quinta-feira, dezembro 11, 2008

Desembaraçar

"Aprendi que se pode conhecer muito bem uma pessoa pela maneira
que ela reage a três coisas: dias de chuva, bagagem perdida,
e o modo como ela desembaraça luzes de Natal."

Maya Angelou


Essa sempre me pareceu a hora mais importante do ano. A hora de provar para mim mesma que eu sou capaz de desenrolar cada fino fio verde, entendendo para onde cada volta pretende ir, tomando o cuidado de não bater as pequenas bolhas finas de vidro, quase inexistentes, e descobrir, uma por uma, qual lâmpada ainda pode guardar alguma vida, depois de 340 dias de quase-morte.
Parece dramático, eu sei.
Mas eu acho que existe uma relação muito clara entre as luzes de Natal e a vida que vivemos. Ou sou só eu? Enquanto elas dormem, fingindo não ter vida, durante o ano inteiro, eu preciso de luz. Não bem assim...eu preciso TER luz. Sou eu quem precisa iluminar e estar viva, reluzente, cheia de energia, durante os dias que vão passar tão rápido quanto o acender e apagar contagiante das luzes em festa.
Durante o ano inteiro, me parece, o que fazemos é desenrolar, desembaraçar, tentar entender e seguir caminhos que são às vezes claros com o dia, às vezes misteriosos como as curvas de um rio barrento. Para que lado estamos indo? Que movimentos podemos fazer para não esfacelar desejos em milhares de pedaços tão finos que acabem virando pó? Como seguir essa linha e mantê-la nas mãos de um jeito que nada se perca, nada se enrole para sempre, nada nos mantenha presos sem poder mover as mãos?

Sempre que abro as montanhas de caixas que guardam outras caixas e saquinhos plásticos, descobrindo as cores e brilhos dos enfeites de Natal, tenho a mesma sensação incômoda de que o ano está nas minhas mãos.
Existe uma árvore grande ao meu lado, inteira verde e crua e eu preciso transformá-la numa explosão de alegria. Preciso fazer com que ela tire o fôlego das crianças e encante os adultos. Está na minha mágica trazer imagens da infância, rostos que se foram, risadas alegres e a lembrança das fitas coloridas desatando seus laços para revelar sorrisos. É quase impossível fazer isso sem saber que estou, enfeite por enfeite, construindo os próximos 12 meses. "O que será? Por via das dúvidas, é melhor usar mais brilho!"

Toda vez que me me deparo com os milhares de fios das guirlandas da árvore -- são fios de bolinhas vermelhas, outros dourados, outros são notas musicais, outros fios gigantescos de pequenos sininhos -- eles estão todos na mesma caixa, trançados num grande bolo a princípio impossível de entender --, começo a puxar cada ponta para tentar separá-los, e penso se não é exatamente isso que passamos a vida fazendo. Pelo menos nós, mulheres. Se parar pra pensar, me lembro quantas vêzes, desde sempre, aprendemos a "desembaraçar". Observando ainda pequenas, a paciência com que nossas mães desembaraçam seus cabelos de manhã. O movimento da escova cuidadoso para não arrebentar os fios. E imitamos seus gestos em frente ao espelho, nos achando lindas, desmanchando os pequenos nós que estão lá. Depois os novelos de lã, os nós dos bordados, a linha que enrola ao pregar um botão, a máquina de costura que prende o carretel quase arruinando a costura, os pontos complicados do tricô, as franjas do tapete, os cordões da cortina, os fios da persiana, os colares na caixa de bijouteria, os cabelos de nossas crianças, e tudo outra vez.

Depois de todos estes pequenos e árduos testes de paciência, estamos prontas para guiar os passos dos filhos que teremos, entender os caminhos do homem que amamos, traçar o mapa por onde andará cada pessoa que importa, dizendo, sem dizer, por onde se chega mais rápido ou por onde a estrada é mais bonita.
Desembaraçar. O fio de luz, a vida alheia, a nossa própria, as relações. É este o talento secreto das mulheres mágicas que enfeitam, todo ano, as árvores de Natal, os dias do ano, as vidas que a cercam, o emaranhado dos caminhos por onde passam.

Chegando a hora o meu post de Natal, o que eu desejo a cada uma das pessoas que passam por mim, é que tenham o poder de enfeitar, com claras linhas de luz, os dias de vida que virão. Os seus e os de quem precisa da sua luz para sobreviver.


foto: Pleiades (M45) Sete Irmãs (luzes....no céu)
www.astrocruise.com

3 comentários:

Alice Salles disse...

ah mer...
que coisa linda...
e o que isso quer dizer quando a gente não gosta de desembaraçar as luzes de natal e não gosta de coloca-las na arvore? Quer dizer que eu não sei por minha luz pra brilhar? ai ai ai, to começando a entender tudo agora! Maldita luzinha de natal! Seu texto está uma delicadeza só. Beijos

Pedro Rocha disse...

Lindo lindo! Aliás, estou precisando paciência pra desembaraçar algumas coisas por aqui que eu adoraria se fossem apenas luzinhas de Natal.

Beijos

;)

Clélia Fagundes disse...

Voce me colocou pra pensar....ai me deparo com a minha realidade embaraçada.....as luzinhas de natal já perdi a paciencia de desembaraçar e joguei tudo fora.....com o resto não dá pra fazer isso.....E se neste novo ano eu não ser uma LUZ...que pelo menos eu tenha nas mãos uma lanterna.....FELIZ NATAL! bjsssssss