quarta-feira, dezembro 12, 2012

_chatice



Oi você.
Eu fiquei pensando se deveria ou não dizer isso, mas talvez seja muito injusto deixar você descobrir sozinho. Vou tentar ser suave, não machucar, não amedrontar, mas não garanto nada.
Vamos lá.
É que crescer dói.
É...logo eu ! Logo eu com a minha teoria de que a infância é a pior fase da vida. Pois é. Mas é verdade: crescer também é chato.
Não! Não é que a vida seja chata. A vida é muito boa! Muito! Mas ela tem coisas, rapaz...tem coisas que eu queria poder pular.

Uma das coisas mais chatas de crescer é o trabalho. Claro que não chato CHATO, mas é chato às vezes. É bom se você ama o que faz, mas mesmo amando muito, vai ter que encarar gente que não é legal. Tem os legais...tem sim, mas não existe um lugar no mundo onde todos sejam legais. No trabalho, você pode querer fazer só o que combina com os seus valores e convicções. Pode. Mas às vezes vem a tentação de se desviar um pouco, por uma proposta financeira irrecusável. Aí você começa a não dormir tão bem, porque abriu mão dos seus princípios por dinheiro e isso se parece muito com corrupção.  Aí você arruma uma desculpa pra você mesmo: “tivemos que ampliar nosso campo de ação para sobreviver num mercado competitivo.” Balela. Você quis a grana! Ela falou mais alto! Você é agora um adulto. Um adulto como os outros. Chato isso. Muito chato.
E depois disso o dinheiro começa a ser seu amigo, comprar as coisas que você sempre quis, encher a sua vida de presentes. Ou não...ele não basta para as coisas que você sempre quis, e faz com que você se esforce mais, trabalhe mais, seja mais competitivo, use palavras horríveis como “empreendedorismo” e “agregar valor”, e se torne escravo do dinheiro, e desprezível aos olhos de quem você era antes -- embora bem vestido. Complicado, mas você tenta com todas as forças criar seus filhos de acordo com aqueles valores que você trancou numa gaveta no fundo do armário, e agora estão mofados e manchados de poeira.

Tem muita coisa boa na vida sim, mas tem as contas. As contas são ok quando você tem dinheiro pra elas. São ok também quando são poucas. Mas elas enchem o saco em três casos:
. quando o dinheiro não dá
. quando você queria guardar dinheiro pra outra coisa
. quando você esqueceu de pagar e agora elas valem mais do que todo o tesouro do mundo.
Mas conta não é nada: tem imposto. Imposto é conta com dor. O DARF é um boleto que quer torturar você. É aquele dinheiro injusto que você não pode deixar de pagar senão tiram tudo o que é seu. Você não pode deixar de dar 1/3 do que ganha para que o governo mantenha o país em ordem, mas eles podem usá-lo pra enriquecer políticos corruptos...ninguém vai tirar nada deles. Chatice. Mas a maior chatice dos impostos é que ninguém prepara você para eles. Você não aprende na escola que quando tiver sucesso, vai ter que dividi-lo com o governo. Você até pode sacar isso sozinho, mas nunca vai entender como eles funcionam, nem quantos eles são. Juro. Chatice.

Outra coisa chata da vida é ceder. Meu deus como você vai ter que ceder...
É no trabalho, em casa, no namoro, no casamento, no trânsito, ceder, ceder, ceder! Aí você me diz que se recusa a ceder sempre.  Ta bom. Talvez você ache que outras pessoas não cedem nunca. Não seja bobo! Todo mundo cede muito o tempo todo, e mesmo os mais durões um dia vão amarelar para um filho, um amor, uma mãe. Chatice.

Tem as partidas também. As partidas são o mais duro. Quanto mais velho você fica, mais duras elas são. Tem gente que morre, assim do nada, deixando você sem se chão. Tem gente que vai embora e não volta. Tem gente que vira as costas sem piedade. Tem gente que cresce e parte, porque tem que ser, porque é assim que é, porque faz parte. E dói demais. Bem chato.

Tem o espelho. O espelho é cruel porque ele é inconstante. Por muitos anos ele elogia você,  enche de vaidade, levanta a sua bola. Mas chega um dia que você percebe que ele não acha que você acordou “bonitinho”, nem que o seu corpo é aquilo tudo, nem que o seu cabelo seja um mínimo atraente. Não! Horror!  E depois desse dia, ele passa a apontar seus defeitos diariamente, mostrando sem dó o quanto você era melhor antigamente. Cruel o espelho. Muito cruel. Chatice.

Fora tudo isso, tem as pessoas. O mundo está atrolhado delas, não tem como escapar. O problema com as pessoas é que, apesar de previsíveis, elas não são controláveis. Algumas vão com você do começo ao fim – não sem dar algum trabalho – outras só estarão por perto quando você não precisar. Experimente ter muito dinheiro e depois perder e talvez você tenha que aprender o significado da frase “lots of money, lots of friends”, para depois contar suas pessoas nos dedos. Pessoas não são fáceis, amigo. Algumas vão lhe amar. Outras vão usufruir do que você puder lhes dar. Umas serão a sua família. Outras passarão. Outras serão a sua família e passarão. Acontece. Algumas decepcionam demais, outras são tão previsíveis que nem isso conseguem. Chatice...

E tem os documentos, a burocracia, as leis, as filas nas repartições, o tempo de espera de um simples passaporte ou um visto, pra você poder ir pra onde quer, fazer o que quer. Ou de um papel que comprove que a sua casa é sua, mesmo todo mundo sabendo que você a comprou. Ou os milhares de comprovantes de que você existe, mesmo todo mundo vendo que você está ali, vivo, falando. Chatice!

Crescer é chato. E dói às vezes. A gente cresce e não dá mais pra não fazer a lição de casa e, mesmo assim, se safar. Não dá mais pra morder o doce ruim, e jogar o resto embaixo do sofá da avó. Não dá mais pra fechar a porta do quarto e dormir até tudo passar. E nem adianta chorar. Não dá.
Desculpa, ta? Eu não queria assustar, mas corre! Eu juro! Corre, que crescer é uma armadilha!

Beijo