terça-feira, fevereiro 09, 2010

_domésticas


Já se foi o tempo que meus assuntos eram nobres.
A vida real me engoliu de um jeito que derrubou meu ar de semi-deusa e eu agora tenho problemas de simples mortais. E meu problema agora chama-se empregada.

Então, estou em busca de uma. Eu já tenho a Ritinha, mas ela está ficando obsoleta. Depois de oito anos, ela virou patrimônio da família e a gente não deixa que ela faça serviços mais pesados, nem nada que possa piorar a situação já lamentável da coluna dela. Ritinha é protegida de todos nós e ponto. Preciso de alguém para fazer o que Ritinha não deve fazer, sem Ritinha perceber...ou seja: Ritinha não é mais exatamente uma empregada. É a tia que cozinha bem e vem aqui todo dia.
Uma vez eu tive a Luzia. Luzia não era uma mulher, era um SER de dois metros por dois e meio. A circunferência do peito dela fazia a fita métrica ficar deprimida. Forte como um leão, carregava qualquer coisa sozinha, arrastava piano, subia escada com qualquer peso, e limpava minha casa como ninguém. Mas eu tive que mandar a Luzia embora para ela não ir para a cadeia, depois de roubar e facilitar o roubo de um incontável número de objetos eletrônicos de fácil comercialização da minha própria casa: máquina fotográfica, PSP, GPS, barbeador, fotômetro....pera! Fotômetro não é fácil de vender! Mas ela levou...o fotômetro e o manual em inglês. O manual em japonês ela deixou pra mim. Além de levar todas essas coisas e deixar as bolsas, cases e embalagens, para que a gente levasse tempo para dar falta, ela também mentia. Mas mentia! Me pediu dinheiro para tirar a mãe do hospital...aos prantos. Emprestei o dinheiro para ela e uma semana depois a mãe liga:
- Como vai? A senhora está melhor?
- melhor do que?
- a senhora não esteve no hospital?
- Deus me livre, minha filha, eu não passo na porta de um hospital há 30 anos, graças a deus.

Eu devo ter a palavra "TROUXA" piscando em neon na testa.
Anyway...juntando Rita e Luzia, pode-se criar uma nova língua. Tanto na fala, quanto na escrita, o talento para criar palavras é incrível.

- Olha um pudinho! (filhote de poodle)
- É um circo viçoso... (acho que dispensa tradução)
- Ele é um INS-PRI-TO de porco! (assim so-le-tra-di-nho)
Na lista de supermercado: manregicão, varge, ribingela (what?), bolbril, verja, indinzinfentanter, sarzinha e sebolim, molo choi (shoyu), papel ingenco (ou ginenco, depende do dia). E meu santo nome, que varia de DôMercê a DonMecedi também dependendo do dia.
Mas a melhor história de todos os tempos veio da Luzia: existe uma doença que dá em recém-nascidos chamada "Mar de Marcioto". Mar vem de Mal. Então é marrr, R com som de "ãr", pra dentro, de caipira.
Então o irmão dela "quase arruinou" quando nasceu, porque pegou mar de marcioto, mas a mãe dela - que deve ser tão macumbeira quanto ela - sabia uma simpatia que é a única coisa que cura mar de marcioto depois que "os médico desengana". Simples: você leva a criancinha para debaixo de uma árvore, tira a roupa dela e coloca ela - a criança - direto na terra...na grama, ou o que for. Aí você pega uma faca (aqui você insere a imagem da minha cara horrorisada ouvindo a história) e corta a criancinha...NÃO! não a criancinha...você vai cortando a terra em volta da criancinha, fazendo o formato dela. Aí, você desenhou a criança na terra, então a doença passa pra criancinha desenhada...e você pode tirar o seu nenem dali que ele ta curado. Isso! Você enganou a doença. Ha!
Eu passei dias tentando achar no google qualquer nome de doença que fosse parecida com Marcioto, sem nenhum sucesso. Mas ela continuou dizendo que eu podia perguntar pra qualquer médico que eles sabem, e sabem que não tem cura.

A vida era mais divertida com a Luzia por perto. Ela fazia macumba pra chover, pra parar de chover, pro Claudio acordar logo que ela tinha que ir embora cedo, pra tudo e pra todos. Pra mim inclusive. Acendeu mais vela na minha casa do que todos os terreiros de Salvador em dia de Nosso Senhor do Bomfim. Mas eu ria mais naquela época.

Pós Luzia, já passaram três por aqui. Nenhuma delas divertida, nenhuma delas trabalhadeira, todas sensíveis demais...e eu preciso de alguém ontem.
Agora me resta entrevistar empregadas e não existe coisa mais bizarra do que uma entrevista de empregada. Segundo o Franc Souza, não precisa pedir currículum nem perguntar qual é o livro de cabeceira. Este seria o questionário padrão:

1) Usa muita Q Boa?
2) Omo ou Minerva?
3) Com pense ou sem pense? (pensa no que faz de almoço?)
4) Sabe diferenciar roupa branca de roupa de cor?
5) Poblema ou pobrema?
6) Sabe fazer bife a milanesa ?
7) Feijão?
8) Arroz soltinho?
9) Arrumar cama?
10) Persegue a novela?
E eu acrescentaria:
11) fuma? (Por que eu fumo...mas odeio cheiro de cigarro, então empregada minha não fuma nem la fora!)

É um saco...
A gente quer saber com que a filha namora, se é de família boa, se tem vícios ou não; analisa a ficha cadastral dos clientes, vive investigando tudo e todos para não dar passos em falso, mas na hora de escolher empregada vale sempre o mesmo critério: ir com a cara. E lá vou eu errar de novo com certeza, porque eu não nasci pra isso...isso tem que ser passageiro. Help!





Letreiro de letras miúdas igual àqueles de final de comercial de varejo de carro que tomam metade da tela:
Amiga, se você/sua mãe/avó/tia/vizinha é/foi/talvez venha a ser empregada doméstica, saiba que este texto não pretende ofender a ninguém, muito menos a você. Se você fez faculdade graças ao esforço da sua mãe/avó/tia/você mesma, acho lindo. Mesmo! Mas por favor não seja chata e não poste comentários me chamando de preconceituosa porque, quer sua mãe/avó/tia/você mesma queira quer não, existem empregadas engraçadas e o fato de você não gostar não muda isso. Se seu problema for com o termo "empregada" sinto comunicar que "empregada" é a nomenclatura usada para denominar "empregada doméstica", o que não acontece com "assistente" ou "secretária" que são funções totalmente distintas, exercidas fora do ambiente doméstico . Eu não gosto e não uso os termos politicamente corretos porque acho todos eles mais preconceituosos do que tudo. Preto não é moreninho nem de cor, até porque é de cor PRETA ou MARRON no mínimo. Gordo não é fisicamente avantajado, é gordo, que vem de gordura, que é o que faz ele ser gordo. Fisicamente avantajado é haltereofilista, esse também fica impotente, mas é outra historinha. Velho é idoso, não é "da melhor idade". Melhor idade é 30, é 25, é 40. 80 é a pior idade. Então vamos combinar que empregada é cargo e não xingamento. E não vem ser chata no meu blog porque, antes que eu me esqueça: 1. talvez o preconceito esteja na SUA cabeça e não na minha 2.esse papo é muito chato fora da novela das oito - que também é chata.




13 comentários:

Anônimo disse...

eu amei!!! tudo....fiquei aqui pensando whatthehell is mar de marcioto...que ódio!!! o que será??? e meu bem, adorei as letras "garrafais"...tá certa....bjs
vanessa/ana.

Rafaela Pedro disse...

Mistério resolvido!!
Consultei meu oráculo para doenças de males de antigamente, digo, minha Tia Dora. Tia Dora era enfermeira muito antes de eu nascer. Mas enfermeira de cidade do interior, daquelas que faziam parto e medicavam!
Segundo ela, "mar de marcioto" é o mal de simioto. Uma desnutrição muito grave, que matava sim muitas crianças.
A wikipédia tem uma descrição mais detalhada, mas eu acho que será muito útil anexarmos a informação: conhecido também como "Mar de Marcioto"

Pra variar, Mê, uma delícia de texto! Me diverti demais lendo e rindo.

bj

Anônimo disse...

GRAçAS A DEUS!!

Rafa você me salvou de viver pensando neste mistério e tentando descobrir o que era.
Essa história faz parte do folclóre da minha familia já...minha irmã passa mal de rir toda vez que lembra disso.

Acho que temos que anexar o "tratamento" da doença na wikipedia tambem. hahahah.

Obrigada, Tia Dora!

Mercedes

Anônimo disse...

Oi Rafa, oi Met
Amei o texto, pra variar ri de chorar...
E afinal o mistério está esclarecido...só precisamos descobrir como o nenê recortado da terra fica com a desnutrição e o nenê desnutrido não...ahahahhahahaha.
Muito bom!!!
Beijossssssssss

Edson Perin disse...

Depois de um tempinho sem passar por aqui, encontrei este texto delicioso, o melhor é o texto com letras miudinhas...muito bom!!!

Lee Swain disse...

Grande história, Mercedes, acho que 99% das mulheres se identifica nela. Escuto histórias sobre empregadas desde que me conheço por gente, juntando com as tuas acho que dá pra escrever um livro, se é que alguém já não teve a idéia. Sobre a língua inventada, tem uma infinidade: dor nos "figo" nos "estambo", fora aquela que quando ficava nervosa dizia que "estava com o sistema nelvoso", hehehe... bjs

mariana heller disse...

hahahahahahahahahhahahaha. eu adoro o dialeto das empregadas! o william q tem uma historia otima do rabutô glei, q qd estiver em sp eu te conto, ou melhor era melhor tu conhecer william q ele contando o rabutô glei é bem melhor q eu contando...

Pedro Rocha disse...

Você (suas histórias) mata qualquer um de rir! O dialeto é incrível. Mar de Marcioto?! Gente! Vai ver que ela ouviu esse nome na aula de geografia, e jura que é doença. Hahahaha!

Beijo

Pedro Rocha disse...

Hahahahahaha! só pra registrar: horas depois de comentar, eu tive que voltar aqui porque ainda estou rindo do Mar de Marcioto.

Incrível!
:D

MgMyself disse...

Rocha,

Espero que você tenha lido os comentários. A Rafa postou a solução do mistério.

Beijo

(ainda bem que eu tenho você na platéia!)

Pedro Rocha disse...

Hahaha, que tonto!
Beijo
:)

Anônimo disse...

Querida, estou espantada com a criatividade - não da sua escrita que é incontestavelmente bem- humorada -, mas da Luzia"Marcioto"
hahaha...

Tânia Medeiros (Irmã do Pedro).

Anônimo disse...

Muito interessante!
Não precisa justificar, Mercedes.....isso é simplesmente o triste retrato de uma sociedade ainda pouco evoluída, mesmo com formadores de opinião graduados. Quem sabe nós mudamos um dia?