quinta-feira, agosto 09, 2007

Coisas da Vida #1



Gelo

Era um dia quente de Julho talvez...não, Julho não tem dias quentes. Talvez fosse então um dia qualquer de um calor intenso trazido pela presença incômoda daquela figura.

Os dois viajaram a trabalho. Quer dizer...ela viajou a trabalho. Sempre fez isso sozinha, sem precisar de ninguém, até o dia que o mercado começou a mudar e criadores passaram a fazer mais do que criar. Para o conceito da época, pura gastação de dinheiro. Para os conceitos de hoje, normal.

E lá se foi para outras bandas, fazer o que mais gostava.
Só que aquele dia seria diferente.
A presença dele era incômoda. Talvez pelo excesso de azul que vinha de seus olhos (ou seria verde?). Talvez pelo sorriso farto sempre meio irônico, sempre deixando um vão entre a verdade e o sarcasmo.
Ali, sentada em frente a ele na mesa grande, cercada de muitos olhos, ela não era ela mesma: não sabia usar as palavras, não sabia a que horas falar. Tudo porque em meio aos olhos muitos havia aquele, azul. Ou verde.
Era estranha a sensação de tê-lo medindo seus gestos. Talvez nem fosse assim, mas era como ela sentia. Tinha uma admiração enorme por ele, por ser tão jovem num cargo tão importante, por ser tão bonito e ainda tão brilhante, por ser tão ele quando uma geração inteira parecia perdida. Mas tinha medo. Não tinha certeza de que sua inteligência se equiparasse à dele. Sentia-se pequena em sua presença. Um pouco sem cultura, um pouco sem história, um pouco vazia demais para tanto “ele”.
Talvez nem fosse assim, mas ele não era o primeiro dos homens que a fez pensar: “Perfeito pra mim”. E não foi também o primeiro de quem se afastou: “Muito pra mim.” Não se sabe de onde vinha essa pseudo-inferioridade que só surgia quando alguém realmente era perfeito. Meio como um feitiço, uma praga de madrinha, uma bela adormecida que fura de propósito o dedo na roca...e depois adormece cem anos só por achar: “Demais pra mim”.

O dia chegou ao fim e alguém teve aquela idéia esquisita sair para jantar.
“Não! Não! Jantar pra que? Não dessa vez!”
Lá foram eles para o restaurante japonês, misturar olhos verde/azuis a pratos exóticos e bebidas fortes. Como num filme confuso, o saquê fazia a presença dele ainda maior e mais incômoda. Os cheiros, a fumaça e o barulho alegre dos tamancos das garçonetes confundiam-se à voz dele, formando a poção inebriante que a tirava do chão.
Já no elevador do hotel, os olhos dela evitavam os dele. As respostas eram curtas e todas levavam a um “não” antecipado para qualquer pergunta que pudesse aproximá-los. Era muito azul, ou muito verde, numa proximidade muito grande. O medo era maior do que o vermelho que corava seu rosto. Medo de ser menor. Medo de não bastar. Medo de mostrar que não passava de uma menina, de uma adolescente atrás daqueles olhos que se faziam de fortes.

- Boa noite.
- Boa noite.

Cada um para sua porta. Cada um para o seu mundo. Longe dos olhos, longe do perigo. Separados por uma parede.

Aqui de fora, fica fácil ver o que se passou depois.
Duas portas, uma parede no meio, de um lado, ela andava para lá e para cá, morrendo de pensar no que se passava do lado de lá. Do lado de lá, quem sabe?

Ela respirou fundo e abriu a janela para se deparar com a vista desinteressante da selva de pedra que congela as pessoas. Olhou-se no espelho grande do quarto e teve vergonha de suas bochechas pintadas de saquê e constrangimento.
Quando tudo parecia tranqüilo, o telefone tocou.

Susto. O que pode ser? Quem pode ser? Atende ou não atende? Entra correndo embaixo das cobertas e finge que dorme? Como assim? É só o telefone.

- Alô.
- Oi...tá dormindo?
- Não…quer dizer...to indo.
- Eu to sem sono.
- Ah.
- É...
- hmm...
- Tem gelo?
- Gelo?
- É, gelo. Meu frigobar não tem. Eu to sem sono, vou tomar um whisky. Quer whisky?
- Não...eu já bebi demais. Vou acordar cedo.
- E o gelo?
- Que gelo? Ah. Gelo. Pera.
Ela largou o telefone e cobriu o rosto com as mãos. Sussurrando, praticamente cuspiu os pensamentos.
- Ai meu deeeeeus! Gelo? Ele quer gelo? Que papo mais magro…gelo!
Foi até o frigobar, abriu o congelador. Gelo!
- Ai! Tem. Tem. Tem gelo. E agora?
Ela andava de um lado para o outro com a forma de gelo na mão. "E agora, e agora?"
Nós aqui fora torcendo para ela voltar para o telefone e dizer com a voz mais lânguida para ele vir buscar.. Mas a doida simplesmente correu para a pia do banheiro, abriu a torneira quente e deixou que o gelo derretesse ralo abaixo.
- Oi...não tem.
- Não tem???
- Não. A forma de gelo está lá, mas vazia.
- Mas que merda de hotel é esse?
- Ah...não é culpa minha.
- Ok...vai dormir mesmo?
- Vou sim.
- Tá. Bons sonhos.
- Pra você também.
- Tchau.

Ela desligou o telefone e cobriu o rosto outra vez com raiva de si mesma.
Talvez ele só quisesse gelo, quem sabe?
Talvez...

Uma olhada nos cubos de gelo que aos poucos derretiam na pia do banheiro, foi a última coisa que ela fez antes de enfiar a cara no travesseiro pedindo a deus que um terremoto de nove pontos na escala Richter despencasse o hotel inteiro em sua cabeça.
Sim...ela merecia uma morte lenta. Ou como disse Maria Amélia para Lívia uma certa vez, "sonhar com anjos gordinhos, porque ela não merecia mesmo sonhar coisa melhor!"

5 comentários:

C. Garofani disse...

ai
ja chamei "ela" de burrinha
chamo de novo!

arghhhhhhhhhhhhhh

tá, águas passadas nao movem moinho
nao adianta chorar por leite derramado
quem vive de passado é museu
barata viva nao atravessa galinheiro

e fim!

Alice Salles disse...

Meu santo!!!!!!!!
Mas que manéeeeeee!HAHAHAHA

PQ NAO LEVOU O GELO!? PORQUEEEEEEEEEEEEEEEE!?

Anônimo disse...

ah... eu entendo ela...

Alice Salles disse...

eu entendo tb...

mas a gente sempre torce né?

Marcos Freitas disse...

absolute perfection!!!

com blues ao fundo,

ou green...