quinta-feira, novembro 10, 2011

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Oi pai,

Já é Novembro. O Natal vai chegando perto e a gente vai tentando dar um jeito de esconder a sua ausência. Imaginando a bagunça, as chegadas, a comida, e pensando o que você gostaria de comer, o que diria para o último a chegar, a que horas declararia abertos os trabalhos e abriria a primeira garrafa...
Eu fico tentando fugir destes encontros com você, como se fosse possível. É pensar em Natal e eu já escuto a mãe brigando porque você está roubando fatias de peru e bagunçando o prato que ela arrumou. Aí eu já quero abrir um pacote gigante de pepino na salmora do mercado municipal, e comer com você.
Lembra do terreno que a gente comprou? Você falou tanto que a gente tinha que morar num lugar nosso. Então...a casa está pronta e a gente já se mudou. É tão linda, pai... qualquer janela que você abra dá para a mata. Os sons são os mais incríveis: grilo, passarinho, sapo (é...claro que tem sapo. Você sabe que eu não vivo sem sapos), um tucano que nos acorda de manhã, e o jardim é incrível. Plantei dois pés de romã pra não esquecer o que você me ensinou: "a fruta não precisa apodrecer por causa de uma semente estragada - como a romã." E plantei pitanga, jaboticaba, lichia, limão, tangerina, um monte de lavanda. Na frente da casa, resedás e cerejeiras, para encher tudo de flor. E a cada árvore que foi plantada eu pensei na sua aprovação. Todos os dias, quando eu abro a porta da varanda com um céu imenso e a mata, e sinto o cheiro da lavanda, não consigo evitar de pensar como você gostaria deste lugar.

É o terceiro Natal sem você. Saudade três vezes maior. Não passa, sabe? Desde que você foi embora eu não fiz muita coisa. É, eu sei, eu construí uma casa e plantei uma dúzia de árvores, mas eu não terminei o meu livro. Não consegui mais escrever. Republiquei textos, escrevi uma bobagem ou outra, mas escrever, escrever MESMO, não. O livro ficou encostado, como se tudo o que eu tinha a dizer tivesse esvaziado. Eu também não quis mais fazer ginástica, nem regime. Eu sei o que você diria disso. "Vai pra terapia, Mercedes. Você precisa superar." Hm...não sei. Até porque no fundo eu sei que usei você como desculpa para esvaziar. Andar tão cheia cansa um pouco (mentira!). Eu acho que apesar de todos os altos e baixos, minha vida foi sempre tão cor-de-rosa - ou eu tão irresposável -, que antes era mais fácil fantasiar e escrever. Depois que você foi embora, ficou tudo tão mais duro e real...
Eu sei...preciso resolver.
Mas fora esse pequeno desvio, estamos todos bem. A vida - apesar de mais real - está boa, todo mundo feliz, e não deixei de cumprir as promessas que fiz pra você. Todas elas.

Então Pai...o Natal vai ser aqui em casa. As duas familias inteiras e juntas. A Dona Marilia, matriarca absoluta, fazendo fios de ovos, os meninos na piscina, as meninas fazendo barulho, todo mundo falando ao mesmo tempo, os acessos de riso de hábito, as histórias engraçadas da infância das quais você faz parte. E a gente vai chorar, claro, a gente chora só de se olhar. Isso nunca mudou. Aí eu fico pensando se não vai faltar o seu sorriso. Mas não vai não Pai, porque na verdade ele sempre está lá quando a gente se reúne. É a sua obra. Porque se tem uma obra que você deixou na vida, foi este amor que a gente sente.

Era isso, Pai. Acho que eu precisava chorar.

Beijo


eu sei que este texto vai afetar demais algumas pessoas. Me desculpem, mas fazia muito tempo que eu precisava fazer isso. 
Só não me telefonem pra falar disso, ta? por favor...porque eu vou chorar no telefone e ninguém vai entender nada do que eu falo. Sorry.

11 comentários:

Anônimo disse...

:(
Não vou telefonar. Nem vou falar o se penso e sinto e o quanto ainda choro, pq acho que vc sabe e sente tanto quanto eu.
Que bom que vc consegue escrever...
Outra hora falamos, ou choramos juntas...
Beijo
Pat

Hugo Pires Teixeira (@hugopt) disse...

Emocionante.
Vc quase fez um ogro chorar, lindo texto!
@hugopt

Mercedes disse...

Ogro adorável :)

A Viajante disse...

Sinto muito por você, por mim e por todos os filhos sem pai, nesse mundo cão.
Penso que só quem perdeu um pai, por quem dedicou afeição, e amou muito, sabe a dor de vê-lo partir fisicamente. A vida continua, mas perde um pouco o fio condutor. É como se estivéssemos à beira de um milagre e do nada, a buzina do seu carro anunciaria a sua chegada. E como seria bom vê-lo de volta e (re) conhecer filhos, netos e bisnetos... era isso o que eu mais queria. Contar tudo o que somos, desde sua triste partida. Deixá-lo por dentro de tudo, mesmo sabendo que ele já sabe de tudo, porque de fato nunca nos deixou... amei o texto e já estou te seguindo! Parabéns pela escrita....não desiste do livro...

Mercedes disse...

Obrigada, querida. To tentando não desistir. :)

Beijo

Anônimo disse...

Não lhe conheco, na verdade não lembro nem como vim parar em seu blog...

Mas em fim... só comento pra dizer que também sinto esta dor.

Seu texto é lindo, beijo, fique bem.

MAB

Unknown disse...

Perder um pai ou ente querido é algo indescritível. Só tempo, que é um bálsamo para amenizar a dor, ou pelo menos tentar.
Deus te abençoe e te guie.

Fui direcionado para seu blog e adorei.

Abraços.


Edson

karolyne scalon disse...

Eu chorei...
Imaginei um pokinho do que vc partilhou. Vivências, Dores.....Vida....cheia de historias. Não conheço vc, mas já gostei!....Bjao....Karol

Anônimo disse...

amo lavandas!!!!!!!!!!!!!!!!

Pati Castilho disse...

Pois é Mê...O Natal complica um pouco minha vida. Penso em todos que ja não estão mais aqui...pai, mãe, vó, vô... lembro de como era, penso em como seria, mas acima de tudo penso no hoje, em como "é"...E sigo em frente, e vivo, e está tudo bem. E é assim pra quem ta vivo...a gente segue, vivendo... não é? bjs pati

Anônimo disse...

Pois é então, eu fico aqui sozinho... E me dá um nó no estomago só de saber que jamais poderei sentir a mesma nostalgia, que inveja! Então tento desesperadamente, como o tamanho da palavra, amenizar tudo isto a partir de mim mesmo. O que posso lhe dizer, pudera um dia ter tido esta mesma experiencia de ouro menina