terça-feira, janeiro 10, 2012

_as gavetas do caixão

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A gente vive num tempo voltado para o dinheiro. Dinheiro este voltado para o conforto - ou essa é a desculpa. Cientistas descobrem maneiras de vivermos mais e melhor. Inventores resolvem problemas básicos como encurtar distâncias, minimizar esforço, diminuir stress. A tecnologia caminha a passos largos para que nossos passos possam ser cada vez menores e mais leves. Menos esforço = mais conforto, como se nossa espécie estivesse cansada já ao nascer. Além do dinheiro comprar conforto - e celulares cada vez mais legais - também compra saúde, ou maneiras de fazê-la perdurar. Às vezes compra relações, mas não há garantia extendida para isso. O dinheiro compra. Fato. Mas e daí? "Caixão não tem gaveta", diria minha avó.

Mas se caixão tivesse gaveta, o que iria dentro dela? Não cabem seus feitos, mas cabem seus sonhos. Não cabem suas conquistas, mas cabem seus amores. Não cabem seus milhões, mas cabe o que você viu neste mundão de meu deus. Não cabem as pessoas...nem a lembrança delas, nem nada. Tudo mentira. Eu sou o tipo de pessoa que para para pensar no que cabe nesta gaveta, acredite. E depois de pensar muito, concluí que é inútil perder o tempo do carpinteiro com a execução de um caixão/cômoda/armarinho, porque no final você não leva nada desta vida. Você DEIXA.

Não vamos nem discutir a existência da vida eterna - teoricamente você tem a eternidade para esta discussão -, não vamos nem querer saber se existe um deus lá em cima anotando os seus pecados, não vamos avaliar se o juiz do juízo final usa toga ou peruca branca ou se o fórum vai estar em recesso quando/se você chegar lá, o fato é que a vida que você leva aqui é a vida que você deixa aqui. Não! Você não deixa filhos, mulher, parentes, obras...você deixa a sua história. Quer julgamento pior do que deixar a história aí para todo mundo ver, e não estar presente para se defender? Ah-ha! agora você entende o "julgamento final"? Você a sete palmos do chão, mãos cruzadas sobre o peito, aquelas flores já murchando e o povo aqui fora analisando os seus feitos e defeitos? E você com medo de Deus...ai ai ai que equívoco!
Os seus segredos mais bem guardados virão à tona. Seus amores platônicos serão revelados. Sua segunda familia aparecerá no velório. Suas caixas de lembranças serão abertas, seus bilhetes serão lidos, suas mazelas serão descobertas...e você lá, impotente.
Aí as pessoas acham que precisam andar direito para que sejam salvas. Salve-se! É você quem salva a sua reputação deixando as pessoas cheias de coisas boas para lembrar sobre você. Se não for capaz destas "coisas boas", seja engraçado, seja diferente, seja inteligente, mas por favor faça alguma coisa para que a sua vida dure mais do que os anos de vida que você teve. Ser esquecido, este sim, talvez seja o inferno. A eternidade pode ser a lágrima que escorre pelo rosto de alguém ao falar de você, o sorriso de admiração ao conhecer uma história sua, um traço de gratidão no olhar de alguém que você ajudou... A vida eterna talvez more nesta lembrança pairada no ar, fazendo seu nome viver por mais tempo, nas histórias contadas nos almoços de domingo, ou nas páginas de um livro de memórias...de alguém outro.

Talvez a salvação - se é que alguém precisa ser salvo - seja só a certeza de uma vida bem vivida.