quarta-feira, novembro 26, 2008

Três - a festa


Linda como a ocasião pedia, Nani respirou fundo e entrou sozinha no grande salão da casa de Mitch. Na entrada, encontrou Bob que cumprimentou-a brincando:

- É muita primeira dama pra UM aniversariante só...

Nani respondeu com uma acotovelada discreta na cintura de Bob e uma risada, e já se esticou para pegar uma taça de champanhe da bandeja que passou ao seu lado.

- Não me faz rir que eu to nervosa.
- Relaxa! Tá vendo todos esses tubarões? Tudo casca. São um monte de carneirinhos morrendo de medo de perder o pedacinho de pasto que conseguiu.
- Não é possível!
- Bem vinda a Hollywood, meu bem...
Bob segurou Nani como se ela fosse pisar em alguma coisa.
- Cuidado! Não pisa nas bolinhas que é cocô de carneiro.
- Bob! Pára! - Nani tentou não soltar sua gargalhada poderosa
- Cadê o Mitch?
- Por aí. Ele te acha já já.
- Muita ex-namorada pelo salão?
- Hehe...pergunta pra ele. Já volto.

"Já volto" é aquela frase tipo "pois é". A gente usa quando quer se livrar de alguma coisa. "Pois é" serve para encerrar um assunto e garantir que não haverá um próximo. "Já volto" é um pouco mais complicado. Geralmente quer dizer: tem muito mais gente interessante aqui e eu ainda nem sei quem chegou, então eu vou te deixar sozinha, porque a gente nem tem tanta intimidade pra eu me ocupar de você muito tempo.
Ok...sem problemas. Se o "já volto" não viesse de Bob, ele receberia um "pois é" em tempo recorde.

Nani andou pelo salão calmamente, cumprimentando quem a cumprimentava, olhando cada detalhe da decoração e dos vestidos que passavam por ela. Quem diria que Mitch faria uma festa com cara de filme antigo? Black tie, orquestra ao vivo, pista de dança, velas...Não faria muito sentido fazer 50 anos numa rave, mas talvez um luau fosse mais a cara dele, por morar em frente ao mar e ter na garagem de casa mais pranchas de surf do que anos de vida.

Ao passar por um vaso enorme de rosas brancas, Nani tropeçou num cabo de energia que não deveria estar ali, torceu o pé com a taça de champagne na mão sem ter muito onde se apoiar. Se caísse cortaria a mão, com certeza. Por muito pouco ela não perdeu completamente o equilíbrio e se estatelou no meio da festa com todos os tubarões olhando...só o que evitou o vexame eminente foram as mãos de um homem que surgiram do nada para segurá-la pela cintura.

- Ai! Obrigada.
- Cuidado, menina...

Ele manteve as mãos na cintura de Nani que, encabulada, tocou-as tentando se livrar delas.
- Ta tudo bem, pode soltar.
- Você tá bem? Tem certeza? Não machucou o pé?

Ele teve a intenção de se abaixar para conferir o estado do pé dela, mas ela tocou seus ombros imediatamente para que se levantasse.
- Não! Ta tudo bem. Obrigada. Mesmo.

Ele se afastou andando de costas e olhando para ela.
- Se precisar que alguém te segure, é só chamar. - virou-se, deu mais alguns passos e voltou-se para ela outra vez - Foi um prazer...

Nani não conseguiu conter seu sorriso aberto e seu olhos brilhantes. Os olhos enormes e o sorriso irônico daquele homem de sotaque escocês fortíssimo não poderiam receber nada menor. Ela concordou com a cabeça numa reverência e continuou sua expedição pela festa. Mais alguns passos e encontrou Mitch.

- Meu deus...Você tá incrível...
- Ah! Eu pensei que fosse passar a noite abandonada.
- E te largar no meio destes leões famintos? Nunca! Você ta linda...
- Quem falando...A verdade é que nós dois juntos somos incríveis.
- Olha minha mãe chegando...

Nani olhou para a entrada do salão e viu aquela senhora gordinha toda enfeitada entrando, orgulhosa.
- Vai lá receber a rainha.
Ele respondeu sussurrando:
- Não conta pra ela, mas só tem um rainha aqui esta noite, e é você. Vem comigo.

...

No decorrer da festa Nani foi apresentada à mãe e aos irmãos de Mitch, aos seus amigos de infância, colegas de trabalho, diretores, produtores musicais, cantores, celebridades - sem a menor sombra de deslumbramento. Para ela, os efeitos do sucesso e a definição de celebridade não queriam dizer nada além de alguma visibilidade e um pouco mais de dinheiro no bolso. É claro que entre todas aquelas pessoas havia alguns de seu ídolos. É contraditório, mas sua simplicidade nunca deixou que ela visse outros seres humanos como superiores ou semi-deuses. Mesmo os ídolos. Ela mesma já havia recebido adjetivos como "genial, brilhante, melhor disso, melhor daquilo, surpreendente", e ainda julgava-se um mero ser humano falível igual a todos os outros. Além do que, Nani nunca se importou com as diferenças que os outros vêm entre nobres e plebeus, e o conceito de nobreza já havia se corrompido na metade do último século.

De tempos em tempos Nani se via sozinha enquanto Mitch recebia alguém. Desta vez, ela foi para o deck descansar os pés e os ouvidos, pensar em português um pouquinho, e só deixar o barulho do mar entrar. Já estava ali há algum tempo, quando uma voz a tirou do fundo do mar.

- Não caia daí.

Era o mesmo homem que a havia segurado quando torceu o pé.



continua abaixo...



**este texto é parte do romance inacabado "Três".

Nenhum comentário: