quinta-feira, outubro 30, 2008

Mudanças

"you're everything I'm not
but I'm anything, I'm anyone you want."

Foo fighters



Poucas pessoas têm o poder de decidir que “a partir de agora, eu sou o que e quem você quiser que eu seja”. É preciso ser camaleão, é preciso ser moldável, maleável, adaptável, e eu não vejo muita gente ter essa capacidade hoje em dia. Ao contrário, vejo cada vez mais pessoas feitas de aço por fora, com uma couraça cobrindo qualquer músculo que sente, e feitas de coisa nenhuma por dentro. Tão rígidas, tão certas de si. Tão cheias de regras sobre quase tudo.
Essas pessoas diriam: "eu sou quem eu sou e quem quiser que me aceite".
Uh-huh…ótimo, se você souber mesmo quem você é, antes dos 40, o que eu duvido muito; ótimo se o tempo não passar e você começar a ter surpresas. Vamos a uma pequena lista de possibilidades.

1. Você casou com aquele pobre coitado que tem que aceitar todas as suas “house rules” e vice-versa. Teve só a quantidade de filhos aceitável dentro das suas regras. Esses filhos cresceram. Lá pelas tantas, um deles aparece grávido. MUDANÇA DE CURSO ALERT! Tudo bem…o problema é meio que dele/a, você não estava lá na hora que ele/a virou os olhinhos, porque teria de estar agora? Sei, claro…se você não considerar que eles ainda não têm idade suficiente pra ter um trabalho bem remunerado e talvez você precise dar uma força com o enxoval dos SEU NETO. Ah…você esqueceu que essa criança seria sua neta? Desculpe lembrar…
Então, sua filha tinha esse namorado da idade dela, fazendo faculdade, estágio mal remunerado, e agora ela vai ter um filho, vai ter que trabalhar também, a familia dele tem um apartamento que dá pra eles ficarem, mas não existe grana para uma babá, uma creche, uma enfermeira, whatever. Puxa….parece que aquela pessoa cheia de regras vai ter que mudar um pouco, não? O seu dia todo planejadinho vai ter que mudar um pouco, a sua realização pessoal finalmente atingida, vai ter que ficar pra outra hora, porque das oito ao meio dia e das duas às sete, o nenem vai precisar ficar com você. Ele não vai mudar a sua vida, afinal, ele conhece as regras da casa! Só vai fazer cocô, chorar, querer brincar, comer, engatinhar metendo o dedo nas tomadas quando você mandar.
Justo agora que você já tem 45, os filhos cresceram e você pode fazer só o que quer…justo agora…

2. Você é linda e se casou - sim, essa possibilidade varia muito pouco – com um cara atlético, bonito, bem de vida, tudo o que mamãe sonhou para você, e você não ficaria jamais com um homem relaxado. Impôs todas as suas regras, alimentares inclusive, proibiu o coitado de deixar as meias no chão, ensinou a baixar o acento do vaso sanitário depois de fazer xixi. Ele cozinha para você aos sábados, joga futebol com os amigos nas quartas, (sim, ele também tem as regras dele), você não quer cachorro, ele não quer calcinha no box. Tudo lindo…uma perfeição só. Um dia, durante o jogo de quarta-feira, ele passa mal e vai para o hospital. Putz! Um derrame…Ele demorou um pouco para ser atendido, vai precisar de muita fisioterapia, T.O., RPG, fonoaudiólogo, comida pastosa, cama especial, cadeira de rodas…e não se sabe ainda que tipo de sequelas ficarão. Puxa…de uma hora para a outra, as meias pelo chão fazem falta. Tudo o que ele quer é poder ANDAR até o box e encontrar uma calcinha; e por que não comer uma picanha lá fora, FALANDO alto e jogando um pedaço para o cachorro? Quanto tempo se perdeu com picuínhas? Quem podia imaginar que, agora, não importa mais o quão linda você é, mas o quão adaptável você pode ser às necessidades do homem que você escolheu para amar? Basta saber se o amor pelo homem atlético perfeitinho era suficiente para amar o outro, na cadeira de rodas, precisando de você para ir ao banheiro.

3. Você é um executivo super ocupado que não tem tempo para besteiras e ensinou a sua família que o seu trabalho é prioridade máxima, já que sem ele você não pode dar o conforto que eles têm. Seus planos são ter dois milhões de dólares guardados até os 35 anos, plano esse que você encasquetou aos 16 e não há NADA que tire você deste curso. Você é um trator para o trabalho, em todos os sentidos, inclusive na remoção de obstáculos. Seus filhos são inteligentes, sua mulher é compreensiva e trabalhadora, consegue dar conta das crianças, do trabalho, da casa, e nunca faltou uma camisa passada para você vestir de manhã. Mas numa dessas manhãs, voltando do supermercado, um caminhão desgovernado… sorry, ela não resistiu aos ferimentos, se foi.
De uma hora para outra, sua vida virou de pernas para o ar, seus filhos ficaram desamparados, as camisas não estavam lá de manhã, e o trabalho não pode mais ser a sua prioridade, porque aquelas crianças precisam desesperadamente de apoio, e você ídem! Seus dois milhões de dólares não deixaram você dar a atenção que queria para a mulher que fez tanto por vocês. Seus dois milhões de dólares não deixaram você ver que seu filho mais novo é inseguro e sofre bullying na escola. Você tem 35 anos e algum dinheiro no banco, mas aqueles dois milhões de dólares não tinham a importância que você pensou.

4.Você é fodona. Tá ótima sozinha e “deus me livre casar, pra que?” Quer viajar, ser livre, conhecer o mundo inteiro, fazer amigos de todas as cores, raças e religiões, ir para onde quiser na hora que quiser, e não nasceu ainda o homem que vai conseguir te segurar. Ai que delícia! Só que numa das suas viagens, você conheceu um cara super legal, bom amigo, bonitinho até, uma graça, mas…nossa…muito diferente de você! Ele é fazendeiro na Austrália, não sai de lá de jeito nenhum. Tem que cuidar do gado, da plantação, dos cangurus, sabe lá do que mais, mas a última coisa que ele pensa é em deixar a calma do campo pra viver feito cigano por aí. No way! O máximo da agitação pra ele é um rodeo que acontece na cidade uma vez por ano. É uma boa agitação, porque junto com o rodeo tem leilão de gado e ele faz um bom dinheiro com isso. Imagina…até que seria legal ficar com ele, mas você não se vê de chapéu e bota, dirigindo uma pick up pra levar seus quatro filhos loirinhos de olhos azuis para a escola. Deus me livre! Tá! Você imagina o resto... Inclusive o rodeo.


Então crianças, sinto informar que não há na vida o que nunca mude! Nem mesmo as regras da casa. E aqui do alto da minha idade avançada, deixa eu contar que tudo, absolutamente tudo, muda! Se não for a pessoa que você ama a sair bagunçando tudo o que você um dia pensou, serão seus filhos. Se não forem eles, seus pais quando estiverem velhos, se não eles, um irmão, um sobrinho, um acidente, um prêmio de loteria, uma pessoa que você cruzou no avião bem quando tava tudo calmo…aff! Desculpa dar uma notícia dessas, mas a verdade é que o universo está SIM em movimento e a sua vida faz parte dele.

Bom dia!




quinta-feira, outubro 23, 2008

Jack & Mônica - outra hipótese I

"And when I touch you
I feel happy inside,
It's such a feeling
That, my love, I can't hide."
Lennon & McCartney

Eu fui jantar com a Wanda e as filhas -- Katlin e Heidy -- e os respectivos namorados. Três casais e eu, sozinha. O garçom serviu as bebidas, um dos meninos pediu um vinho, o que deixou a Wanda tensa, porque ela anda muito sem grana e não é bem assim tomar vinho francês em Los Angeles.
A gente estava lá conversando quando o telefone da Katlin tocou. Desde que o pai dela teve um problema com a polícia, telefone tocando à noite a desagrada visivelmente; sempre esperando o pior. A cara que ela fez quando perguntou: “QUEM??” foi quase assustadora. Depois, de uma hora para outra, começou a falar baixo, levantou e saiu da mesa. Todo mundo estranhou, mas eu me encarreguei de tentar levantar a conversa para acabar com o mal-estar.
Quando a Katlin voltou, estava de testa franzida, cara de pouquíssimo entendimento, sentou e foi bombardeada de perguntas: “Quem era?” “ O que houve?” “Aconteceu alguma coisa?” “Tá tudo bem?”
Ela ergueu os ombros com a cara esquisita e disse. “Tá. Meio surreal…mas ta tudo bem.” O namorado olhou feio pra ela, ela falou alguma coisa no ouvido dele ao que ele respondeu: “Coisa estranha…” E acabou o assunto quando o garçom chegou com os pratos.

Eu tinha dado uma única garfada no meu peixe, quando a Katlin cutucou o namorado e olhou para alguém que se aproximava. Claro que eu percebi, e olhei também.
Ai meu Deus! Eu paralisei.
Não conseguia mexer um músculo, embora quisesse gritar.
Lembra o homem no fundo do mar? Aquele do sonho? Aquele que tentava me dizer alguma coisa e eu não entendia? Ele. De verdade. De carne e osso. De camisa branca pra fora do jeans. De cabelo despenteado. De garrafa de vinho na mão. E nervoso.
Ele parou perto da mesa olhando pra mim, tão paralisado quanto eu. Juro que eu não tinha certeza se eu estava acordada. Fiquei confusa…o que ele estava fazendo ali? Por que estava me olhando daquele jeito? Quem disse que ele podia existir e ainda aparecer assim? Quem é essa criatura, pelo amor de deus?
Ele se curvou um pouco, meio com medo de cair, colocou a garrafa na nossa mesa, me deu um sorriso nervoso, daqueles que abrem e fecham várias vezes sem saber se podem acontecer, falou com a Katlin, sem tirar os olhos de mim nas primeiras três palavras.
- Katlin! Que bom ver você….
- Oi Jack… você veio!
Nessa frase todo mundo olhou pra ela com cara de espanto.
- Gente, eu convidei o Jack pra jantar com a gente. Tudo bem?
E ele:
- Me atrasei demais?

Foi o diálogo mais fake que eu já ouvi.

Mais do que rápido, como se fosse um concurso, a Wanda e o namorado da Katlin começaram a dizer, sem parar, frases variadas para consertar a situação e tentar fazer tudo parecer normal. O namorado da Heidy providenciou uma cadeira para ele, mas ele não conseguiu sentar. Cumprimentou um por um, até chegar em mim.

- Oi, eu sou Jack.

Ele balançava a cabeça num “sim” que parecia querer que eu concordasse, que eu dissesse: “sim, sim, você é o Jack”.
Eu disse o meu nome, e ele repetiu como uma grande descoberta:
- Môooonica…Muito prazer, Mônica…

Não, eu ainda não estava pronta para me mexer. Quando ele esticou o braço para apertar a minha mão, eu precisei fazer alguma coisa para os músculos ouvirem o meu cérebro porque eles ficaram irreversivelmente surdos. (Trombetas: ATENÇÃO NEURÔNIOS, COMANDAR BRAÇO DIREITO! MOVIMENTAR MÃO DIREITA! FORÇAR SORRISO ESPONTÂNEO!”. Ah…quanta energia gasta em três simples gestos: Estica braço, abre mão, sorri. Fiquei exausta só de contar.)
Por alguns segundos fiquei olhando para a mão dele ali estendida. A mão! Aquela mão! Lembra que eu falei que vi a mão dele no sonho e era demais? Pois era demais! Naqueles segundos eternos eu vi todos os dedos longos, a palma grande, o formato honesto das unhas, a linha da vida, a da cabeça, a do coração. Mãos eloquentes…mãos eloquentes…Ele me olhando, a mão esticada para mim, eu paralisada, ai que aflição, se mexe de uma vez!Foi!
Consegui me movimentar e sorrir um sorriso provavelmente idiota, mas pelo menos foi; e aconteceu o mais bizarro: quando meu dedo tocou a base da palma da mão dele, a proximidade produziu um mini raio de energia estática, que a mesa toda viu. O lugar era meio escuro, iluminado por velas, e a faísca pareceu um relâmpago tão forte, que a Heidy deu um grito. Ele soltou uma risada nervosa, e eu não consegui não abrir um sorriso gigante. Ele segurou a minha mão com força e não largou mais.

Isso durou muito tempo. A Wanda tentou mudar o clima da coisa fazendo perguntas sobre a família, “Jack, como vai sua mãe?” coisas do gênero, mas ele respondeu a todas sem largar a minha mão ou sentar. Entre eu e ele estavam Heidy e o namorado, com dois braços atravessados na frente deles. A Katlin perguntou se o Jack não preferia sentar, ele me olhou novamente, de uma forma um pouco mais urgente e respondeu alto demais.

- NÃO! – e continuou mais baixo - Quer dizer…não obrigado. Na verdade eu já jantei, eu só queria mesmo entregar essa garrafa de vinho para vocês comemorarem.
- Comemorar o quê? – a Wanda perguntou
Nessa hora, ele juntou a mão esquerda às nossas mãos direitas, segurando a minha com as duas dele.
- Comemorar....o encontro.

Aquilo tudo era muito surreal para eles. A verdade é que só eu e ele entendíamos o que estava acontecendo ali. Mas agora parecia que o resto da mesa meio que tinha desistido e resolveu ficar assistindo de camarote pra ver onde aquilo ia dar. Foi quando, ainda sem largar a minha mão, o Jack disse:

- Vocês vão me perdoar se eu roubar a Mônica de vocês, né?

A Wanda, como sempre curiosa e indiscreta, perguntou onde nós íamos "sem ela", e ele disse que não sabia, mas que nós íamos, e sem ela. Eu comecei a rir, porque ela merece demais uma resposta dessas, e foi só nessa hora que eu consegui relaxar, deixar meus ombros caírem, e soltar a mão do Jack. Meu Deus, ele olhava pra mim como uma criança, sorrindo com o rosto inteiro, sem nem tentar disfarçar uma euforia imensa que mal cabia no lugar. E eu, ai! Eu nem falava…estava tendo a visão mais incrível. Quantas mesmo são as maravilhas do mundo? Põe mais uma na sua lista.
Jack veio para perto de mim, olhou para a Katlin e disse:

- Katlin, você salvou a minha vida.
Ela olhou pra ele com estranheza, que conversa de salvar vida é essa?
- Sério…eu vou agradecer pra sempre.
E aí ele passou o braço pelas minhas costas, me puxou bem pra perto num semi-abraço e não se aguentou:
- Ahhh! Olha isso! – me apertando várias vezes – você existe! Eu consigo apertar você!
E me abraçou muito muito muito forte. Doeu! Aquele abraço doeu no peito, por dentro, como se estivesse torcendo todos os músculos, como se fosse um espasmo. Eu precisei puxar o ar com força para tentar conter a dor, e ele se curvou um pouco, demonstrando sentir a mesma coisa. Eu olhei nos olhos dele e estavam molhados. Não deu pra segurar nada, e eu também comecei a chorar, tentando não fazer uma cena, -- não chorar chorar, mas as lágrimas saíam sem eu poder controlar, não tinha como, não tinha mesmo. Ele me puxou de novo para abraçá-lo e falou no meu ouvido, bem baixo: “Por que eu tenho essa saudade de você?” Eu enxuguei os olhos dele o mais discretamente que pude, puxei o rosto dele para falar, no ouvido, que eu também não entendia, mas eu sentia o que ele estava sentindo.
A gente pediu desculpas, deu um tchau geral, eu peguei a minha bolsa e disse para a Wanda não se preocupar comigo. Quando ela perguntou se eu tinha a chave, ele respondeu antes que eu pudesse pensar:

- Ela não vai voltar hoje.
Eu franzi a testa pra ele, como se tivéssemos um segredo, mas ele me olhou meio bravo, meio me repreendendo e disse num tom mais grave:
- Você não vai voltar.
Tá, eu que não ia discutir, e nem queria mesmo voltar pra casa da Wanda onde eu estava hospedada há três semanas. A Wanda pediu pra gente contar o que estava acontecendo, e ele não me deixou responder. Disse que a história era muito longa, e que ele prometia contar depois, se tivesse um final feliz.

O Jack pediu o carro para o valet, e foi até o caixa pagar o jantar da nossa mesa. Disse que era o mínimo que ele podia fazer para agradecer o fato de ter conhecido a Katlin na infância e eu ter conhecido a Wanda um dia; de outra forma, nós nunca nos encontraríamos (imagina…a vida daria outro jeito, mas se ele podia dispor daqueles cento e poucos dólares, por que não?).
Eu fiquei na porta, esperando. Minutos depois, ele chegou por trás de mim, me abraçou, enfiou o rosto pelo meu cabelo e falou no meu ouvido:

- Quando a gente sair desse lugar eu vou te beijar tanto, mas tanto, que você vai morrer de beijo. Pode?
Eu ri, mas queria morrer! Você não sabe o que é ter aquele homem com todo aquele corpo que eu duvido que seja criação de Deus -- Deus não faria nada tão absolutamente irresistível – encostado atrás de mim falando no meu ouvido. Eu só consegui responder o óbvio: “Tenta.”
Era como se a gente estivesse junto há muito tempo. E estava, porque já fazia mais de um ano que eu sonhava com ele quase todas as noites. Ele não era novidade para mim, mas eu não sabia ainda a versão dele; ainda não tínhamos começado uma conversa que esclarecesse toda essa energia maluca que tomou conta de tudo, e que talvez fundisse de uma vez a cabeça dos dois.
O carro chegou, o valet abriu a porta para mim, eu entrei e já conhecia aquele cheiro de café, cigarro e perfume, misturado com banco de couro e cachorro. Parece horrível, mas eu juro que não é. É cheiro de carro de Jack, e eu já tinha aprendido a adorar aquilo em sonho, por isso não conseguia parar de sorrir. Ele entrou no carro e arrancou. Acho que dirigiu 300 metros sem falar, virou a esquina de uma rua tranquila, cheia de árvores e cercas baixas, em Beverly Hills, parou o carro, desligou, sentou virado pra mim, acendeu dois cigarros, me entregou um e começou a falar.

- Eu não tenho a menor idéia de quem você é. Eu sei que eu agi feito louco lá, mas não deu pra controlar nada. Era forte demais ver você ali e eu tinha que pegar em você, tinha que te olhar, e ah…você não deve tá entendendo nada!…mas você tá aqui!
Ele pegou a minha mão esquerda, começou a fazer carinho no meu braço, viu a minha tattoo e sorriu.
- Até isso é de verdade…
- Jack…
- Espera, não fala. Deixa eu te contar o que aconteceu, que acontece faz tempo. Você precisa ouvir pra não me achar um doido, até porque a essa altura não tem mais como eu fazer as coisas devagar, tentar não assustar você…e se eu assustei, me desculpa, mas não foge de mim, tá?…quer dizer, se você quiser fugir, eu não vou poder impedir, mas deixa antes eu te contar…
- Jack. Eu não vou fugir, você não me assustou, e acho que eu sei o que acontece…

Ora segurando as minhas duas mãos, ora fazendo uma verdadeira excursão pelos meus braços, sem parar, ele contou.

- A primeira vez faz um ano eu acho. Eu não sei direito quando começou. Eu sonhei com você, e você me pedia pra não esquecer o seu rosto. Só isso, muitas vezes, e o seu cabelo não tinha como esquecer, – mexendo no meu cabelo – era bem assim…

Enquanto ele mexia no meu cabelo, eu mexia no dele, e não tem como explicar a sensação de ter os cabelos dele passando por entre os meus dedos. É muito maior do que simplesmente ter cabelos passando entre os dedos: são os cabelos dele que muitas e muitas noites passaram pelo meu rosto, pelo meu pescoço, pelo meu peito, pelas minhas mãos, mas não eram reais. Agora são.
Ele continuou:
- Depois eu sonhei de novo, outra coisa, e depois de novo, e você foi chegando mais perto, já tinha me convencido a não esquecer a sua cara, e já tinha me dito outras coisas, e eu tinha medo. Me incomodava sonhar todo dia com a mesma pessoa, parecia coisa de gente maluca. Eu comecei a dormir mais tarde, não dormir, beber pra dormir mais pesado, e só baixei a guarda muito depois, na noite que eu toquei em você, e foi real. Então eu quero que você entenda o meu estado quando eu te vi. É você, entendeu? A minha loira do sonho. A mulher que dormiu comigo esse tempo todo, que eu vi todo dia, que eu não sabia se existia em algum lugar do mundo, se tava morta e era um fantasma, se era de verdade, se era imaginação, sei lá. Nem sempre a gente só falou. Nem sempre você só tava lá. Muitas vezes, muitas, inúmeras, incontáveis vezes a gente fez amor. E é mágico...

Eu fiquei sem jeito, mas eu sabia. Sabia de tudo e sabia do sexo, claro, porque ele também não ficava passeando nos meus sonhos, brincando de sereia no fundo do mar para sempre. Ele saiu do mar logo…e logo estava na minha cama.

- Eu sei.
- Sabe?
- Sei tudo, Jack…
- Você também?
- Também. Eu sonhei com você todo dia também, morri de aflição também, desisti de dormir também, baixei a guarda e entreguei a chave do castelo...também.
- Então você sabe…
- O que?

O Jack real tinha uma coisa melhor do que o Jack do sonho: ele era milhões de vezes mais carinhoso. Eu não vou dizer que ele é fofo, porque fofo é ridículo e não combina com um homem daquele tamanho. Se aparecer uma palavra que signifique a mesma coisa sem ser ridícula, eu vou ter prazer em dizer que ele não é fofo. Mas é. Ele é todo olhares e mãos…ele fala com palavras e com os olhos, com as mãos e com os ombros, ele diz o que quer e confirma com o resto do corpo. Ele é todo verdade, todo transparência e tudo o que essa verdade e essa transparência tinham para dizer, é que ele era o homem mais feliz do mundo por estar perto de mim, e não queria deixar isso acabar por nada nesse mundo.

- Que eu não vou desgrudar de você.
- Pergunta se eu quero.
- Eu não….

E ele me beijou. Lembra aquela hora que a gente se abraçou no restaurante e sentiu uma dor estranha, no peito? Dobra aquilo. Era uma coisa aguda, o coração sendo torcido feito uma toalha molhada, quase insuportável e ao mesmo tempo, pasme, trazia um alívio gigantesco. E o beijo? Foi como fechar um círculo que não devia estar aberto. Foi como beber água fresca depois de quarenta dias no mar; como um jato de sangue no cérebro depois de um desmaio. Alívio, volta para casa, terra firme finalmente. Depois, o beijo tornou-se hipnótico, tirando a nós dois do chão, fazendo com que o resto do planeta deixasse de existir e fôssemos só lábios, línguas, e um ballet de nós dois flutuando no espaço... uma droga que faz a pele tornar-se elástica e infinita, cada toque ser multiplicado por mil, fazendo a pele ser a única vida possível.
O Jack afastou os lábios um pouco, segurou minha nuca, olhou nos meus olhos e me disse o que eu sentia:
- Saudade…
- Muita.
- Não vai mais embora…nunca mais fica longe…
E me abraçou como se soubesse o que estava dizendo.

Nós saímos dali e fomos para a casa dele. Assim que entramos, o celular tocou e ele atendeu.
- Oi… desculpa desculpa desculpa! Eu esqueci. Desculpa.
Era uma mulher no telefone, dava pra saber pelo timbre da voz.
- Eu fui comprar o vinho. Comprei e tudo, mas encontrei uma pessoa, nem peguei o vinho…e saí com ela…eu tô com ela aqui.

Ele me olhou sorrindo todo feliz, me pegou pela mão e me levou para a cozinha, abriu a geladeira e pegou uma coca-cola, me mostrou, meio perguntando se eu queria, eu aceitei, ele colocou no balcão, pegou dois copos, encheu de gelo na porta da geladeira, abriu o refrigerante e dividiu nos dois copos.

- Não, você não vai acreditar, então nem vou contar.

Jack me entregou um dos copos, encostou no balcão ao meu lado com as pernas abertas, me puxou para a frente dele me encaixando entre elas e me abraçou, ainda falando no celular.

- Tá. Eu te conto e desligo: é a minha loira.

Eu escutei o grito dela do outro lado.

- DO SONHO?
- Do sonho…
- Como assim? Ela existe?
- Yep. E tá aqui comigo. Beijo tchau.
- Não! Me conta direito!
- Beijo tchau!!!
E desligou o telefone com o maior sorriso do mundo. Eu perguntei quem era e ele disse que era a irmã, que muitas vezes disse pra ele fazer terapia, porque estava obcecado por um fantasma.
Daquele sorriso lindo veio outro beijo, agora mais grave, quase que mais sofrido, prensado, engolido. Ele segurava as minhas costas me puxando para junto dele como se eu fosse fugir, usou as pernas para me prender, grudou em mim. Se afastou do balcão sem dizer nada e, ainda grudado me beijando, foi andando e me conduzindo. Quando eu quis me virar para ver onde pisava, ele me levantou no colo, colocou minhas pernas em volta do quadril dele e me levou para o quarto, nos jogou na cama, me olhou ofegante, tirando a camisa pela cabeça, me beijou outra vez falando dentro da minha boca:

- Deixa eu fazer de verdade o que eu fiz sonhando?

Claro que sim, lógico que sim, se ele prometesse que seria igual, mas eu não pediria uma coisa dessas, porque era difícil prever…De qualquer forma, nada que viesse do dono daquele beijo poderia ser diferente do que eu vi nos sonhos.
Eu fiz um "sim" com a cabeça, e senti o longo e aliviado suspiro que veio de dentro dele. Ele era meu. Não tinha como ser diferente. Assim que eu senti a mão dele levantando o meu vestido, subindo pela minha perna, tive mais certeza. O calor da palma, a pressão dos dedos, os movimentos perfeitos, delicados… As mãos eloquentes do Jack iam começar o seu mais belo discurso.
Se foi um raio que surgiu nas nossas mãos a primeira vez que se tocaram, uma tempestade magnética tomou conta de tudo quando ele entrou em mim. Foi lento, foi constante, foi mágico…Não sei se sei definir aquilo. Foi um respirar mais profundo do que o primeiro de todos, um nascimento, um dar à luz, foi romper a membrana invisível que separa as almas.

Depois de tudo, ficamos assim por um tempo que eu não sei contar…deitados de frente um para o outro, pernas trançadas, meu rosto colado no peito dele, os braços dele em volta de mim. Só o que se ouvia no silêncio mágico, eram as ondas quebrando na praia lá embaixo, e o entrar e sair lento, pausado, do ar dentro de nós.
- Mônica…
- Jack…
- Se eu disser uma coisa que tá engasgada aqui, você vai me achar maluco e fugir de mim?
- Se você continuar dizendo que eu posso fugir, vou.

Ele me abraçou mais forte.

- É que eu acho que eu...
- Fala.
- Não…não precisa.
- Eu sei...
- E você?
Eu me arrastei mais para cima, para olhar no olho dele.
- Mais do que eu sabia que podia.
Ele sorriu, me beijou e repetiu a minha frase:
- Muito mais do que eu sabia que podia…

Ali, na cama listrada pela luz que passava pela persiana de madeira, ficamos contemplando a imagem que por tanto tempo achamos que fosse só um delírio. Eu olhando pra ele, ele olhando para mim. Aos poucos, nossos olhos se renderam ao sono, foram ficando pesados, pesados, até se fecharem.
Pela primeira vez, em trezentos e noventa e nove dias, nenhum de nós precisou sonhar.


end of story

sexta-feira, outubro 10, 2008

Jack & Mônica

"the long and winding road that leads to your door,
will never disappear, I've seen that road before
it always leads me here, lead me to your door."


Lennon & McCartney

Então me diz como é possível? Como essas coisas acontecem com ela, assim do nada, e acabam dessa forma? Se eu contar, parece mentira. Se fosse comigo dariam risada e me internariam num hospício (não que ela não tenha tido vontade de se internar por conta própria). O fato é que coisas assim não acontecem fora dos filmes! A não ser que ela esteja no meio...

Foi um ano inteiro daquela loucura: ela tentando se fazer de normal, mas sofrendo em silêncio para lidar com a obsessão. Não contou para ninguém além de sua terapeuta, que nunca teve um resposta convincente, um diagnóstico, nada. Seria bem fácil dizer que ela era louca, se a coisa não tivesse começado sem querer, de um sonho que ela não pediu para sonhar. Era este o fato que despertava a curiosidade da psicanalista que, ao invés de tratá-la, resolveu ver onde aquilo ia dar. Bem por isso era uma aflição solitária. Todos os dias ela acordava e dormia com o mesmo pensamento, a mesma imagem cravada no cérebro, mas enfrentava o dia-a-dia como se aquilo fosse um preguinho no sapato ou um jeans meio apertado: "é ruim, mas dá pra aguentar".

De todas as pessoas com quem ela conversava, só uma trazia alguma paz. Era Naele - uma amiga que ela conheceu no Facebook, mais velha, escritora, do outro lado do mundo, com quem tinha longas conversas diárias que a aliviavam do peso da obsessão. Naele nem sonhava com a angústia da amiga, conversava com ela sobre política, livros, filmes, roteiros até altas horas da madrugada, até o cansaço ser grande o bastante para garantir uma noite sem sonhos.

Ela apertou o botão verde do Skype e esperou, mas ninguém atendeu. Talvez Naele estivesse dormindo...tentou de novo. Depois de três ou quatro toques de chamar, alguém atendeu o Skype. Não era Naele.
- Oi.
- Oi, quem é?
- Jack. Acabei de chegar e ouvi o skype no escritório...me meti.
- Ah...oi...tudo bem? Cadê sua mãe?
- Boa pergunta...fica aí.
Depois de algum tempo, Jack voltou ao computador.
- Acho que ela foi abdusida!
- hahaha!
- Não tem ninguém em casa. Só eu e você.
- Tudo bem. Eu falo com ela amanhã...obrigada Jack.
- Vai dormir?
- Não, mas vou desligar.
- E eu?
- Que que tem?
- Tão ruim assim falar comigo?

Aquela noite, Jack se encarregou de ajudá-la a dormir de cansada como se tivesse sido encumbido desta missão. Ele ouvia a mãe contar várias histórias da amiga, e já compartilhava de alguma forma da mesma admiração. Foi assim que nasceu o primeiro fruto da amizade com a Naele: as conversas com Jack passaram a ser constantes. Muitas vezes Naele estava no escritório e Jack no quarto, ambos falando com ela, e quando Naele viajava, era Jack quem enchia as noites de carinho e gargalhadas.
De qualquer forma, Jack e Naele eram um paleativo...um pain killer...um tylenolzinho. Os dias ainda tinham 24 horas, e as 3 ou 4 passadas com eles eram nada diante das outras, quando a obsessão voltava com força. A cada pausa no trabalho um search no Google para ler possíveis notícias ou fofocas sobre o alvo de sua obsessão...a cada olhada no espelho uma conversa imaginária; a cada quilômetro no carro uma cena tórrida, um beijo na boca, uma frase matadora, uma vontade de se internar para fazer sonoterapia até o mundo acabar.

Quando ela perdeu uma pessoa querida a dor fez com que a obsessão a deixasse respirar um pouco. Mais uma vez, o alívio da dor morava na voz de Naele e na presença de Jack em seu celular, seus e-mails, suas madrugadas. Jack era perfeito, se não fossem seus três defeitos principais:
1. ser filho de uma amiga
2. ser infinitamente mais novo do que ela
3. não ser aquele que habitava seu espelho todos os dias

De qualquer forma, houve noites em que desligar o computador era a única saída para não cair em tentação. Houve momentos em que Jack se afastou, e ela chegou a sentir ciúmes misturados a saudade e raiva de estar tão longe -- em todos os sentidos. Houve dias em que um novo sofrimento se somava ao habitual, e seu nome era Jack.
E a terapeuta? Nada! A terapeuta deu graças a deus quando Jack entrou em cena. Pelo menos ele era real. "Real? Ele é mais que irreal! Ele é inconcebível! Ele não existe e fim!" Nestes dias, abrir o Google e ocupar a cabeça com a imagem do amor impossível, era o melhor remédio.

O tempo passou e muito pouco mudou. Jack ia e vinha, como se às vezes precisasse se afastar e às vezes não vivesse sem saber da existência dela. A velha obsessão continuava tirando o sono dela e dividindo seus dias entre horas de lucidez e horas de insanidade.

Era Novembro quando Naele convidou-a para passar a semana de Ação de Graças em sua casa na montanha. Fim de ano foi sempre uma época de pouco trabalho e muita tristeza, por isso ela aceitou o convite, pensando até mesmo na hipótese de encontrar trabalho por lá e ir ficando. "Quem sabe os problemas são barrados na imigração e ficam para trás?"

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20 de Novembro.
Ela, seu notebook e sua mala chegaram à porta da casa de Naele, em Mammoth Mountain. O frio era obviamente cortante na estação de esqui, nesta época do ano. Encasacada, enrolada em cachecol, luvas, capuz, ela esticou o braço para fora do carro que dirigia e tocou a campainha do portão.
- Alô?
- Oi, é Mônica*.

O grande portão de ferro se abriu como se fosse a Playboy Mansion, enquanto ela conferia o endereço no e-mail amassado que tirou do fundo da bolsa. Em um ano de conversa com Naele, ela jamais soube que a amiga morava numa casa assim. "Se isso é a casa da montanha, o que será a casa em Los Angeles?" Subiu a longa driveway até a entrada da casa, onde foi recebida por um segurança que abriu a porta do carro e perguntou se ela tinha bagagem.
- No porta malas...
- Eu cuido disso. Seja benvinda.

Surreal...muito surreal. Ela sempre imaginou Naele como uma mulher simples, com o computador ligado num escritório improvisado na copa, a máquina de lavar louça batendo enquanto se falavam...E Jack? Jack para ela era um homem bonito e mal vestido, que bebia cerveja vendo jogo com os amigos num sofá de veludo verde gasto. E por que isso? Nem imagino!
O segurança abriu a porta da frente e disse que ficasse à vontade. Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, a porta se fechou atrás dela e era só ela e a sala enorme, rústica, com uma lareira quase da sua altura.
- Hello?? Alguém?
Ela foi tirando as luvas e o casaco, começou a desenrolar o enorme cachecol quando uma porta bateu em outro cômodo. Ela largou suas coisas em cima do sofá e seguiu o som, andando pela casa.
- Oie...?
As duas folhas da porta da cozinha se abriram. De dentro delas saiu o que para Mônica era uma assombração. Descalço, de camiseta branca e jeans, cabelo despenteado, veio ele: Mister Obsession em pessoa com seus olhos azuis, sua pele bronzeada, seu sorriso incrível...
- Oi? - ele disse com ar de curiosidade
Ela demorou uma eternidade para poder responder.
- Ta tudo bem?
- Err...oi. Eu...eu acho que entrei na casa errada...eu tenho um endereço, mas acho que...

Mais surreal! Só acontece com ela, eu falei! Ela viajou dezoito horas, pegou um carro alugado e dirigiu um monte, o jet leg fazia com que ela se entendesse cada vez menos. O que aquela criatura estava fazendo naquele endereço? Era amigo do Jack? Era um fantasma? Ela estava sonhando de novo e ia acordar no avião?

- Calma, deixa eu ver o endereço.
Ela não conseguia sequer se mexer.
- Ta tudo bem?
- Não. Quer dizer...não sei.
Ela andou até a sala onde tinha largado as coisas, pegou o papel na bolsa e ele se aproximou para ler.
- Ta certo. É aqui. -- Mas ele franziu as sobrancelhas quando viu o nome no papel. Tirou o papel da mão dela, desdobrou nervosamente, leu o e-mail inteiro. -- Mônica? Você não é a Mônica!
Mais confusa ainda ela respondeu que sim, ao que ele não reagiu bem.
- Como assim? Você ta brincando, ne?
- Não...brincando por que? Eu sou a Mônica. E você ta aqui por que?
- Eu moro aqui. Jack. Eu.

Hello? O mundo caiu!
Jack e Mr. Obsession eram a mesma pessoa? Durante um ano ela esteve dividindo sua atenção entre Jack e Jack, sem saber? Durante um ano ela fazia Jack e Jack trocarem de lugar para aliviar o coração da paixão por um e da obssessão por...ele mesmo?
Mas o nome da mãe do Mr. Obsession não é Naele! Não...é Meredith N. Stephen -- Meredith Naele Stephen -- mãe de Jack Lindermann -- nascido Jacob Stephen-Lindermann -- Hollywood hunk, superstar, parte do top ten list de atores mais bem pagos, um dos solteiros mais cobiçados do showbis. E a terapeuta? Fuck a terapeuta! Agora tudo estava mais do que confuso...ou não.

- Jack? Não pode ser...
Ela riu e se aproximou dele mas ele deu um passo atras.
- Você não é a Mônica. A Mônica é velha.
- Eu sou velha.
- Não é. A Mônica tem a idade da minha mãe.
- Não. A sua mãe tem 62, eu tenho 45.
- Você não pode ta falando sério.
- Que que ta acontecendo?
- Olha pra você. Eu passei um século achando que você era igual à minha mãe e você aparece desse jeito...?
- Que jeito?
- Assim! -- ele apontou pra ela, olhando de cima abaixo -- olha a tua cara! olha o teu corpo! olha tudo...por que que você não...
Bufando furioso, ele comprimiu os lábios com raiva, deu um soco no aparador perto do sofá.
- Jack...calma...por que você ta com raiva?
- To. Eu to odiando você Mônica. Você não faz idéia. Não faz idéia...

Ela nem pode se recuperar do primeiro golpe e já estava tentando entender mais uma parte dessa história maluca. Ele se alterou, falava muito alto, com gestos grandes:

- Você sabe quantas noites eu quis bater a cabeça na parede até parar de pensar em você? sabe quantas vezes eu quase entrei num avião pra ir te falar que "foda-se se você tem cento e dez anos e tá apoderecendo, porque é com você que eu quero ficar"? Você tem noção das coisas que eu passei? Do quanto eu enchi a cara? Eu fui no psiquiatra!
- Jack...
Ele chegou bem perto do rosto dela, com muita cara de ódio:
- Sabe com quantas mulheres idiotas eu saí, de saco cheio porque ia levar 40 anos pra elas chegarem aos seus pés? Sabe quantas mulheres eu comi pra tentar gostar de alguém? E agora você aparece, 20 anos mais nova...
- Vinte anos mais velha que você.
- São 17. E foda-se!
- E amiga da sua mãe.
- Foda-se também...puta que pariu, Mônica, eu virei um lixo! Por que você acha que eu passava tempos sem entrar online? Porque eu tinha que largar você, entendeu? Eu tinha que tentar achar outra coisa pra fazer, que fosse melhor do que ficar me torturando. Mas quer saber? Não tem!
Ela riu e balançou a cabeça...
- Por que você nunca me disse que era o Jack Lindermann?
- E agora, olhando pra você aí, toda bonitona, me dá mais raiva ainda de pensar que você tem aquela paixão idiota pelo cara la que você não diz quem é! Antes okay...você tem a idade da minha mãe e ele deve ser um velho, azar! Mas não é ne? quem é ele, Mônica?
- Jack, eu acabei de chegar....eu to cansada, com jetleg, acabei de ver a sua cara pela primeira vez, ainda nem me recuperei, e você ta tendo o ataque de ciúme mais absurdo que eu já vi!
- Absurdo o caralho, Mônica! Eu to puto! To me sentindo idiota, trouxa, traído pra caralho!
- Jack...
- Por você e pela Dona Meredith que merece morrer! Que ódio!
- Jack...vem cá.-- ela se aproximou dele, tentou abraçá-lo.
Ele se afastou bruscamente, empurrando os braços dela para longe.
- Abraço nada! Sai!

Sem dizer nada, ela virou e foi buscar a bolsa e o casaco.
- Onde você vai?
- Cadê a sua mãe, Jack?
- Só chega de noite.
- Então diz pra ela que eu volto quando ela tiver em casa.
- Onde você vai?
Ela pegou as coisas e foi para a porta.
- Eu volto à noite! - respondeu sem olhar para tras.

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21 de Novembro

- Mãe, cadê a Mônica.
Sem tirar os olhos do computador, uma Naele meio calma demais responde:
- Não sei...você me diz.
- Ela não voltou?
- Você viu ela aqui?
- Mãe eu não acredito que ela não ligou pra você. Fala!

Naele girou a cadeira lentamente na direção dele, pegou a carteira de cigarro, ofereceu a ele.
- Quer?
- Não mãe. eu quero saber cadê a Mônica, só isso.
- Tentou o celular?
- Ela não atende. Você falou com ela?
Ela acendeu o cigarro, tragou, soltou a fumaça muito calma
- Você atenderia, Jack?
- Mãe, ela ta sozinha em algum lugar. Ela DORMIU sozinha em algum lugar. Me diz que você sabe onde ela tá.
- Eu sei onde ela tá, Jack, mas não vou te falar e você também não vai atrás dela.
- Eu preciso.
- Não. ELA precisa de um tempo. Você fez todo o seu comício e não deixou ela falar. Você gritou e esbravejou porque acha que sofreu, meu filho.... mas ela passou por coisas muito piores que você. Ela não tinha comício pra fazer, mas podia ter tido um enfarte a hora que te viu.
- Como assim? Por que?

Medindo as palavras, Meredith contou a Jack o que a amiga disse a ela, chorando, num Café no centro da cidadezinha. Toda a história da obsessão, desde o sonho, até o momento em que Mônica percebeu que estava se apaixonando por Jack e tentou evitar. Todos os conflitos que ela viveu no decorrer do ano por se achar louca, antes apaixonada por uma foto, depois pelo filho da amiga, vinte anos mais novo...

- E o que que você acha disso tudo, mãe?
- Eu acho que vocês dois perderam tempo demais. Você podia ter me pedido pra ver uma foto da Mônica; eu tenho acesso a milhares delas. Você podia ter me dito o que tava acontecendo, eu daria um jeito de vocês se encontrarem antes. Ela podia ter me contado sobre qualquer uma das paixões dela e eu teria ajudado - com qualquer um dos dois...
- Você podia achar ruim ela ser sua amiga, e a diferença de idade, brigar comigo, sei lá.
- Jack...você é o meu filho querido. Ela é a minha amiga querida, e se não fosse, eu não chamava ela pra vir pra cá. São as duas pessoas que eu mais quero ver felizes.

Jack deu um beijo na mãe que o abraçou por um bom tempo.

- Como você é burro, Jack Lindermann...
- Que que eu faço?
- Vai tomar um banho e ficar lindo.
- Mas mãe...
- To falando...vai logo!

Assim que ele deixou o escritório, Naele saiu. Ao entrar no carro, falou com o segurança:
- Minha amiga Mônica vai chegar. Ponha as malas dela na ante-sala do quarto do Jack, sem que ela veja, e avisa os dois que eu volto dia 24 pra receber os convidados.
- Sim senhora. Boa viagem.

Quando a Mônica chegou, a casa estava vazia e silenciosa. Ela andou pelos cômodos sem encontrar ninguém...entrou na cozinha, passou pelas várias salas, entrou no corredor. Havia música vindo de um dos quartos. Foi até a porta, virou a maçaneta devagar, a música aumentou um pouco. Era uma sala de estar com um sofá, TV, fotos de Jack na estante...e outra porta que ela tentou abrir, mas estava trancada. Bateu.
- Jack?
Sem resposta.
- Jack? Abre? Sou eu...
Bateu novamente.
Cléck. A porta foi destrancada.
A maçaneta girou lentamente.
A porta se entre-abriu.
De cabelo molhado, sem camisa, um "meio Jack" apareceu.
- Oi.
- Oi... preciso contar uma coisa que você não sabe.
- Hm...medo das coisas que eu não sei.
Encostados na porta, meia Mônica para dentro, meio Jack para fora, palavras pausadas, frases curtas, os dois falando baixo, quase sussurrando, muito perto um do outro. Jack fingindo fazer pouco de cada frase dela.
- Aquele cara que eu falei...
- hum.
- ...que eu me apaixonei assim...sem volta...?
- Sei...
- Ele tem olhos incríveis...
- É?
- É...e um sorriso.
- hum.
- ... quase a prova de que deus existe...
Jack sorriu, com os olhos brilhando, e provocou:
- Que mais...?
- O corpo dele...
- Que que tem?
Ela encostou a testa no peito dele:
- É muito pra mim...Jack.
- É nada... -- abraçando -- ...conta mais.
- As mãos?
- Que que tem?
- Parece que se eu der a mão pra ele... se a minha mão couber na dele...e cabe, eu posso andar pra sempre, sem medo de nada.
Jack pegou a mão dela, fechou a sua até cobrir a dela, entrelaçou seus dedos. Ela sorriu, com a outra mão engatou um dedo no cós do jeans dele, puxou para perto.
- Mas mesmo que ele não fosse assim, eu...
- Você...
- ...ia ser louca por ele...

Ele puxou Mônica para dentro do quarto
- Vem aqui, velhinha...


Ai ai...
Tem coisas que não acontecem fora dos filmes, mas eu juro: acontecem com ela!
Livre de um hospício, ela agora vivia outra agonia: suportar ser Mrs. Jack Lindermann - a bruxa malvada estrangeira e velha que fisgou o peixe que todas queriam -- revista de fofoca...tablóides...fans enlouquecidas...falta de privacidade... cenas de amor com atrizes lindas e jovens...viagens intermináveis. Mas no fim do dia, todos os dias, ainda era a presença de Jack que curava tudo, e fazia a vida valer a pena.

É a vida que imita a arte, ou a arte que ouve os sonhos dos vivos?


Bom fim de semana.


*Acho que vai ser pra sempre Mônica

segunda-feira, outubro 06, 2008

Escuro

"golden slumbers fill your eyes,
smiles awake you when you rise.
sleep pretty darling do not cry,
and I will sing a lullaby."

Lennon & McCartney


E se ele acordou do sonho com aquela mulher, sem entender onde estava ou o que ela quis dizer?
- É só um sonho.
- É? E por que me acordou, como se eu tivesse que prestar atenção?

- "Não esquece o meu rosto...olha bem...não esquece o meu rosto." Como se fosse possível esquecer.

E se ele acordou e não se lembra, e vestiu uma bermuda, uma camiseta, um tênis e foi correr? E se o telefone tocou dez vezes durante a corrida, e em todas elas ele achou que fosse uma notícia importante que ele não sabia de quem? E se o suco que ele sentou para tomar tinha gosto de coisa nova que ele não sabe o que é? E se toda vez que ele olhou para a cadeira à sua frente, parecia que alguém ia sentar e falar com ele?
- Oi, não esquece o meu rosto.
- Ein?
- Não esquece...

E se ele só acordou depois das dez e não foi correr? E se o omelete estava ruim e o dia parecia começar horrível? E se ele olhou para o quadro da sala e estranhou o rosto da mulher pintado com cores fortes, o cabelo parecia não poder ser tão armado; e ele chamou a empregada pra ajudá-lo a tirar o quadro da parede porque queria outro no lugar, com outro cabelo, com outra cor...como se ele soubesse o rosto que devia ser pintado mas não soubesse onde encontrá-lo?

E se a essa hora ele achar que o dia foi estranho? E se ele achar que falta alguma coisa? E se ele sentir que tem um vazio estragando tudo, que não estava lá ontem? E se todo lugar que ele olhar tiver uma lacuna que ele não sabe preencher?

E se ela deitar outra vez, assim que a noite esfriar, e se ela fechar os olhos de leve sentindo o peito apertar? Se uma lágrima escapar junto com um meio sorriso, como se ela soubesse por que chora e tivesse motivo novo para sorrir? E se o sono pesar em sua cabeça levando a consciência para onde ela não alcança? E se nesse imenso nada negro o rosto dele se formar e a voz que ela conhece entrar em seu cérebro dizendo: "Não esquece o meu rosto..." ?

E se encontros fossem possíveis fora da escuridão?


sexta-feira, outubro 03, 2008

Perguntas que me intrigam

Existem perguntas sem respostas decentes. Perguntas para as quais, mesmo que eu repita todos os dias, encontro semi-respostas, que não me convencem.

. O que faz a minha empregada guardar livro na estante de cabeça para baixo?
. Por que o dicionário da Apple é de português de Portugal?
. O símbolo da medicina - o caduceu - são duas cobras em espiral ascendente em torno de um bastão, vem da mitologia grega (Hermes) e se assemelha à forma do DNA. Quem sabia da existência do DNA na Grécia antiga?
. Onde vão parar os elásticos de cabelo? E os pregadores de roupa?
. Quem disse que o José Mayer é bonito?
. Por que sempre tem Tylenol quando você procura buscopan e o Tylenol some quando você tem dor de cabeça?
. Como encontraram tabaco no corpo dos Faraós, se o tabaco só existia nas Américas?
. Você conhece alguém que ferva algo na chaleira além de água?
. Quem disse pro Edson Celulari que ele fica bonito de sobrancelha tirada?
. Você já vestiu uma bota que não tivesse uma meia esquecida dentro?
. Quem deu o mapa de Orion para os egípcios reproduzirem com pirâmides?
. Por que as pessoas falam sozinhas em novela?
. Eva foi feita de um pedaço do corpo do Adão. Como você explicaria "clone" para índios de uma tribo isolada?
. Alguém acha mesmo que o Q da Globo é de Qualidade? Já viu que, na novela, tudo treme quando bate uma porta?
. Quantos anos o Agnaldo Rayol tinha quando nasceu? Ele já era todo esticado?
. As células-tronco podem ser tiradas do cordão umbilical. Quem avisou para os antigos que eles deviam guardar o cordão umbilical das crianças?
. Por que todos os santos e deuses descem do céu fazendo barulho e cercados de luz?

I carry your heart in mine

e.e.cummings by heath ledger


ou aqui.

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart(i carry it in my heart)