quarta-feira, novembro 26, 2008

Três - o deck


- Não caia daí.

Era o mesmo homem que a havia segurado quando torceu o pé. Ele perguntou:
- Então... além de ser uma das mulheres mais interessantes da festa, quem é você?

Ela sorriu um pouco tímida.
- Nani Gaya.
- Muito prazer, John McAlister.
- Eu sei.
- Isso é bom?
- Não é tão ruim... - ela respondeu.

John McAlister era o ator-revelação daquele ano. Depois de anos de teatro em sua terra natal, fez alguns filmes na Inglaterra e estourou em Hollywood como um dos maiores fenômenos das últimas décadas. Não sem razão. Ele era realmente um talento incrível. Aos 30 anos já havia ganho um Oscar e um Globo de Ouro por seu primeiro filme na América, e incontáveis indicações e muitos outros prêmios pela Europa. Não muito alto, mas dono de um corpo atlético, olhos indecentemente azuis e cabelos escuros, McAlister arrancava suspiros de toda uma geração.

- Então? O que você é do Mitch? Uma das....

John moveu a mão em círculos como quem quer generalizar alguma coisa. Imediatamente, Nani franziu as sobrancelhas e respondeu:
- Não. E você? É um dos....

E imitou o gesto dele, que soltou uma risada gutural.
- Não não, sem chance!
- Bom saber.

John fez uns trejeitos de bicha.
- Oi, eu sou um dos meninos do Mitch, mas ele não faz muito o meu tipo, sabe? Ele é grande demais!

Aquela brincadeira não caiu bem para Nani. "Como assim? Quem são "as meninas" do Mitch?" Mesmo assim, ela entrou na brincadeira.
- Isso causaria suicídio coletivo.
- Imagina... O Mitch não é gay. Nem eu. Depois, se eu fosse escolher um homem pra chamar de meu, seria alguém da minha estatura.
- Estatura profissional, claro.
- Não! Concorrência dentro de casa seria catastrófico pra relação!

Os dois riram daquela bobagem, mas o início da conversa ainda batia mal em Nani.
- O que você faz? - perguntou ele sentando-se ao lado dela no deck.
- Escrevo.
- Cinema?
- Não, romances e livros infantis. Mais livros infantis, fantasia e tal.
- Uma pérola entre os tubarões...Quem deixou você entrar aqui?
- É tão perigoso assim?
- É, mas não se preocupa. Eu protejo você.
- Haha! Agora eu fiquei tranqüila!
- E esse sotaque incrível é de onde?
- Brasil.
- Ah! Entendi.
- Ah não! Você não vai dizer que entendeu por que que eu sou bonita, nem vai perguntar se eu já fui modelo de lingerie. Por favor!
- Nunca! Mas...posso perguntar se você já foi piloto de fórmula 1?

Sem poder evitar, Nani soltou sua super gargalhada semi-escandalosa.
- Você é linda rindo assim.

PAUSA:
O olhar de McAlister era muito pior ao vivo do que nas telas. Nas telas ele já tinha derretido o coração até das mulheres mais duronas. Na platéia, ele matava milhares de meninas desesperadas quando lançava seu olhar num extreme close-up. Pois agora ele estava olhando para Nani com um sorriso que queria evitar de ser sério, escondendo que subitamente ele não queria rir - só admirar. O famoso Mac-olhar transformava uma frase simples num tiro certeiro no centro do alvo: a boca do estômago de Nani. Ela desviou o olhar dizendo:
- Não me deixa sem graça.
- Ok. Só mais uma vez: eu adoro o seu sotaque.
- Tá bom então...eu me entrego: O seu também é absolutamente delicioso!

John ficou vermelho e um pouco desconcertado.
- Você fica vermelho!
- Ai. Me pegou...fico. Faz parte do meu charme escocês.
- Tá...eu não sou escocesa, então me explica porque que EU fico vermelha.
- Vê se eu acerto. Eu sou vidente, sabe? Quando eu era pequeno, eu tinha amigos elfos, gnomos, hobbits...eles me ensinaram e conhecer as pessoas só de olhar para elas.
- Ah...claro. Vai. Tenta.
- Preciso que você me dê a sua mão.
- Você disse "só de olhar". Nada de mão.
- Hm...droga. Então, se concentra.

E lá veio de novo o Mac-olhar com aquele sorriso...
- Você é uma mulher experiente, mas na verdade é uma menina sonhadora.
- Hm...tá fácil.
- Calma...Você se esforça para agir como esta mulher, mas a menina fala muito mais alto. Está nos seus olhos. Eles brilham demais.
Nani desviou o olhar.
- Você tem medo... - John demorou para terminar a frase e Nani voltou a olhar para os olhos dele com curiosidade e uma certa apreensão. - ...de deixar a menina vencer essa guerra. Porque você sabe que se a pessoa certa apertar o botão certo, você perde o controle.
- Mas que bruxo!...E essa "pessoa certa", seu bruxo? Ela existe?
- Por que?
- Porque eu quero ficar longe dela.

John sorriu o seu sorriso cínico, franziu a testa, olhou para cima...
- Caiu a conexão. Eles não me contaram essa parte.
- Ah...
- Dança comigo? - disse oferecendo a mão para Nani.
- Será?
- Não se diz "não" pra um homem mais baixo.

Nani levantou sorrindo, apoiou-se levemente na mão de McAlister que agia como um perfeito cavalheiro.



continua abaixo...



**este texto é parte do romance inacabado "Três".

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