quinta-feira, novembro 10, 2011

_...

Oi pai,

Já é Novembro. O Natal vai chegando perto e a gente vai tentando dar um jeito de esconder a sua ausência. Imaginando a bagunça, as chegadas, a comida, e pensando o que você gostaria de comer, o que diria para o último a chegar, a que horas declararia abertos os trabalhos e abriria a primeira garrafa...
Eu fico tentando fugir destes encontros com você, como se fosse possível. É pensar em Natal e eu já escuto a mãe brigando porque você está roubando fatias de peru e bagunçando o prato que ela arrumou. Aí eu já quero abrir um pacote gigante de pepino na salmora do mercado municipal, e comer com você.
Lembra do terreno que a gente comprou? Você falou tanto que a gente tinha que morar num lugar nosso. Então...a casa está pronta e a gente já se mudou. É tão linda, pai... qualquer janela que você abra dá para a mata. Os sons são os mais incríveis: grilo, passarinho, sapo (é...claro que tem sapo. Você sabe que eu não vivo sem sapos), um tucano que nos acorda de manhã, e o jardim é incrível. Plantei dois pés de romã pra não esquecer o que você me ensinou: "a fruta não precisa apodrecer por causa de uma semente estragada - como a romã." E plantei pitanga, jaboticaba, lichia, limão, tangerina, um monte de lavanda. Na frente da casa, resedás e cerejeiras, para encher tudo de flor. E a cada árvore que foi plantada eu pensei na sua aprovação. Todos os dias, quando eu abro a porta da varanda com um céu imenso e a mata, e sinto o cheiro da lavanda, não consigo evitar de pensar como você gostaria deste lugar.

É o terceiro Natal sem você. Saudade três vezes maior. Não passa, sabe? Desde que você foi embora eu não fiz muita coisa. É, eu sei, eu construí uma casa e plantei uma dúzia de árvores, mas eu não terminei o meu livro. Não consegui mais escrever. Republiquei textos, escrevi uma bobagem ou outra, mas escrever, escrever MESMO, não. O livro ficou encostado, como se tudo o que eu tinha a dizer tivesse esvaziado. Eu também não quis mais fazer ginástica, nem regime. Eu sei o que você diria disso. "Vai pra terapia, Mercedes. Você precisa superar." Hm...não sei. Até porque no fundo eu sei que usei você como desculpa para esvaziar. Andar tão cheia cansa um pouco (mentira!). Eu acho que apesar de todos os altos e baixos, minha vida foi sempre tão cor-de-rosa - ou eu tão irresposável -, que antes era mais fácil fantasiar e escrever. Depois que você foi embora, ficou tudo tão mais duro e real...
Eu sei...preciso resolver.
Mas fora esse pequeno desvio, estamos todos bem. A vida - apesar de mais real - está boa, todo mundo feliz, e não deixei de cumprir as promessas que fiz pra você. Todas elas.

Então Pai...o Natal vai ser aqui em casa. As duas familias inteiras e juntas. A Dona Marilia, matriarca absoluta, fazendo fios de ovos, os meninos na piscina, as meninas fazendo barulho, todo mundo falando ao mesmo tempo, os acessos de riso de hábito, as histórias engraçadas da infância das quais você faz parte. E a gente vai chorar, claro, a gente chora só de se olhar. Isso nunca mudou. Aí eu fico pensando se não vai faltar o seu sorriso. Mas não vai não Pai, porque na verdade ele sempre está lá quando a gente se reúne. É a sua obra. Porque se tem uma obra que você deixou na vida, foi este amor que a gente sente.

Era isso, Pai. Acho que eu precisava chorar.

Beijo


eu sei que este texto vai afetar demais algumas pessoas. Me desculpem, mas fazia muito tempo que eu precisava fazer isso. 
Só não me telefonem pra falar disso, ta? por favor...porque eu vou chorar no telefone e ninguém vai entender nada do que eu falo. Sorry.

sexta-feira, setembro 23, 2011

_5.0


Dizem que quem nasce nos domingos de sol é vaidoso, alegre, barulhento. Não sei se é verdade. Sei que sou vaidosa sim, que passei 90% desses 50 anos sorrindo e que já fui bem mais barulhenta do que sou hoje. Ultimamente gosto de ficar quieta e às vezes nem estou a fim de conversa. Mas há um barulho intenso dentro de mim, 24 horas por dia, sete dias por semana, desde  sempre. E sol.

Em outros 90% dessa minha vida estive triste. Não triste triste. Triste...triste. Só lá no fundo, numa outra vida imaginária que quase ninguém conhece. Espera...NINGUÉM conhece!
É lá que eu vou buscar poesia quando preciso, porque não é possível escrever feliz. Não pra mim. Existem coisas que escrevo que são de uma tristeza mais profunda do que a profundidade em si, mas nem é verdade, embora seja. Dá pra entender? Provavelmente não. Mas se eu não convivesse com essa dor que não existe, jamais escreveria uma linha. Nem as obscuras nem as felizes. Então não me dê remédio, não me trate, não me mande para a terapia, porque não existe remédio melhor do que ler o que sai de mim, mesmo que eu jogue fora depois. É o meu falar sozinha, é o meu falar com deus. 
É, eu sei...de perto ninguém é normal. Não eu.
75% dos meus dias foram de paixão arrasadora. Ou mais: mais que 75, mais que arrasadora. Me apaixonei pelos outros, por mim, pelas coisas, fui obsessiva, fui maluca, fui inconsequente, assustadora. Fiz coisas talvez codenáveis, se é que é possível condenar o amor em qualquer de suas formas. Se for, sou culpada, aceito, confesso sem a menor vergonha na cara, porque é assim que eu sou 100% do tempo.

32% dos dias de sol eu sorri. 99,9% dos de primavera eu sonhei acordada. 87,2% dos dias de chuva eu chorei.

É quando a tristeza me toma de assalto que minha vida imaginária acontece, e ah! não me faça rir porque eu não quero! Me deixa sofrer por nada. Me deixa descabelar as madeixas e me jogar na cama só hoje...só pra cozinhar essa tristeza boa, porque a vida é chata sem ela, porque ser feliz pode virar rotina e toda rotina torna-se um nada. É preciso enxergar a felicidade, então deixa chover em mim...deixa eu chover no mundo.
Mas a dor em mim dura pouco...eu canso. Passou.
40% dos meus dias eu trabalhei. Meu nome foi trabalho durante quase toda uma vida, até meu nome se tornar família, não por vontade própria, mas por pura birra. Sim...as pessoas que nascem nos domingos de sol são teimosas, odeiam ser contrariadas e conseguem ressurgir das cinzas só pra contrariar de volta. Eu trabalhei 15 horas por dia dos 18 aos 40, - e menos um pouco desde os 13 - porque precisava, porque queria e parei  só pra não dar o braço a torcer. Long story... Mas aí que recomeçar é o que eu sei fazer melhor, em qualquer território. Então por que não? Funcionou.

65% da minha vida profissional foi criar. Criar pelos outros, criar os outros, arrumar a criação dos outros, criar um mercado, criar diretores, criar laços, criar problema (oops)...criar. Criei condições de trabalho onde não existia. Criei pupilos e ensinei até quando não sabia que estava ensinando. E eles cresceram. Cada um deles era um mini-príncipe encantado ou uma princesinha perdida e todos viraram reis e rainhas enquanto eu, rainha mãe, os via crescer orgulhosa. Também criei meus filhos e meu marido  - ele mesmo criado por mim em várias áreas da vida, agora está me criando - e meio que terminei de criar meus pais e meus sogros. Agora sigo criando formas de recriar a minha própria vida.

73% desses anos eu questionei a existência de deus na forma que conhecemos. Questionei a Bíblia, o Torah, todas as versões e traduções dos textos sagrados, fiquei de mau com a igreja e com a humanidade, mas rezei. Aprendi a rezar do meu jeito pra um deus que eu entendi e pra Santa Rita,  Maria Padilha, Iansã e para as forças que aprendi a dominar dentro de mim. Aprendi que o bem e o mau são a mesma mão e a minha é parte disso, como a sua, não importa de que lado você ache que está. Já soube ler tarot, já aprendi kabalah, já dominei os cristais, já purifiquei coisas e pessoas que precisavam, e já esqueci como fazer tudo isso. Já salvei casamentos e aliviei angústias. Fui chamada de bruxa mais vezes do que gostaria, mas a verdade é bem mais simples: aprendi que as palavras têm força. Aí evitei as que não gosto, procurei outras - novas - para proteger os meus de um mundo que pode ser cruel, quando me distraio. Aprendi a confiar no destino e a modificá-lo dentro das minhas limitações - que são muitas quando me sinto fraca, e nenhuma quando estou feliz -. E respeitei a lei do retorno. Aprendi que é aqui e agora que nasce e cresce o que a gente planta. E durante 80% do meu tempo, planto coisas que você nem vê...mas elas crescem.

94% dos dias, fui grata. Grata pelas minhas escolhas, grata pelas minhas pessoas, grata até pelos meus erros.
Entendi que não tem como dar errado quando você faz as coisas por intuição. Segui as reviravoltas do meu estômago, derrubei meus castelos e construi outros, milhares de vezes, porque achava que daria certo e, mesmo não dando, deu...ou eu que sou iludida. Mas fui feliz. Funciona assim: se fui feliz deu certo. End of story.
Não aprendi matemática (talvez você note, pelos percentuais aí em cima) mas entendi a vida. É que quantidade, assim como tempo e espaço, é uma coisa relativa e mutável – na minha matemática.
Que tipo de vida besta soma só 100%?  Tão lógica...tão banal... não serve pra mim.

O exagero, este sim, guarda a totalidade das coisas que eu sinto. Só ele pode definir a minha vida: um exagero de vida, um transbordar de tudo. Esse sem número de acontecimentos que até eu duvido...um eterno “despencar na cabeça” de vida.

É assim que é: 50 anos de vida despencando na cabeça e transbordando em milhares de histórias indescritíveis, quase todos os dias, em todos os planos da vida: no real e no imaginário. Ou eu, que sou irresponsável, entendo assim.

Em resumo...schlevers por cento da minha vida eu fui feliz, mesmo quando não fui.

Tem sido bom demais.

E faz sol.


Amanhã, 24 de Setembro de 2011, eu faço 50 anos. And inside, I'm dancing.

terça-feira, julho 12, 2011

_socorro!

 
foto: a chegada do godzilla
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(Sobre como me tornei um monstrengo)

Nunca vi nada tão feio na vida! Juro!
Há alguns dias, minha filha me disse que eu tenho andado muito desarrumada:"você nunca foi assim, Mãe..."
É verdade. A carinha dela dizendo isso me deixou mexida. Quer dizer...me deixou envergonhada. Mas não tem jeito, gente, sério.
Eu me mudei. Mas assim, não foi uma mudança igual às quase 30 que eu fiz no decorrer da vida. Eu me mudei pra minha própria casa, o que é lindo, mas com cheiro e restos da obra, o que não é nada lindo. Teve toda aquela ilusão de que a gente só se mudaria com tudo pronto e cheirosinho, mas como todas as outras ilusões da vida, era mentira. Cá estamos.
Antes da mudança, tive um ataque de desapego e me livrei de 50% das minhas roupas. Outra ilusão. "Nunca mais vou querer isso", pensei, como se mudar de casa mudasse o gosto ou a quantidade de roupas que alguém usa. E o que sobrou? As roupas de gorda, claro: blusas largas e leggins e casacos desmilinguidos. Aff. Mas isso não é tudo. O homem é fruto do meio, certo? Então...pensa no meu meio: pedreiros, pintores, encanadores, faxineiras, jardineiros. Gente linda! Só gente linda!
O resultado disso é que eu estou um horror. Não, não assim como você pensou. Nem você, que me conhece e sabe dos meus exageros. Não! Pior. Muito pior.
Faz quase três semanas que estou aqui e ainda não tem espelho no meu banheiro. Tem no closet, mas não no banheiro. Agora me conta, quando você realmente se olha no espelho? Sim, quando lava o rosto, escova os dentes, seca o cabelo. Cabelo? Não vamos falar de cabelo. Todos os meus antepassados estão gritando! A parte frontal da minha cabeça é a filial da África. Tudo num laranja "eu-pinto-meu-cabelo-em-casa-com-a-tinta-errada"...uma lindura.
E meus dias têm sido super agradáveis.
Acordo as 7:30 com a portaria me ligando para anunciar a chegada do Tonho pedreiro. Bom dia!
Nos próximos 30 minutos posso cochilar um poquinho, mas bem pouquinho, porque chega o Francisco - o paisagista peão - com um exército de jardineiros feios vestidos de verde, com nomes como Gileno, Gildásio, e uns doze Franciscos. O Francisco chefe é um amor, delicadíssimo, atencioso a ponto de te fazer pensar que o mundo é lindo, mas tem um megafone na garganta e fala com o exército verde debaixo da minha janela. Bom dia! (A propósito, o jardim está lindo).
Depois começam os sons internos. Os pintores invadem a casa, e conversam. Um deles canta. As vozes se misturam aos sons de fora: o radinho de pilha do gileno, o pedreiro levantando o muro, outro colocando a tela dos fundos, o eletricista e o assitente conversando mais alto do que a furadeira , os marceneiros montando a estante da sala, e o diabo em pessoa rindo da minha cara em algum lugar do inferno.
Lembra daquela mulher que levantava com o famigerado roupão pink, sentava para tomar uma dúzia de xícaras de café lendo o jornal? Esquece. Morreu. Agora ela levanta, toma banho, veste uma coisa (sim, uma coisa), prende o cabelo e a áfrica inteira para trás e vai tomar café no banquinho da cozinha (preta e linda), porque não dá pra levantar de pijama, nem tomar café na sala com 3 pintores olhando e mais um monte de neguinho passando. Ah! Mencionei que os móveis da sala estão cobertos com plástico e tem papelão no chão por tudo? Não...detalhe sem importância.
Poeira...poeira na alma, nas narinas, em tudo.
Hoje istalaram um espelho de aumento no meu banheiro (o grande não chegou  ainda e não me pergunte porque) e eu fui testá-lo. Ele tem luz sabe? E aumenta. E eu me deparei com uma ogra descabelada com a sobrancelha ídem. Céus...alguém me roubou de mim!
Mas voltemos à rotina do dia: durante as horas em que o sol está brilhando, escuto meu nome sendo chamado em várias línguas: baianês, alagoês, caipirês, para resolver coisas never dantes imagináveis e atender pessoas tipo o instalador da bomba, o caminhão da caçamba, o vendedor de caixa de correio, o moço dos vidros, o do corrimão, o da pedra, o entregador de andaime. Recebo notícias do tipo: tá escorrendo água pela luminária do corredor porque a marcenaria furou o cano quando foi instalar o não sei o que do banheiro. Ha! Isso enquanto o eletricista liga e desliga coisas para testar a caixa de luz e faz meu computador enlouquecer. E tem as contas. E tem o telefone que não para. E tem a poeira. E tem a lama.
Aí o sol se põe maravilhoso num céu incrível que aqui em cima - sorry - é muito mais incrível do que o céu mais incrível que você pode ver aí embaixo, e o silêncio começa a predominar. Escuto uma última porta bater e um último "até amanhã, Dona Mercedes"...e a casa parece ser minha, finalmente. Só que já é hora de pensar no jantar, depois conversar um pouco e descobrir que o sofá está branco de poeira  e o vidro do corredor tem uma fresta que precisa ser siliconada, e que a água do banho não está tão quente quanto o tio do aquecedor prometeu, e que é hora de dormir.
Assim acaba o dia, para amanhã às sete e meia o telefone tocar, e o pastor evangélico começar a berrar no rádio de pilha do Gileno, e o Francisco e seu megafone...Aí eu não tenho mais roupa ou tempo de ir comprar. E meu cabelo continua amarelo-ôvo-socorro. E minhas unhas estão um horror. E não me convide para sair porque eu não posso aparecer em público.

Era isso. Eu precisava dividir toda essa baderna com alguém.
Agora vou voltar pra caverna.
Beijo.

quarta-feira, maio 25, 2011

_tempestade

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Estou com os dedos pretos de poeira, desmontando minha sala para a mudança que não tarda. Encontrei cadernos antigos, consequentemente textos antigos, cartas que nunca foram entregues, poemas perdidos.
Um deles é irresitível, porque me lembro (não eu nunca lembro) da noite em que escrevi.

_tempestade, outra vez

houve outra noite de tempestade.
eu,  dominada pelo que fui
e não posso deixar de ser,
corri para fora
no meio da noite
e abri os braços para tocar os raios.

o céu e eu éramos um
(raios e braços,
 água e olhos,
vento e respiração)

relâmpago girando pelo jardim -
foi outra vez assim.

depois dessa noite
veio de novo o destino brincar comigo.
convidou-me outra vez a dançar,
em volta do fogo,
a dança que muda tudo.

em volta do fogo o corpo se lembra:
a velha feiticeira é livre.

eu danço
confusa e encantada.

6 julho 1992

segunda-feira, maio 09, 2011

_remember that

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Encontrei hoje um comentário perdido que me lembrou um texto antigo.
Esse aqui:
Inexistência

Era isso.

sábado, abril 30, 2011

_complicando

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É. É complicado...
A vida prática nunca foi o meu forte. Passei esses poucos 49 anos sonhando acordada, delirando e acreditando que quando uma criança chama por fadinhas no jardim, as flores apararecem. Aí, aqui estou eu tendo que falar de dinheiro, pastilha, estruturas de ferro, esquadrias, etc. Eu - euzinha - negociando com o japonês malvadão com cara de kamikaze que vai colocar metade da minha casa de pé. Eu - euzinha - falando em números impossíveis e discutindo coisas mais ridículas do que o sexo dos anjos: "preto são gabriel ou preto absoluto?" "madeira naval ou chapa de ferro?" "beiral assim ou beiral assado?" Hello? Minha vida nunca teve beiral! Aliás, sem eira nem beira é o que eu sempre fui - nem pedigree eu tenho, quanto menos um habite-se.

Existe uma outra vida que eu desconheço, de pessoas feias e assuntos antipáticos (e vice-versa). Eu não gosto dela. Dizem que o nome é vida adulta. Estas pessoas falam de impostos, bolsa de valores, taxas de juros, preço do aço, metros quadrados, área construída, limite de recuo e NOP! Gente...vida adulta pra mim era outra coisa. Era ter filhos com problemas de adultos, assim: coração partido, escolha de carreira, revisão do carro, eleição. Vida adulta era consolar a sogra, conversar com a mãe, pagar conta, sentir saudade do pai. 

Nem quando eu quebrei, e minha vida virou de pernas pro ar, e perdi todas aquelas pessoas que me amavam incondicionalmente (lots of money, lots of friends), e me decepcionei com o universo e com a natureza humana, eu me senti tão fora do meu banquinho.
A parte boa é que é por um motivo nobre: a minha casa nova, a primeira conquista de um chão realmente meu depois de incontáveis mudanças na vida de cigana que eu achava boa. Meu pai queria que eu tivesse segurança, casa própria, emprego público, fizesse concurso pro Banco do Brasil. Virei as costas para essa idéia uma vida inteira, e sempre achei que quem tem raiz é árvore, quem fica parado é poste, e bom mesmo era aluguel, porque quando cansa é só ir embora...e o mundo é o quintal da minha casa. É mesmo. Ainda é. Só que do alto dos meus quase 50, acho que ter onde cair morta pode ser interessante. Finalmente. Não! Não finalmente cair morta. Finalmente "ter onde", só.
Cair morta é outro assunto: eu não quero, viu Seu Deus. Passo. Me deixa ficar pra semente que eu não me importo. Quero ficar velhinha bem velhinha, dirigindo um conversível na 101 em Los Angeles. Já disse isso tantas vezes, que você já deve estar criando o cara que vai abrir uma "elderly lane" na freeway só pra eu poder fazer minhas barbeiragens com segurança, to sabendo.

Fora tijolos, cimento e trenas, tem o Malvadezas. Ah o Malvadezas...este blog genial que mega deu certo, graças à querida da Carolina Mendes, que tem olhos de lince pra entender o que dá certo nesta vida online. O Malvadezas só me faz bem, mas também me faz cair na real quando vejo trocentos mil comentários em textos que estão tão longe dos assuntos que eu abordaria. Claro, to ficando velha, oras! Mas hey! Quem disse que eu queria me dar conta disso? Aí publico um texto Mercedístico lá, e fico nos 15, 16 comentários... ah eu devo ser um tédio, desinteressante, morna, sei lá. Então toda vez que vou postar penso que "dane-se", ne? Eu sou eu, e que culpa eu tenho de não ter problemas cabeludos ou não ser super moderna e querida pelos mudernos e... ah gente! Acho que eu amo mais ainda os 16 malvadezos por me fazer questionar tudo, de 15 em 15 dias,  antes de mandar meu texto para a Carol.
De qualquer forma, fico pensando se, mesmo tendo ralado uma vida inteira, eu não tive uma vidinha bem boa, e se isso é bom ou ruim pra quem escreve. Sei lá. Não sei. Passou.
Era isso.
Só um desabafo, como se eu fosse dada a desabafos.

Um beijo amigo no seu umbigo.


Malvadezas é AQUI

sábado, abril 09, 2011

_dois pesos

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Quem é mesmo você para julgar alguém? Vamos ser sinceros, assim...sinceros de verdade? Quer brincar?
Então presta atenção. Você acha que a sua amiga não educa os filhos direito, que está criando monstros sem limites, que não sabe dizer não, que parece ter medo dos filhos e tal? E você, tem filhos? Se tem, você tem tempo para educá-los de fato ou deixa isso para a escola, a avó, a empregada, e assume à noite e nos finais de semana? Você tem certeza que seus filhos, fora de casa, são exatamente como quando estão com você? Tem certeza que os outros acham seus filhos super normais e educados como você acha?
Não. Você nunca vai saber a resposta, porque ninguém vai reclamar dos seus filhos para você. Só a escola. Talvez. Caso seus monstrinhos sejam interessantes, porque se forem mal educados porém mortinhos, a professora não vai reparar muito neles, sabe? Desculpa, mas é verdade.

E a filha gay daquele seu conhecido? Aquela que você diz que a culpa é dos pais. Você tem certeza absoluta que sabe o futuro dos seus filhos? Você acha mesmo que a “opção” (ninguém opta por ser gay) da menina, é fruto da educação que teve? Então amiguinho... prepare-se para se surpreender.
Sabe, a vida não é fácil. Na verdade é, mas o que complica são as expectativas irreais que as pessoas criam. Seus filhos serão profissionais de sucesso? Serão corretos? Serão honestos? Ser hétero está na sua lista de “elogios”?
Eu tenho uma surpresinha pra você. Senta aí:
A vida é imprevisível. Mesmo cagando regras, tendo convicções fortíssimas, mesmo regendo sua família com punhos de aço e livros de psicologia embaixo do braço, você não sabe o que o futuro reserva para ela...nem para você.
Reviravoltas não acontecem com macacos e girafas no reino de Simba. Só acontecem com humanos, aqui mesmo na cidade grande, ou naquela menor. Acorda, Alice!
Eu não estou livre de ser traída, de ser trocada por uma gostosinha de 25 anos que acabou de sair da faculdade de cinema e acha Mr. Director “bárbaro” (sim, elas aprendem a falar bárbaro nas faculdades de cinema). Você não está livre de ser trocado por um garotão, nem por um velho pavoroso que você não entende como, meu deus, como?! Você mesmo pode se apaixonar, ou trair sua mulher numa escapadinha inocente, e ser pego. E você sabe: não existe traição na ignorância, longe dos olhos longe do coração, blablabla, mas quando te pegam...ai ai ai.

A gente não sabe se nossos filhos serão gays, se casarão com uma mocréia rancorosa, ou um mal caráter interesseiro. Se vamos sofrer um acidente, parar numa cadeira de rodas e precisar daquela vaga no mercado - aquela onde você estacionava “só um minutinho” e aquele aleijado que espere.
A gente não sabe se vai ter três derrames, virar um semi-vegetal e ser cuidado justamente pelo marido pobrinho e “meio encardido” da filha...aquele loser que a gente julgou e falou mal a vida inteira.
Vai que, na velhice, acaba dividindo o quarto com a sogra da filha? Aquela mulher pedante, brega que usa perfume doce, e vai acabar sendo sua melhor amiga. Também tem a hipótese de engordar 40 quilos por causa de uma disfunção hormonal e ficar igualzinha àquela vizinha “porca” que não se cuidava e era uma “baleia”, lembra?
Então... desculpa incomodar a essa altura das suas certezas, mas acho que você não devia nem guardar seus julgamentos para si mesmo: devia descartá-los. Varrer todos eles. Deixar de ter LAMA por dentro e, finalmente, ter ALMA - é só trocar uma letrinha de lugar.
Uma vez ouvi uma frase que adotei para sempre: quando você aponta um dedo, outros três estão apontando para você. Tenta aí...aponta e olha para a sua mão.
É bom lembrar que a lingua é o chicote da bunda e a vida, como dizia Gump, o Forrest, é como uma caixa de bombons: a gente nunca sabe o que tem dentro deles. Não tem nada mais feio do que ter dois pesos e duas medidas: se é feio na casa dos outros, é feio na sua. Ponto. Então é melhor não arriscar: senão por ética, ao menos por precaução, fecha essa boca.

Beijo.

terça-feira, fevereiro 01, 2011

_ google, seu lindo!

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Deixa eu falar quem eu sou. 
Talvez muito pouca gente saiba de uma parte de mim que não sai por aí se revelando, simplesmente por não ter um "por aí" para se revelar.
Eu fui criada, de certa forma, respirando arte. Minha mãe trabalhou na Escolinha de Arte do Rio de Janeiro com o Augusto Rodrigues, ouvi desde sempre histórias sobre peças de teatro, quadros, pintores, escultores, movimentos e revoluções. A Semana de Arte Moderna visitava minha casa de tempos em tempos em conversas infindáveis, e havia os livros. Livros e mais livros cheios de figuras incríveis, feitas pelas mãos de homens e mulheres incríveis.
Depois fui para a escola. Estudei uma vida inteira naquele lugar onde se tinha sete horas/aula de arte contra duas de matemática por semana. Comecei a aprender história da arte muito cedo, quando mal e porcamente sabia escrever meu nome, e fiz isso até  me darem um diploma de magistério com especialização em história da arte. Ponto.
Saí dessa vida. 
Aos dezessete anos fui trabalhar em agência de propaganda, fui redatora, RTV, coordenadora de produção, atendimento de produtora, dona de produtora...(todo mundo conhece o meu CV), até chegar em São Paulo, há quase dez anos, e resolver só escrever. 
Mas o que está no DNA não morre jamais.
Eu cresci e pude viajar. E eu sou aquela louca que chorou dentro da Catedral de Madrid. Aquela, e aquela outra que sentou num banco do Museu do Prado, de frente para uma gigantesca tela de Velasquez, e chorou feito criança. E que escolheu passar o dia no Metropolitan em Nova Yorque vendo só o que foi feito antes de cristo, e andava pela parte do Egito entre paredes pintadas e múmias coloridas, rindo como se fosse a Disneylandia. 
Eu enganei a minha familia cansada dentro do Louvre, inventei que sabia onde era a saída, só para poder ver tudo o que queria. Eu sentei no chão em frente a uma escultura do Rodin e agradeci por ter chegado até ali. Eu fiquei nas ruínas de Roma até o sol se por, respirando séculos de história, e não queria ir embora. Eu chorei batendo o pé na frente do Musée Dorsay porque estava fechado e eu tinha que ir embora no dia seguinte. Eu fiquei furiosa na Basílica de São Pedro e no Museu do Vaticano, por ver tantas coisas incrivelmente lindas, conquistadas com o sangue de tantos inocentes.
Essa sou eu. A arte e a história me emocionam a ponto de me tirar do chão. A arte e a história exercem um poder sobre mim que nenhuma paixão arrebatadora seria capaz de exercer.

E eu contei tudo isso por um motivo: hoje, eu estou feliz como uma criança que achou uma mina de doces e brinquedos: eufórica! histérica! Porque um amigo me mandou o link para o Google Art Project.
Depois de fotografar o planeta inteiro e a rua da sua casa, o céu e as estrelas, o fundo do mar e seus navios naufragados, o Google fotografou os museus do mundo. Agora, a gente pode andar dentro deles, ver os quadros em detalhes (os museus não permitem que se chegue tão perto) com zoom tão poderoso que é possível ver as pinceladas de Van Gogh e até as pequenas rachaduras na tinta. 
E por isso eu sou feliz! Sou estranha?
Agora eu posso ser a louca que chora na frente do computador e ninguém vai poder me julgar. Ha!
Google, seu lindo!



quarta-feira, janeiro 05, 2011

_uma carta

(from Ella to her beloved ghost)

Oi, meu bem.

Já é 2011, sabia? O tempo passou mais rápido do que eu sonhava, no meio de toda a dor que eu pensei sentir, mas os dias se arrastaram, um a um, desde aquele em que você ligou o motor e saiu antes de mim e se foi, meio que pra sempre. 
Nossos sempres, sempre tão efêmeros...
Daquele dia em diante, a sua ausência foi a mentira maior.
A gente não se viu mais de verdade, mas quem disse que eu preciso ver para saber? Quem disse que não acredito no que é invisível? Se ao menos você soubesse ser invisível. 
Eu senti o seu cheiro quase todos os dias, de alguma forma. Mesmo com a vida andando e as coisas  sendo feitas como manda o tempo, eu vi você todos os dias - se não em pensamento, em sonhos. Encontrei você nos meus textos e nos dos outros. Encontrei seu olhar em filmes, suas palavras em livros...e na vida real. A vida real apontava seu carro na rua, seu bar preferido, seu restaurante de hábito, a rua da sua casa, seu parque, seu céu e suas músicas...Tem também a sua hora - aquela em que o céu está vermelho e a cidade começa a acender todas as luzes e cantar alto, uma música qualquer que me aponta o seu lugar.

O ano passou inteiro desse jeito, e eu que tinha medo de estar congelada ali, inerte, não estava. Eu estava viva. Mais viva. Muito mais viva do que nunca antes, e de alguma forma você estava lá  dizendo que a vida é hoje, que tudo é agora e só por isso esperar não dói. Paradoxal, parece? Mas não é.
E eu esperei, confesso. Andando e vivendo, eu esperei todos os dias, e você vinha, porque não era possível de outra maneira. Você passou a mão nos meus cabelos e me beijou antes de dormir. Você sorriu para mim com cara de sono, ao amanhecer. Você andou ao meu lado, me olhando, enquanto eu dirigia cantando. Você esteve aqui, quase mais do que eu.
Parece loucura, eu sei, mas não...essa sou eu. Você não foi embora porque não quis, mesmo querendo tanto, e eu não deixei que você fosse. É isso.
Já é outro ano e eu continuo ao seu lado, você sabe.
Eu e meus exageros, eu e a minha intensidade, eu e a minha paciência infinita...continuamos ao seu lado. De uma maneira maluca, talvez equivocada (duvido), eu sei que você sabe que eu nunca liguei o meu carro, nunca saí daquele lugar, nunca perdi o seu cheiro que continua em mim, e gosta disso.

Já é 2011 e o que fica do ano passado é a impressão de que tudo se transformou. Não existe mais dor alguma, não existe nada, nem saudade...não existe nada além dessa presença forte -- você em mim, eu em você -- que nunca vai desaparecer porque o que está feito está feito: de um jeito bizarro eu sou sua e você é meu, mesmo não sendo verdade, mesmo não sendo mesmo. E vai ser sempre assim, enquanto não houver ausência -- não no peito ou no pensamento.

Close your eyes...I'm there.