mistake, clipe chato, voz insuportável, música enlouquecedoramente repetitiva) para terceiro lugar só pra poder incluir corretor de imóveis. Como diria Cersibon: "Meldels!!", que saco!
Funciona assim: um dia você e seu marido se olham e dizem um para o outro.
- Será que não era bom a gente dar uma olhada numas casas ou nuns terrenos pra comprar?
- É...talvez...

Eles escutam! Juro! Eles escutam pensamento. Escutam o mais remoto desejo que possa passar pela sua cabeça quando você vê uma casa bonitinha..."assim é legal". Ferrou! Não estamos sozinhos!! Em no máximo um dia o seu telefone começa a tocar. Aquele primeiro corretor que te mostrou uma casa para alugar há seis anos, lembra da sua existência. Aquela outra que jura que é tua amiga...mas amiga AMIGA, de ir junto no banheiro e segurar a sua bolsa...de pedir O.B. emprestado no meio da festa...essa também surge das cinzas e não para de ligar.

Mas até aí tudo bem, já que você queria mesmo ver uma casa. O problema não é nem esse. O problema é que você diz que tem, por exemplo, 100 reais para comprar uma casa. Ótimo...eles ouviram, eles anotaram, eles entenderam, mas misteriosamente eles só te levam para ver casa de 200. Deve ser um truque de psicologia alá Lair Ribeiro, para você ir para casa arrasado se achando a criatura mais pobre do mundo, pedir pelo amor de deus pro corretor te ajudar a encontrar algo que você possa pagar, e a partir daí aceitar qualquer coisa. Tipo hospital sabe? Um velho amigo dizia que quando você entra no hospital, a primeira coisa que fazem é uma lavagem intestinal, assim você perde completamente o amor próprio e depois disso permite tudo.
Fora o truque da casa que não é para o seu bico -- que na verdade na verdade é porque eles acham que você tem mais, mas não quer contar -- eles nunca levam você para ver uma ou duas casas. São cinco, seis, e a maioria está ocupada, o que faz com que a visita seja mais longa, uma conversinha aqui...uma explicação ali... "Esse dormitório pode virar suíte se você quebrar essa parede, mas meu marido não quis, porque a mãe dele blablabalbla..." "Só um cafezinho..." No fim do dia você está podre, não sabe mais que casa era qual, qual custava quanto, e se ouvir o telefone tocar vai defenestrar o coitadinho com medo que seja outro corretor. Sabe aquela sensação esquisita de estar numa excursão com 35 secretárias executivas que usam perfume doce de manhã? Você se vê ali no ônibus, escuta o assunto delas, vê a tralharada que elas compraram e pensa "Jesus, eu quero morrer!"? É bem assim.
Mais ainda tem o Blablabla: a casa é bonitinha...mas é cheia de mármore bem brega, você chega na sala e a primeira coisa que vê é um muro de 20 metros no fundo do quintal, o andar de cima parece um apartamento, os banheiros são ridículos de tão pretenciosos, e ela custa aquele seu dinheiro vezes três.
- WHAAAT? Por que?
- É no condomínio X...!
- Espera...é no condomínio X! Isso quer dizer terrenos pequenos, não tem como abrir uma janela sem dar de cara com alguém que não mora com você. Hello?
E se a casa é no condomíno Y, a desculpa para o preço varia: "Mas esse condomínio está na moda! Até o (espaço reservado para nome de celebridade brega) mora aqui!!" Mas quando você fala que viu uma casa boa no condomínio Y e estão te empurrando aquela do X, a história vira:
-"Você não quer morar no condomínio Y! Aquilo tá super desvalorizado..."


Blablablabla.
E o incrível é o mal gosto latejante! Eu avisei! Há 15 anos, quando eu disse que essa história de espalhar o axé por aí, achar que a brasilidade está "na boquinha da garrafa", e que Funk carioca é uma manifestação musical válida...eu avisei! Eu disse que assim que a Viviane Araújo e a Carla Peres ganhassem um Jaguar, a classe média ia usar calça branca. Eu avisei! Pois tá aí...usa. Usa calça branca e mármore na sala, no banheiro, na cozinha, na churrasqueira (oops! espaço gourmet)! Muito mármore, colunas na fachada, muito corrimão dourado pra "orná" com o mármore...Aí o corretor diz "olha o acabamento dessa casa!" e eu penso "a pessoa gastou uma fortuna pra encher isso aqui de coisas que eu vou tirar. Se não fosse isso, dava pra comprar a casa por "dez real", parcelado em 48 meses e tava tudo lindo".

Moral da história: se um dia eu quis matar todos os atendentes de suporte técnico, hoje eu viro a minha mira para os corretores de imóveis. De todos os que falaram comigo, só um foi honesto, competente, direto, claro e não me fez olhar em volta para ver se eu não tava numa concessionária picareta de carro usado. Para minha surpresa, não usava gravata nem perfume doce. Era uma pessoa com cara de quem trabalha, roupa de quem dá duro, e o carro todo ferrado. Morte a todos os outros!

Bom fim de semana.

quinta-feira, outubro 30, 2008

Mudanças

"you're everything I'm not
but I'm anything, I'm anyone you want."

Foo fighters



Poucas pessoas têm o poder de decidir que “a partir de agora, eu sou o que e quem você quiser que eu seja”. É preciso ser camaleão, é preciso ser moldável, maleável, adaptável, e eu não vejo muita gente ter essa capacidade hoje em dia. Ao contrário, vejo cada vez mais pessoas feitas de aço por fora, com uma couraça cobrindo qualquer músculo que sente, e feitas de coisa nenhuma por dentro. Tão rígidas, tão certas de si. Tão cheias de regras sobre quase tudo.
Essas pessoas diriam: "eu sou quem eu sou e quem quiser que me aceite".
Uh-huh…ótimo, se você souber mesmo quem você é, antes dos 40, o que eu duvido muito; ótimo se o tempo não passar e você começar a ter surpresas. Vamos a uma pequena lista de possibilidades.

1. Você casou com aquele pobre coitado que tem que aceitar todas as suas “house rules” e vice-versa. Teve só a quantidade de filhos aceitável dentro das suas regras. Esses filhos cresceram. Lá pelas tantas, um deles aparece grávido. MUDANÇA DE CURSO ALERT! Tudo bem…o problema é meio que dele/a, você não estava lá na hora que ele/a virou os olhinhos, porque teria de estar agora? Sei, claro…se você não considerar que eles ainda não têm idade suficiente pra ter um trabalho bem remunerado e talvez você precise dar uma força com o enxoval dos SEU NETO. Ah…você esqueceu que essa criança seria sua neta? Desculpe lembrar…
Então, sua filha tinha esse namorado da idade dela, fazendo faculdade, estágio mal remunerado, e agora ela vai ter um filho, vai ter que trabalhar também, a familia dele tem um apartamento que dá pra eles ficarem, mas não existe grana para uma babá, uma creche, uma enfermeira, whatever. Puxa….parece que aquela pessoa cheia de regras vai ter que mudar um pouco, não? O seu dia todo planejadinho vai ter que mudar um pouco, a sua realização pessoal finalmente atingida, vai ter que ficar pra outra hora, porque das oito ao meio dia e das duas às sete, o nenem vai precisar ficar com você. Ele não vai mudar a sua vida, afinal, ele conhece as regras da casa! Só vai fazer cocô, chorar, querer brincar, comer, engatinhar metendo o dedo nas tomadas quando você mandar.
Justo agora que você já tem 45, os filhos cresceram e você pode fazer só o que quer…justo agora…

2. Você é linda e se casou - sim, essa possibilidade varia muito pouco – com um cara atlético, bonito, bem de vida, tudo o que mamãe sonhou para você, e você não ficaria jamais com um homem relaxado. Impôs todas as suas regras, alimentares inclusive, proibiu o coitado de deixar as meias no chão, ensinou a baixar o acento do vaso sanitário depois de fazer xixi. Ele cozinha para você aos sábados, joga futebol com os amigos nas quartas, (sim, ele também tem as regras dele), você não quer cachorro, ele não quer calcinha no box. Tudo lindo…uma perfeição só. Um dia, durante o jogo de quarta-feira, ele passa mal e vai para o hospital. Putz! Um derrame…Ele demorou um pouco para ser atendido, vai precisar de muita fisioterapia, T.O., RPG, fonoaudiólogo, comida pastosa, cama especial, cadeira de rodas…e não se sabe ainda que tipo de sequelas ficarão. Puxa…de uma hora para a outra, as meias pelo chão fazem falta. Tudo o que ele quer é poder ANDAR até o box e encontrar uma calcinha; e por que não comer uma picanha lá fora, FALANDO alto e jogando um pedaço para o cachorro? Quanto tempo se perdeu com picuínhas? Quem podia imaginar que, agora, não importa mais o quão linda você é, mas o quão adaptável você pode ser às necessidades do homem que você escolheu para amar? Basta saber se o amor pelo homem atlético perfeitinho era suficiente para amar o outro, na cadeira de rodas, precisando de você para ir ao banheiro.

3. Você é um executivo super ocupado que não tem tempo para besteiras e ensinou a sua família que o seu trabalho é prioridade máxima, já que sem ele você não pode dar o conforto que eles têm. Seus planos são ter dois milhões de dólares guardados até os 35 anos, plano esse que você encasquetou aos 16 e não há NADA que tire você deste curso. Você é um trator para o trabalho, em todos os sentidos, inclusive na remoção de obstáculos. Seus filhos são inteligentes, sua mulher é compreensiva e trabalhadora, consegue dar conta das crianças, do trabalho, da casa, e nunca faltou uma camisa passada para você vestir de manhã. Mas numa dessas manhãs, voltando do supermercado, um caminhão desgovernado… sorry, ela não resistiu aos ferimentos, se foi.
De uma hora para outra, sua vida virou de pernas para o ar, seus filhos ficaram desamparados, as camisas não estavam lá de manhã, e o trabalho não pode mais ser a sua prioridade, porque aquelas crianças precisam desesperadamente de apoio, e você ídem! Seus dois milhões de dólares não deixaram você dar a atenção que queria para a mulher que fez tanto por vocês. Seus dois milhões de dólares não deixaram você ver que seu filho mais novo é inseguro e sofre bullying na escola. Você tem 35 anos e algum dinheiro no banco, mas aqueles dois milhões de dólares não tinham a importância que você pensou.

4.Você é fodona. Tá ótima sozinha e “deus me livre casar, pra que?” Quer viajar, ser livre, conhecer o mundo inteiro, fazer amigos de todas as cores, raças e religiões, ir para onde quiser na hora que quiser, e não nasceu ainda o homem que vai conseguir te segurar. Ai que delícia! Só que numa das suas viagens, você conheceu um cara super legal, bom amigo, bonitinho até, uma graça, mas…nossa…muito diferente de você! Ele é fazendeiro na Austrália, não sai de lá de jeito nenhum. Tem que cuidar do gado, da plantação, dos cangurus, sabe lá do que mais, mas a última coisa que ele pensa é em deixar a calma do campo pra viver feito cigano por aí. No way! O máximo da agitação pra ele é um rodeo que acontece na cidade uma vez por ano. É uma boa agitação, porque junto com o rodeo tem leilão de gado e ele faz um bom dinheiro com isso. Imagina…até que seria legal ficar com ele, mas você não se vê de chapéu e bota, dirigindo uma pick up pra levar seus quatro filhos loirinhos de olhos azuis para a escola. Deus me livre! Tá! Você imagina o resto... Inclusive o rodeo.


Então crianças, sinto informar que não há na vida o que nunca mude! Nem mesmo as regras da casa. E aqui do alto da minha idade avançada, deixa eu contar que tudo, absolutamente tudo, muda! Se não for a pessoa que você ama a sair bagunçando tudo o que você um dia pensou, serão seus filhos. Se não forem eles, seus pais quando estiverem velhos, se não eles, um irmão, um sobrinho, um acidente, um prêmio de loteria, uma pessoa que você cruzou no avião bem quando tava tudo calmo…aff! Desculpa dar uma notícia dessas, mas a verdade é que o universo está SIM em movimento e a sua vida faz parte dele.

Bom dia!




quinta-feira, outubro 23, 2008

Jack & Mônica - outra hipótese I

"And when I touch you
I feel happy inside,
It's such a feeling
That, my love, I can't hide."
Lennon & McCartney

Eu fui jantar com a Wanda e as filhas -- Katlin e Heidy -- e os respectivos namorados. Três casais e eu, sozinha. O garçom serviu as bebidas, um dos meninos pediu um vinho, o que deixou a Wanda tensa, porque ela anda muito sem grana e não é bem assim tomar vinho francês em Los Angeles.
A gente estava lá conversando quando o telefone da Katlin tocou. Desde que o pai dela teve um problema com a polícia, telefone tocando à noite a desagrada visivelmente; sempre esperando o pior. A cara que ela fez quando perguntou: “QUEM??” foi quase assustadora. Depois, de uma hora para outra, começou a falar baixo, levantou e saiu da mesa. Todo mundo estranhou, mas eu me encarreguei de tentar levantar a conversa para acabar com o mal-estar.
Quando a Katlin voltou, estava de testa franzida, cara de pouquíssimo entendimento, sentou e foi bombardeada de perguntas: “Quem era?” “ O que houve?” “Aconteceu alguma coisa?” “Tá tudo bem?”
Ela ergueu os ombros com a cara esquisita e disse. “Tá. Meio surreal…mas ta tudo bem.” O namorado olhou feio pra ela, ela falou alguma coisa no ouvido dele ao que ele respondeu: “Coisa estranha…” E acabou o assunto quando o garçom chegou com os pratos.

Eu tinha dado uma única garfada no meu peixe, quando a Katlin cutucou o namorado e olhou para alguém que se aproximava. Claro que eu percebi, e olhei também.
Ai meu Deus! Eu paralisei.
Não conseguia mexer um músculo, embora quisesse gritar.
Lembra o homem no fundo do mar? Aquele do sonho? Aquele que tentava me dizer alguma coisa e eu não entendia? Ele. De verdade. De carne e osso. De camisa branca pra fora do jeans. De cabelo despenteado. De garrafa de vinho na mão. E nervoso.
Ele parou perto da mesa olhando pra mim, tão paralisado quanto eu. Juro que eu não tinha certeza se eu estava acordada. Fiquei confusa…o que ele estava fazendo ali? Por que estava me olhando daquele jeito? Quem disse que ele podia existir e ainda aparecer assim? Quem é essa criatura, pelo amor de deus?
Ele se curvou um pouco, meio com medo de cair, colocou a garrafa na nossa mesa, me deu um sorriso nervoso, daqueles que abrem e fecham várias vezes sem saber se podem acontecer, falou com a Katlin, sem tirar os olhos de mim nas primeiras três palavras.
- Katlin! Que bom ver você….
- Oi Jack… você veio!
Nessa frase todo mundo olhou pra ela com cara de espanto.
- Gente, eu convidei o Jack pra jantar com a gente. Tudo bem?
E ele:
- Me atrasei demais?

Foi o diálogo mais fake que eu já ouvi.

Mais do que rápido, como se fosse um concurso, a Wanda e o namorado da Katlin começaram a dizer, sem parar, frases variadas para consertar a situação e tentar fazer tudo parecer normal. O namorado da Heidy providenciou uma cadeira para ele, mas ele não conseguiu sentar. Cumprimentou um por um, até chegar em mim.

- Oi, eu sou Jack.

Ele balançava a cabeça num “sim” que parecia querer que eu concordasse, que eu dissesse: “sim, sim, você é o Jack”.
Eu disse o meu nome, e ele repetiu como uma grande descoberta:
- Môooonica…Muito prazer, Mônica…

Não, eu ainda não estava pronta para me mexer. Quando ele esticou o braço para apertar a minha mão, eu precisei fazer alguma coisa para os músculos ouvirem o meu cérebro porque eles ficaram irreversivelmente surdos. (Trombetas: ATENÇÃO NEURÔNIOS, COMANDAR BRAÇO DIREITO! MOVIMENTAR MÃO DIREITA! FORÇAR SORRISO ESPONTÂNEO!”. Ah…quanta energia gasta em três simples gestos: Estica braço, abre mão, sorri. Fiquei exausta só de contar.)
Por alguns segundos fiquei olhando para a mão dele ali estendida. A mão! Aquela mão! Lembra que eu falei que vi a mão dele no sonho e era demais? Pois era demais! Naqueles segundos eternos eu vi todos os dedos longos, a palma grande, o formato honesto das unhas, a linha da vida, a da cabeça, a do coração. Mãos eloquentes…mãos eloquentes…Ele me olhando, a mão esticada para mim, eu paralisada, ai que aflição, se mexe de uma vez!Foi!
Consegui me movimentar e sorrir um sorriso provavelmente idiota, mas pelo menos foi; e aconteceu o mais bizarro: quando meu dedo tocou a base da palma da mão dele, a proximidade produziu um mini raio de energia estática, que a mesa toda viu. O lugar era meio escuro, iluminado por velas, e a faísca pareceu um relâmpago tão forte, que a Heidy deu um grito. Ele soltou uma risada nervosa, e eu não consegui não abrir um sorriso gigante. Ele segurou a minha mão com força e não largou mais.

Isso durou muito tempo. A Wanda tentou mudar o clima da coisa fazendo perguntas sobre a família, “Jack, como vai sua mãe?” coisas do gênero, mas ele respondeu a todas sem largar a minha mão ou sentar. Entre eu e ele estavam Heidy e o namorado, com dois braços atravessados na frente deles. A Katlin perguntou se o Jack não preferia sentar, ele me olhou novamente, de uma forma um pouco mais urgente e respondeu alto demais.

- NÃO! – e continuou mais baixo - Quer dizer…não obrigado. Na verdade eu já jantei, eu só queria mesmo entregar essa garrafa de vinho para vocês comemorarem.
- Comemorar o quê? – a Wanda perguntou
Nessa hora, ele juntou a mão esquerda às nossas mãos direitas, segurando a minha com as duas dele.
- Comemorar....o encontro.

Aquilo tudo era muito surreal para eles. A verdade é que só eu e ele entendíamos o que estava acontecendo ali. Mas agora parecia que o resto da mesa meio que tinha desistido e resolveu ficar assistindo de camarote pra ver onde aquilo ia dar. Foi quando, ainda sem largar a minha mão, o Jack disse:

- Vocês vão me perdoar se eu roubar a Mônica de vocês, né?

A Wanda, como sempre curiosa e indiscreta, perguntou onde nós íamos "sem ela", e ele disse que não sabia, mas que nós íamos, e sem ela. Eu comecei a rir, porque ela merece demais uma resposta dessas, e foi só nessa hora que eu consegui relaxar, deixar meus ombros caírem, e soltar a mão do Jack. Meu Deus, ele olhava pra mim como uma criança, sorrindo com o rosto inteiro, sem nem tentar disfarçar uma euforia imensa que mal cabia no lugar. E eu, ai! Eu nem falava…estava tendo a visão mais incrível. Quantas mesmo são as maravilhas do mundo? Põe mais uma na sua lista.
Jack veio para perto de mim, olhou para a Katlin e disse:

- Katlin, você salvou a minha vida.
Ela olhou pra ele com estranheza, que conversa de salvar vida é essa?
- Sério…eu vou agradecer pra sempre.
E aí ele passou o braço pelas minhas costas, me puxou bem pra perto num semi-abraço e não se aguentou:
- Ahhh! Olha isso! – me apertando várias vezes – você existe! Eu consigo apertar você!
E me abraçou muito muito muito forte. Doeu! Aquele abraço doeu no peito, por dentro, como se estivesse torcendo todos os músculos, como se fosse um espasmo. Eu precisei puxar o ar com força para tentar conter a dor, e ele se curvou um pouco, demonstrando sentir a mesma coisa. Eu olhei nos olhos dele e estavam molhados. Não deu pra segurar nada, e eu também comecei a chorar, tentando não fazer uma cena, -- não chorar chorar, mas as lágrimas saíam sem eu poder controlar, não tinha como, não tinha mesmo. Ele me puxou de novo para abraçá-lo e falou no meu ouvido, bem baixo: “Por que eu tenho essa saudade de você?” Eu enxuguei os olhos dele o mais discretamente que pude, puxei o rosto dele para falar, no ouvido, que eu também não entendia, mas eu sentia o que ele estava sentindo.
A gente pediu desculpas, deu um tchau geral, eu peguei a minha bolsa e disse para a Wanda não se preocupar comigo. Quando ela perguntou se eu tinha a chave, ele respondeu antes que eu pudesse pensar:

- Ela não vai voltar hoje.
Eu franzi a testa pra ele, como se tivéssemos um segredo, mas ele me olhou meio bravo, meio me repreendendo e disse num tom mais grave:
- Você não vai voltar.
Tá, eu que não ia discutir, e nem queria mesmo voltar pra casa da Wanda onde eu estava hospedada há três semanas. A Wanda pediu pra gente contar o que estava acontecendo, e ele não me deixou responder. Disse que a história era muito longa, e que ele prometia contar depois, se tivesse um final feliz.

O Jack pediu o carro para o valet, e foi até o caixa pagar o jantar da nossa mesa. Disse que era o mínimo que ele podia fazer para agradecer o fato de ter conhecido a Katlin na infância e eu ter conhecido a Wanda um dia; de outra forma, nós nunca nos encontraríamos (imagina…a vida daria outro jeito, mas se ele podia dispor daqueles cento e poucos dólares, por que não?).
Eu fiquei na porta, esperando. Minutos depois, ele chegou por trás de mim, me abraçou, enfiou o rosto pelo meu cabelo e falou no meu ouvido:

- Quando a gente sair desse lugar eu vou te beijar tanto, mas tanto, que você vai morrer de beijo. Pode?
Eu ri, mas queria morrer! Você não sabe o que é ter aquele homem com todo aquele corpo que eu duvido que seja criação de Deus -- Deus não faria nada tão absolutamente irresistível – encostado atrás de mim falando no meu ouvido. Eu só consegui responder o óbvio: “Tenta.”
Era como se a gente estivesse junto há muito tempo. E estava, porque já fazia mais de um ano que eu sonhava com ele quase todas as noites. Ele não era novidade para mim, mas eu não sabia ainda a versão dele; ainda não tínhamos começado uma conversa que esclarecesse toda essa energia maluca que tomou conta de tudo, e que talvez fundisse de uma vez a cabeça dos dois.
O carro chegou, o valet abriu a porta para mim, eu entrei e já conhecia aquele cheiro de café, cigarro e perfume, misturado com banco de couro e cachorro. Parece horrível, mas eu juro que não é. É cheiro de carro de Jack, e eu já tinha aprendido a adorar aquilo em sonho, por isso não conseguia parar de sorrir. Ele entrou no carro e arrancou. Acho que dirigiu 300 metros sem falar, virou a esquina de uma rua tranquila, cheia de árvores e cercas baixas, em Beverly Hills, parou o carro, desligou, sentou virado pra mim, acendeu dois cigarros, me entregou um e começou a falar.

- Eu não tenho a menor idéia de quem você é. Eu sei que eu agi feito louco lá, mas não deu pra controlar nada. Era forte demais ver você ali e eu tinha que pegar em você, tinha que te olhar, e ah…você não deve tá entendendo nada!…mas você tá aqui!
Ele pegou a minha mão esquerda, começou a fazer carinho no meu braço, viu a minha tattoo e sorriu.
- Até isso é de verdade…
- Jack…
- Espera, não fala. Deixa eu te contar o que aconteceu, que acontece faz tempo. Você precisa ouvir pra não me achar um doido, até porque a essa altura não tem mais como eu fazer as coisas devagar, tentar não assustar você…e se eu assustei, me desculpa, mas não foge de mim, tá?…quer dizer, se você quiser fugir, eu não vou poder impedir, mas deixa antes eu te contar…
- Jack. Eu não vou fugir, você não me assustou, e acho que eu sei o que acontece…

Ora segurando as minhas duas mãos, ora fazendo uma verdadeira excursão pelos meus braços, sem parar, ele contou.

- A primeira vez faz um ano eu acho. Eu não sei direito quando começou. Eu sonhei com você, e você me pedia pra não esquecer o seu rosto. Só isso, muitas vezes, e o seu cabelo não tinha como esquecer, – mexendo no meu cabelo – era bem assim…

Enquanto ele mexia no meu cabelo, eu mexia no dele, e não tem como explicar a sensação de ter os cabelos dele passando por entre os meus dedos. É muito maior do que simplesmente ter cabelos passando entre os dedos: são os cabelos dele que muitas e muitas noites passaram pelo meu rosto, pelo meu pescoço, pelo meu peito, pelas minhas mãos, mas não eram reais. Agora são.
Ele continuou:
- Depois eu sonhei de novo, outra coisa, e depois de novo, e você foi chegando mais perto, já tinha me convencido a não esquecer a sua cara, e já tinha me dito outras coisas, e eu tinha medo. Me incomodava sonhar todo dia com a mesma pessoa, parecia coisa de gente maluca. Eu comecei a dormir mais tarde, não dormir, beber pra dormir mais pesado, e só baixei a guarda muito depois, na noite que eu toquei em você, e foi real. Então eu quero que você entenda o meu estado quando eu te vi. É você, entendeu? A minha loira do sonho. A mulher que dormiu comigo esse tempo todo, que eu vi todo dia, que eu não sabia se existia em algum lugar do mundo, se tava morta e era um fantasma, se era de verdade, se era imaginação, sei lá. Nem sempre a gente só falou. Nem sempre você só tava lá. Muitas vezes, muitas, inúmeras, incontáveis vezes a gente fez amor. E é mágico...

Eu fiquei sem jeito, mas eu sabia. Sabia de tudo e sabia do sexo, claro, porque ele também não ficava passeando nos meus sonhos, brincando de sereia no fundo do mar para sempre. Ele saiu do mar logo…e logo estava na minha cama.

- Eu sei.
- Sabe?
- Sei tudo, Jack…
- Você também?
- Também. Eu sonhei com você todo dia também, morri de aflição também, desisti de dormir também, baixei a guarda e entreguei a chave do castelo...também.
- Então você sabe…
- O que?

O Jack real tinha uma coisa melhor do que o Jack do sonho: ele era milhões de vezes mais carinhoso. Eu não vou dizer que ele é fofo, porque fofo é ridículo e não combina com um homem daquele tamanho. Se aparecer uma palavra que signifique a mesma coisa sem ser ridícula, eu vou ter prazer em dizer que ele não é fofo. Mas é. Ele é todo olhares e mãos…ele fala com palavras e com os olhos, com as mãos e com os ombros, ele diz o que quer e confirma com o resto do corpo. Ele é todo verdade, todo transparência e tudo o que essa verdade e essa transparência tinham para dizer, é que ele era o homem mais feliz do mundo por estar perto de mim, e não queria deixar isso acabar por nada nesse mundo.

- Que eu não vou desgrudar de você.
- Pergunta se eu quero.
- Eu não….

E ele me beijou. Lembra aquela hora que a gente se abraçou no restaurante e sentiu uma dor estranha, no peito? Dobra aquilo. Era uma coisa aguda, o coração sendo torcido feito uma toalha molhada, quase insuportável e ao mesmo tempo, pasme, trazia um alívio gigantesco. E o beijo? Foi como fechar um círculo que não devia estar aberto. Foi como beber água fresca depois de quarenta dias no mar; como um jato de sangue no cérebro depois de um desmaio. Alívio, volta para casa, terra firme finalmente. Depois, o beijo tornou-se hipnótico, tirando a nós dois do chão, fazendo com que o resto do planeta deixasse de existir e fôssemos só lábios, línguas, e um ballet de nós dois flutuando no espaço... uma droga que faz a pele tornar-se elástica e infinita, cada toque ser multiplicado por mil, fazendo a pele ser a única vida possível.
O Jack afastou os lábios um pouco, segurou minha nuca, olhou nos meus olhos e me disse o que eu sentia:
- Saudade…
- Muita.
- Não vai mais embora…nunca mais fica longe…
E me abraçou como se soubesse o que estava dizendo.

Nós saímos dali e fomos para a casa dele. Assim que entramos, o celular tocou e ele atendeu.
- Oi… desculpa desculpa desculpa! Eu esqueci. Desculpa.
Era uma mulher no telefone, dava pra saber pelo timbre da voz.
- Eu fui comprar o vinho. Comprei e tudo, mas encontrei uma pessoa, nem peguei o vinho…e saí com ela…eu tô com ela aqui.

Ele me olhou sorrindo todo feliz, me pegou pela mão e me levou para a cozinha, abriu a geladeira e pegou uma coca-cola, me mostrou, meio perguntando se eu queria, eu aceitei, ele colocou no balcão, pegou dois copos, encheu de gelo na porta da geladeira, abriu o refrigerante e dividiu nos dois copos.

- Não, você não vai acreditar, então nem vou contar.

Jack me entregou um dos copos, encostou no balcão ao meu lado com as pernas abertas, me puxou para a frente dele me encaixando entre elas e me abraçou, ainda falando no celular.

- Tá. Eu te conto e desligo: é a minha loira.

Eu escutei o grito dela do outro lado.

- DO SONHO?
- Do sonho…
- Como assim? Ela existe?
- Yep. E tá aqui comigo. Beijo tchau.
- Não! Me conta direito!
- Beijo tchau!!!
E desligou o telefone com o maior sorriso do mundo. Eu perguntei quem era e ele disse que era a irmã, que muitas vezes disse pra ele fazer terapia, porque estava obcecado por um fantasma.
Daquele sorriso lindo veio outro beijo, agora mais grave, quase que mais sofrido, prensado, engolido. Ele segurava as minhas costas me puxando para junto dele como se eu fosse fugir, usou as pernas para me prender, grudou em mim. Se afastou do balcão sem dizer nada e, ainda grudado me beijando, foi andando e me conduzindo. Quando eu quis me virar para ver onde pisava, ele me levantou no colo, colocou minhas pernas em volta do quadril dele e me levou para o quarto, nos jogou na cama, me olhou ofegante, tirando a camisa pela cabeça, me beijou outra vez falando dentro da minha boca:

- Deixa eu fazer de verdade o que eu fiz sonhando?

Claro que sim, lógico que sim, se ele prometesse que seria igual, mas eu não pediria uma coisa dessas, porque era difícil prever…De qualquer forma, nada que viesse do dono daquele beijo poderia ser diferente do que eu vi nos sonhos.
Eu fiz um "sim" com a cabeça, e senti o longo e aliviado suspiro que veio de dentro dele. Ele era meu. Não tinha como ser diferente. Assim que eu senti a mão dele levantando o meu vestido, subindo pela minha perna, tive mais certeza. O calor da palma, a pressão dos dedos, os movimentos perfeitos, delicados… As mãos eloquentes do Jack iam começar o seu mais belo discurso.
Se foi um raio que surgiu nas nossas mãos a primeira vez que se tocaram, uma tempestade magnética tomou conta de tudo quando ele entrou em mim. Foi lento, foi constante, foi mágico…Não sei se sei definir aquilo. Foi um respirar mais profundo do que o primeiro de todos, um nascimento, um dar à luz, foi romper a membrana invisível que separa as almas.

Depois de tudo, ficamos assim por um tempo que eu não sei contar…deitados de frente um para o outro, pernas trançadas, meu rosto colado no peito dele, os braços dele em volta de mim. Só o que se ouvia no silêncio mágico, eram as ondas quebrando na praia lá embaixo, e o entrar e sair lento, pausado, do ar dentro de nós.
- Mônica…
- Jack…
- Se eu disser uma coisa que tá engasgada aqui, você vai me achar maluco e fugir de mim?
- Se você continuar dizendo que eu posso fugir, vou.

Ele me abraçou mais forte.

- É que eu acho que eu...
- Fala.
- Não…não precisa.
- Eu sei...
- E você?
Eu me arrastei mais para cima, para olhar no olho dele.
- Mais do que eu sabia que podia.
Ele sorriu, me beijou e repetiu a minha frase:
- Muito mais do que eu sabia que podia…

Ali, na cama listrada pela luz que passava pela persiana de madeira, ficamos contemplando a imagem que por tanto tempo achamos que fosse só um delírio. Eu olhando pra ele, ele olhando para mim. Aos poucos, nossos olhos se renderam ao sono, foram ficando pesados, pesados, até se fecharem.
Pela primeira vez, em trezentos e noventa e nove dias, nenhum de nós precisou sonhar.


end of story

sexta-feira, outubro 10, 2008

Jack & Mônica

"the long and winding road that leads to your door,
will never disappear, I've seen that road before
it always leads me here, lead me to your door."


Lennon & McCartney

Então me diz como é possível? Como essas coisas acontecem com ela, assim do nada, e acabam dessa forma? Se eu contar, parece mentira. Se fosse comigo dariam risada e me internariam num hospício (não que ela não tenha tido vontade de se internar por conta própria). O fato é que coisas assim não acontecem fora dos filmes! A não ser que ela esteja no meio...

Foi um ano inteiro daquela loucura: ela tentando se fazer de normal, mas sofrendo em silêncio para lidar com a obsessão. Não contou para ninguém além de sua terapeuta, que nunca teve um resposta convincente, um diagnóstico, nada. Seria bem fácil dizer que ela era louca, se a coisa não tivesse começado sem querer, de um sonho que ela não pediu para sonhar. Era este o fato que despertava a curiosidade da psicanalista que, ao invés de tratá-la, resolveu ver onde aquilo ia dar. Bem por isso era uma aflição solitária. Todos os dias ela acordava e dormia com o mesmo pensamento, a mesma imagem cravada no cérebro, mas enfrentava o dia-a-dia como se aquilo fosse um preguinho no sapato ou um jeans meio apertado: "é ruim, mas dá pra aguentar".

De todas as pessoas com quem ela conversava, só uma trazia alguma paz. Era Naele - uma amiga que ela conheceu no Facebook, mais velha, escritora, do outro lado do mundo, com quem tinha longas conversas diárias que a aliviavam do peso da obsessão. Naele nem sonhava com a angústia da amiga, conversava com ela sobre política, livros, filmes, roteiros até altas horas da madrugada, até o cansaço ser grande o bastante para garantir uma noite sem sonhos.

Ela apertou o botão verde do Skype e esperou, mas ninguém atendeu. Talvez Naele estivesse dormindo...tentou de novo. Depois de três ou quatro toques de chamar, alguém atendeu o Skype. Não era Naele.
- Oi.
- Oi, quem é?
- Jack. Acabei de chegar e ouvi o skype no escritório...me meti.
- Ah...oi...tudo bem? Cadê sua mãe?
- Boa pergunta...fica aí.
Depois de algum tempo, Jack voltou ao computador.
- Acho que ela foi abdusida!
- hahaha!
- Não tem ninguém em casa. Só eu e você.
- Tudo bem. Eu falo com ela amanhã...obrigada Jack.
- Vai dormir?
- Não, mas vou desligar.
- E eu?
- Que que tem?
- Tão ruim assim falar comigo?

Aquela noite, Jack se encarregou de ajudá-la a dormir de cansada como se tivesse sido encumbido desta missão. Ele ouvia a mãe contar várias histórias da amiga, e já compartilhava de alguma forma da mesma admiração. Foi assim que nasceu o primeiro fruto da amizade com a Naele: as conversas com Jack passaram a ser constantes. Muitas vezes Naele estava no escritório e Jack no quarto, ambos falando com ela, e quando Naele viajava, era Jack quem enchia as noites de carinho e gargalhadas.
De qualquer forma, Jack e Naele eram um paleativo...um pain killer...um tylenolzinho. Os dias ainda tinham 24 horas, e as 3 ou 4 passadas com eles eram nada diante das outras, quando a obsessão voltava com força. A cada pausa no trabalho um search no Google para ler possíveis notícias ou fofocas sobre o alvo de sua obsessão...a cada olhada no espelho uma conversa imaginária; a cada quilômetro no carro uma cena tórrida, um beijo na boca, uma frase matadora, uma vontade de se internar para fazer sonoterapia até o mundo acabar.

Quando ela perdeu uma pessoa querida a dor fez com que a obsessão a deixasse respirar um pouco. Mais uma vez, o alívio da dor morava na voz de Naele e na presença de Jack em seu celular, seus e-mails, suas madrugadas. Jack era perfeito, se não fossem seus três defeitos principais:
1. ser filho de uma amiga
2. ser infinitamente mais novo do que ela
3. não ser aquele que habitava seu espelho todos os dias

De qualquer forma, houve noites em que desligar o computador era a única saída para não cair em tentação. Houve momentos em que Jack se afastou, e ela chegou a sentir ciúmes misturados a saudade e raiva de estar tão longe -- em todos os sentidos. Houve dias em que um novo sofrimento se somava ao habitual, e seu nome era Jack.
E a terapeuta? Nada! A terapeuta deu graças a deus quando Jack entrou em cena. Pelo menos ele era real. "Real? Ele é mais que irreal! Ele é inconcebível! Ele não existe e fim!" Nestes dias, abrir o Google e ocupar a cabeça com a imagem do amor impossível, era o melhor remédio.

O tempo passou e muito pouco mudou. Jack ia e vinha, como se às vezes precisasse se afastar e às vezes não vivesse sem saber da existência dela. A velha obsessão continuava tirando o sono dela e dividindo seus dias entre horas de lucidez e horas de insanidade.

Era Novembro quando Naele convidou-a para passar a semana de Ação de Graças em sua casa na montanha. Fim de ano foi sempre uma época de pouco trabalho e muita tristeza, por isso ela aceitou o convite, pensando até mesmo na hipótese de encontrar trabalho por lá e ir ficando. "Quem sabe os problemas são barrados na imigração e ficam para trás?"

.........................0............................

20 de Novembro.
Ela, seu notebook e sua mala chegaram à porta da casa de Naele, em Mammoth Mountain. O frio era obviamente cortante na estação de esqui, nesta época do ano. Encasacada, enrolada em cachecol, luvas, capuz, ela esticou o braço para fora do carro que dirigia e tocou a campainha do portão.
- Alô?
- Oi, é Mônica*.

O grande portão de ferro se abriu como se fosse a Playboy Mansion, enquanto ela conferia o endereço no e-mail amassado que tirou do fundo da bolsa. Em um ano de conversa com Naele, ela jamais soube que a amiga morava numa casa assim. "Se isso é a casa da montanha, o que será a casa em Los Angeles?" Subiu a longa driveway até a entrada da casa, onde foi recebida por um segurança que abriu a porta do carro e perguntou se ela tinha bagagem.
- No porta malas...
- Eu cuido disso. Seja benvinda.

Surreal...muito surreal. Ela sempre imaginou Naele como uma mulher simples, com o computador ligado num escritório improvisado na copa, a máquina de lavar louça batendo enquanto se falavam...E Jack? Jack para ela era um homem bonito e mal vestido, que bebia cerveja vendo jogo com os amigos num sofá de veludo verde gasto. E por que isso? Nem imagino!
O segurança abriu a porta da frente e disse que ficasse à vontade. Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, a porta se fechou atrás dela e era só ela e a sala enorme, rústica, com uma lareira quase da sua altura.
- Hello?? Alguém?
Ela foi tirando as luvas e o casaco, começou a desenrolar o enorme cachecol quando uma porta bateu em outro cômodo. Ela largou suas coisas em cima do sofá e seguiu o som, andando pela casa.
- Oie...?
As duas folhas da porta da cozinha se abriram. De dentro delas saiu o que para Mônica era uma assombração. Descalço, de camiseta branca e jeans, cabelo despenteado, veio ele: Mister Obsession em pessoa com seus olhos azuis, sua pele bronzeada, seu sorriso incrível...
- Oi? - ele disse com ar de curiosidade
Ela demorou uma eternidade para poder responder.
- Ta tudo bem?
- Err...oi. Eu...eu acho que entrei na casa errada...eu tenho um endereço, mas acho que...

Mais surreal! Só acontece com ela, eu falei! Ela viajou dezoito horas, pegou um carro alugado e dirigiu um monte, o jet leg fazia com que ela se entendesse cada vez menos. O que aquela criatura estava fazendo naquele endereço? Era amigo do Jack? Era um fantasma? Ela estava sonhando de novo e ia acordar no avião?

- Calma, deixa eu ver o endereço.
Ela não conseguia sequer se mexer.
- Ta tudo bem?
- Não. Quer dizer...não sei.
Ela andou até a sala onde tinha largado as coisas, pegou o papel na bolsa e ele se aproximou para ler.
- Ta certo. É aqui. -- Mas ele franziu as sobrancelhas quando viu o nome no papel. Tirou o papel da mão dela, desdobrou nervosamente, leu o e-mail inteiro. -- Mônica? Você não é a Mônica!
Mais confusa ainda ela respondeu que sim, ao que ele não reagiu bem.
- Como assim? Você ta brincando, ne?
- Não...brincando por que? Eu sou a Mônica. E você ta aqui por que?
- Eu moro aqui. Jack. Eu.

Hello? O mundo caiu!
Jack e Mr. Obsession eram a mesma pessoa? Durante um ano ela esteve dividindo sua atenção entre Jack e Jack, sem saber? Durante um ano ela fazia Jack e Jack trocarem de lugar para aliviar o coração da paixão por um e da obssessão por...ele mesmo?
Mas o nome da mãe do Mr. Obsession não é Naele! Não...é Meredith N. Stephen -- Meredith Naele Stephen -- mãe de Jack Lindermann -- nascido Jacob Stephen-Lindermann -- Hollywood hunk, superstar, parte do top ten list de atores mais bem pagos, um dos solteiros mais cobiçados do showbis. E a terapeuta? Fuck a terapeuta! Agora tudo estava mais do que confuso...ou não.

- Jack? Não pode ser...
Ela riu e se aproximou dele mas ele deu um passo atras.
- Você não é a Mônica. A Mônica é velha.
- Eu sou velha.
- Não é. A Mônica tem a idade da minha mãe.
- Não. A sua mãe tem 62, eu tenho 45.
- Você não pode ta falando sério.
- Que que ta acontecendo?
- Olha pra você. Eu passei um século achando que você era igual à minha mãe e você aparece desse jeito...?
- Que jeito?
- Assim! -- ele apontou pra ela, olhando de cima abaixo -- olha a tua cara! olha o teu corpo! olha tudo...por que que você não...
Bufando furioso, ele comprimiu os lábios com raiva, deu um soco no aparador perto do sofá.
- Jack...calma...por que você ta com raiva?
- To. Eu to odiando você Mônica. Você não faz idéia. Não faz idéia...

Ela nem pode se recuperar do primeiro golpe e já estava tentando entender mais uma parte dessa história maluca. Ele se alterou, falava muito alto, com gestos grandes:

- Você sabe quantas noites eu quis bater a cabeça na parede até parar de pensar em você? sabe quantas vezes eu quase entrei num avião pra ir te falar que "foda-se se você tem cento e dez anos e tá apoderecendo, porque é com você que eu quero ficar"? Você tem noção das coisas que eu passei? Do quanto eu enchi a cara? Eu fui no psiquiatra!
- Jack...
Ele chegou bem perto do rosto dela, com muita cara de ódio:
- Sabe com quantas mulheres idiotas eu saí, de saco cheio porque ia levar 40 anos pra elas chegarem aos seus pés? Sabe quantas mulheres eu comi pra tentar gostar de alguém? E agora você aparece, 20 anos mais nova...
- Vinte anos mais velha que você.
- São 17. E foda-se!
- E amiga da sua mãe.
- Foda-se também...puta que pariu, Mônica, eu virei um lixo! Por que você acha que eu passava tempos sem entrar online? Porque eu tinha que largar você, entendeu? Eu tinha que tentar achar outra coisa pra fazer, que fosse melhor do que ficar me torturando. Mas quer saber? Não tem!
Ela riu e balançou a cabeça...
- Por que você nunca me disse que era o Jack Lindermann?
- E agora, olhando pra você aí, toda bonitona, me dá mais raiva ainda de pensar que você tem aquela paixão idiota pelo cara la que você não diz quem é! Antes okay...você tem a idade da minha mãe e ele deve ser um velho, azar! Mas não é ne? quem é ele, Mônica?
- Jack, eu acabei de chegar....eu to cansada, com jetleg, acabei de ver a sua cara pela primeira vez, ainda nem me recuperei, e você ta tendo o ataque de ciúme mais absurdo que eu já vi!
- Absurdo o caralho, Mônica! Eu to puto! To me sentindo idiota, trouxa, traído pra caralho!
- Jack...
- Por você e pela Dona Meredith que merece morrer! Que ódio!
- Jack...vem cá.-- ela se aproximou dele, tentou abraçá-lo.
Ele se afastou bruscamente, empurrando os braços dela para longe.
- Abraço nada! Sai!

Sem dizer nada, ela virou e foi buscar a bolsa e o casaco.
- Onde você vai?
- Cadê a sua mãe, Jack?
- Só chega de noite.
- Então diz pra ela que eu volto quando ela tiver em casa.
- Onde você vai?
Ela pegou as coisas e foi para a porta.
- Eu volto à noite! - respondeu sem olhar para tras.

.........................0............................

21 de Novembro

- Mãe, cadê a Mônica.
Sem tirar os olhos do computador, uma Naele meio calma demais responde:
- Não sei...você me diz.
- Ela não voltou?
- Você viu ela aqui?
- Mãe eu não acredito que ela não ligou pra você. Fala!

Naele girou a cadeira lentamente na direção dele, pegou a carteira de cigarro, ofereceu a ele.
- Quer?
- Não mãe. eu quero saber cadê a Mônica, só isso.
- Tentou o celular?
- Ela não atende. Você falou com ela?
Ela acendeu o cigarro, tragou, soltou a fumaça muito calma
- Você atenderia, Jack?
- Mãe, ela ta sozinha em algum lugar. Ela DORMIU sozinha em algum lugar. Me diz que você sabe onde ela tá.
- Eu sei onde ela tá, Jack, mas não vou te falar e você também não vai atrás dela.
- Eu preciso.
- Não. ELA precisa de um tempo. Você fez todo o seu comício e não deixou ela falar. Você gritou e esbravejou porque acha que sofreu, meu filho.... mas ela passou por coisas muito piores que você. Ela não tinha comício pra fazer, mas podia ter tido um enfarte a hora que te viu.
- Como assim? Por que?

Medindo as palavras, Meredith contou a Jack o que a amiga disse a ela, chorando, num Café no centro da cidadezinha. Toda a história da obsessão, desde o sonho, até o momento em que Mônica percebeu que estava se apaixonando por Jack e tentou evitar. Todos os conflitos que ela viveu no decorrer do ano por se achar louca, antes apaixonada por uma foto, depois pelo filho da amiga, vinte anos mais novo...

- E o que que você acha disso tudo, mãe?
- Eu acho que vocês dois perderam tempo demais. Você podia ter me pedido pra ver uma foto da Mônica; eu tenho acesso a milhares delas. Você podia ter me dito o que tava acontecendo, eu daria um jeito de vocês se encontrarem antes. Ela podia ter me contado sobre qualquer uma das paixões dela e eu teria ajudado - com qualquer um dos dois...
- Você podia achar ruim ela ser sua amiga, e a diferença de idade, brigar comigo, sei lá.
- Jack...você é o meu filho querido. Ela é a minha amiga querida, e se não fosse, eu não chamava ela pra vir pra cá. São as duas pessoas que eu mais quero ver felizes.

Jack deu um beijo na mãe que o abraçou por um bom tempo.

- Como você é burro, Jack Lindermann...
- Que que eu faço?
- Vai tomar um banho e ficar lindo.
- Mas mãe...
- To falando...vai logo!

Assim que ele deixou o escritório, Naele saiu. Ao entrar no carro, falou com o segurança:
- Minha amiga Mônica vai chegar. Ponha as malas dela na ante-sala do quarto do Jack, sem que ela veja, e avisa os dois que eu volto dia 24 pra receber os convidados.
- Sim senhora. Boa viagem.

Quando a Mônica chegou, a casa estava vazia e silenciosa. Ela andou pelos cômodos sem encontrar ninguém...entrou na cozinha, passou pelas várias salas, entrou no corredor. Havia música vindo de um dos quartos. Foi até a porta, virou a maçaneta devagar, a música aumentou um pouco. Era uma sala de estar com um sofá, TV, fotos de Jack na estante...e outra porta que ela tentou abrir, mas estava trancada. Bateu.
- Jack?
Sem resposta.
- Jack? Abre? Sou eu...
Bateu novamente.
Cléck. A porta foi destrancada.
A maçaneta girou lentamente.
A porta se entre-abriu.
De cabelo molhado, sem camisa, um "meio Jack" apareceu.
- Oi.
- Oi... preciso contar uma coisa que você não sabe.
- Hm...medo das coisas que eu não sei.
Encostados na porta, meia Mônica para dentro, meio Jack para fora, palavras pausadas, frases curtas, os dois falando baixo, quase sussurrando, muito perto um do outro. Jack fingindo fazer pouco de cada frase dela.
- Aquele cara que eu falei...
- hum.
- ...que eu me apaixonei assim...sem volta...?
- Sei...
- Ele tem olhos incríveis...
- É?
- É...e um sorriso.
- hum.
- ... quase a prova de que deus existe...
Jack sorriu, com os olhos brilhando, e provocou:
- Que mais...?
- O corpo dele...
- Que que tem?
Ela encostou a testa no peito dele:
- É muito pra mim...Jack.
- É nada... -- abraçando -- ...conta mais.
- As mãos?
- Que que tem?
- Parece que se eu der a mão pra ele... se a minha mão couber na dele...e cabe, eu posso andar pra sempre, sem medo de nada.
Jack pegou a mão dela, fechou a sua até cobrir a dela, entrelaçou seus dedos. Ela sorriu, com a outra mão engatou um dedo no cós do jeans dele, puxou para perto.
- Mas mesmo que ele não fosse assim, eu...
- Você...
- ...ia ser louca por ele...

Ele puxou Mônica para dentro do quarto
- Vem aqui, velhinha...


Ai ai...
Tem coisas que não acontecem fora dos filmes, mas eu juro: acontecem com ela!
Livre de um hospício, ela agora vivia outra agonia: suportar ser Mrs. Jack Lindermann - a bruxa malvada estrangeira e velha que fisgou o peixe que todas queriam -- revista de fofoca...tablóides...fans enlouquecidas...falta de privacidade... cenas de amor com atrizes lindas e jovens...viagens intermináveis. Mas no fim do dia, todos os dias, ainda era a presença de Jack que curava tudo, e fazia a vida valer a pena.

É a vida que imita a arte, ou a arte que ouve os sonhos dos vivos?


Bom fim de semana.


*Acho que vai ser pra sempre Mônica

segunda-feira, outubro 06, 2008

Escuro

"golden slumbers fill your eyes,
smiles awake you when you rise.
sleep pretty darling do not cry,
and I will sing a lullaby."

Lennon & McCartney


E se ele acordou do sonho com aquela mulher, sem entender onde estava ou o que ela quis dizer?
- É só um sonho.
- É? E por que me acordou, como se eu tivesse que prestar atenção?

- "Não esquece o meu rosto...olha bem...não esquece o meu rosto." Como se fosse possível esquecer.

E se ele acordou e não se lembra, e vestiu uma bermuda, uma camiseta, um tênis e foi correr? E se o telefone tocou dez vezes durante a corrida, e em todas elas ele achou que fosse uma notícia importante que ele não sabia de quem? E se o suco que ele sentou para tomar tinha gosto de coisa nova que ele não sabe o que é? E se toda vez que ele olhou para a cadeira à sua frente, parecia que alguém ia sentar e falar com ele?
- Oi, não esquece o meu rosto.
- Ein?
- Não esquece...

E se ele só acordou depois das dez e não foi correr? E se o omelete estava ruim e o dia parecia começar horrível? E se ele olhou para o quadro da sala e estranhou o rosto da mulher pintado com cores fortes, o cabelo parecia não poder ser tão armado; e ele chamou a empregada pra ajudá-lo a tirar o quadro da parede porque queria outro no lugar, com outro cabelo, com outra cor...como se ele soubesse o rosto que devia ser pintado mas não soubesse onde encontrá-lo?

E se a essa hora ele achar que o dia foi estranho? E se ele achar que falta alguma coisa? E se ele sentir que tem um vazio estragando tudo, que não estava lá ontem? E se todo lugar que ele olhar tiver uma lacuna que ele não sabe preencher?

E se ela deitar outra vez, assim que a noite esfriar, e se ela fechar os olhos de leve sentindo o peito apertar? Se uma lágrima escapar junto com um meio sorriso, como se ela soubesse por que chora e tivesse motivo novo para sorrir? E se o sono pesar em sua cabeça levando a consciência para onde ela não alcança? E se nesse imenso nada negro o rosto dele se formar e a voz que ela conhece entrar em seu cérebro dizendo: "Não esquece o meu rosto..." ?

E se encontros fossem possíveis fora da escuridão?


sexta-feira, outubro 03, 2008

Perguntas que me intrigam

Existem perguntas sem respostas decentes. Perguntas para as quais, mesmo que eu repita todos os dias, encontro semi-respostas, que não me convencem.

. O que faz a minha empregada guardar livro na estante de cabeça para baixo?
. Por que o dicionário da Apple é de português de Portugal?
. O símbolo da medicina - o caduceu - são duas cobras em espiral ascendente em torno de um bastão, vem da mitologia grega (Hermes) e se assemelha à forma do DNA. Quem sabia da existência do DNA na Grécia antiga?
. Onde vão parar os elásticos de cabelo? E os pregadores de roupa?
. Quem disse que o José Mayer é bonito?
. Por que sempre tem Tylenol quando você procura buscopan e o Tylenol some quando você tem dor de cabeça?
. Como encontraram tabaco no corpo dos Faraós, se o tabaco só existia nas Américas?
. Você conhece alguém que ferva algo na chaleira além de água?
. Quem disse pro Edson Celulari que ele fica bonito de sobrancelha tirada?
. Você já vestiu uma bota que não tivesse uma meia esquecida dentro?
. Quem deu o mapa de Orion para os egípcios reproduzirem com pirâmides?
. Por que as pessoas falam sozinhas em novela?
. Eva foi feita de um pedaço do corpo do Adão. Como você explicaria "clone" para índios de uma tribo isolada?
. Alguém acha mesmo que o Q da Globo é de Qualidade? Já viu que, na novela, tudo treme quando bate uma porta?
. Quantos anos o Agnaldo Rayol tinha quando nasceu? Ele já era todo esticado?
. As células-tronco podem ser tiradas do cordão umbilical. Quem avisou para os antigos que eles deviam guardar o cordão umbilical das crianças?
. Por que todos os santos e deuses descem do céu fazendo barulho e cercados de luz?

I carry your heart in mine

e.e.cummings by heath ledger


ou aqui.

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart(i carry it in my heart)

domingo, setembro 28, 2008

Fragmento (pensando no banho)

Ela estava no balcão, entediada, esperando o tempo passar. Quanto mais tarde saisse dali, menos tempo passaria se dando conta do quanto estava sozinha. Um olhar brilhou do outro lado do bar, por entre todas as mesas, todas as pessoas que conversavam alto, bebiam e riam, e faziam com que ela fosse o único ser solitário de um universo inteiro. Sem saber muito o que ou quem era, ela não pode evitar de virar-se. Do outro lado, ele sorriu discretamente e moveu a cabeça num cumprimento sutil. Ela sorriu de volta, sem mostrar os dentes, e tornou a encarar seu copo de água mineral com gas e suco de limão.
A garçonete passou por detrás dela, puxou uma pequena mexa de seus cabelos crespos, aproximou o rosto de seu ouvido.

- Vai ficar bêbada, Monica.
- Ah vou... - respondeu sorrindo
- Devia. Não aguento mais te ver assim.

Mônica balançou a cabeça sem olhar para trás, num sinal claro de que a conversa não a interessava, e tomou mais um gole de água com gas.
Ao ouvir um pedido de licença, ela afastou um pouco seu banco para a direita, abrindo espaço para uma jaqueta marrom, cujo dono parecia ocupar mais espaço do que lhe era de direito. Incomodada, virou-se para a esquerda pronta para reclamar ou no mínimo fazer cara feia, mas seu mal humor foi interceptado por um sorriso.
- Posso te pagar um drink?
- Não, obrigada. - disse com um meio sorriso querendo escapar, e deu mais um gole na água com gás.
Ele baixou a cabeça, rindo
- Droga...um cheese cake?
Ela abriu um pouco mais o sorriso, sem poder evitar.
- Não...
- Um salgado, um jantar, um café?
- Não, obrigada.
- Flores?
Ela apenas sorriu.
- Carona?
Ela balançou a cabeça negativamente.
- To de carro.
- Uma casa, um castelo na Suíça, um anel de diamante?
- Nada.
- Não é possível...você tem que querer alguma coisa. Não tem nada que eu possa te dar?
Ela virou-se inteira, olhou para ele cuidadosamente observando cada detalhe do rosto, do cabelo, da roupa...
- Não, nada.
- Pena...
Ele se preparava para sair quando ela o segurou pelo braço.
- Mas não precisa ir embora.
- Posso ficar?
- Pode.
- Eu tava me achando um completo loser.
- Losers não usam esse perfume. - e olhando para o barman - dá uma vodka pra ele.
- Como você sabe que eu bebo vodka?
- Eu não sei.
Pegando a bebida, ele disse:
- Você não precisa de nada...mas eu preciso: seu nome.
- Mônica.
- Edu.
Os dois apertaram as mãos, mas quando Monica tentou se desvencilhar, ele segurou sua mão com mais força.
- E se você pudesse pedir qualquer coisa essa noite, e eu pudesse realizar o seu desejo, o que seria?
Ela sorriu.
- Se eu pudesse...hum...um namorado de mentira. Só hoje. Alguém pra fingir que é meu namorado.
Edu soltou a mão dela olhando em seus olhos com estranheza.
- Você não precisa disso...
- Você perguntou, eu respondi.
- Você é linda! Eu não acredito que ninguém...
- Não. Ninguém...
- Não dá pra acreditar.
- Bom, você perguntou. E é isso. Só hoje eu queria que alguém me amasse como eu sempre quis. Me quisesse como eu sempre sonhei. Fosse apaixonado, me surpreendesse...mas...

Ele tirou uma cacho de cabelo do rosto dela
- Por que?
- Porque já passou, eu já tive, acabou, não tem mais.
- Por que?
- Por que o que?
- Ele te deixou.
- Ele estava lá...presente...totalmente presente, e bum. Foi instantâneo, ninguém pôde fazer nada. Se foi. De lá para cá eu não quero. Ninguém vai conseguir que eu....impossível. Mas tem dias...
Com um suspiro longo, Edu afastou o banco alto do bar, pegou a mão de Mônica e a induziu a levantar também.
- Vem cá.
Ela levantou sem entender.
- Onde?
- Vou começar como se começa.
Ele puxou Mônica.
- Dança comigo. Eu sou o seu namorado hoje.

Sem saber reagir, Mônica foi com ele até a pista de dança.
- Que maluca...desculpa Edu. Eu nem te conheço e...você não precisa fazer isso.
- Como não me conhece? Eu sou seu namorado há séculos.
Ela sorriu
- Não sei qual de nós é mais louco.
- Você, claro...ainda bem, senão eu ainda estaria te olhando de longe. Ia ser péssimo. "Quer um drink? um castelo...?" hahaha eu sou patético.

Pela primeira vez Mônica sorriu de verdade, com todos os dentes, vendo nos olhos dele o mesmo brilho que veio do outro lado do bar, minutos atrás.
- O que você quer? - ela perguntou
- De você?
- De mim. Um castelo, um anel de brilhante...?
- Um beijo.

Edu segurou o rosto de Mônica com uma das mãos, puxou-a para perto e beijou sua boca. De olhos fechados, Mônica sentiu nos lábios dele o que já havia esquecido. Entre beijos ela sussurrou:
- Não pode...
- Shhhhh...eu sou seu namorado.
- Só hoje...
e voltando a beijá-la Edu respondeu:
- Impossível...



Fade to black
Sobe música
bye bye.