Dizem que quem nasce nos domingos de sol é vaidoso, alegre, barulhento. Não sei se é verdade. Sei que sou vaidosa sim, que passei 90% desses 50 anos sorrindo e que já fui bem mais barulhenta do que sou hoje. Ultimamente gosto de ficar quieta e às vezes nem estou a fim de conversa. Mas há um barulho intenso dentro de mim, 24 horas por dia, sete dias por semana, desde sempre. E sol.
Em outros 90% dessa minha vida estive triste. Não triste triste. Triste...triste. Só lá no fundo, numa outra vida imaginária que quase ninguém conhece. Espera...NINGUÉM conhece!
É lá que eu vou buscar poesia quando preciso, porque não é possível escrever feliz. Não pra mim. Existem coisas que escrevo que são de uma tristeza mais profunda do que a profundidade em si, mas nem é verdade, embora seja. Dá pra entender? Provavelmente não. Mas se eu não convivesse com essa dor que não existe, jamais escreveria uma linha. Nem as obscuras nem as felizes. Então não me dê remédio, não me trate, não me mande para a terapia, porque não existe remédio melhor do que ler o que sai de mim, mesmo que eu jogue fora depois. É o meu falar sozinha, é o meu falar com deus.
É, eu sei...de perto ninguém é normal. Não eu.
75% dos meus dias foram de paixão arrasadora. Ou mais: mais que 75, mais que arrasadora. Me apaixonei pelos outros, por mim, pelas coisas, fui obsessiva, fui maluca, fui inconsequente, assustadora. Fiz coisas talvez codenáveis, se é que é possível condenar o amor em qualquer de suas formas. Se for, sou culpada, aceito, confesso sem a menor vergonha na cara, porque é assim que eu sou 100% do tempo.
32% dos dias de sol eu sorri. 99,9% dos de primavera eu sonhei acordada. 87,2% dos dias de chuva eu chorei.
É quando a tristeza me toma de assalto que minha vida imaginária acontece, e ah! não me faça rir porque eu não quero! Me deixa sofrer por nada. Me deixa descabelar as madeixas e me jogar na cama só hoje...só pra cozinhar essa tristeza boa, porque a vida é chata sem ela, porque ser feliz pode virar rotina e toda rotina torna-se um nada. É preciso enxergar a felicidade, então deixa chover em mim...deixa eu chover no mundo.
Mas a dor em mim dura pouco...eu canso. Passou.
40% dos meus dias eu trabalhei. Meu nome foi trabalho durante quase toda uma vida, até meu nome se tornar família, não por vontade própria, mas por pura birra. Sim...as pessoas que nascem nos domingos de sol são teimosas, odeiam ser contrariadas e conseguem ressurgir das cinzas só pra contrariar de volta. Eu trabalhei 15 horas por dia dos 18 aos 40, - e menos um pouco desde os 13 - porque precisava, porque queria e parei só pra não dar o braço a torcer. Long story... Mas aí que recomeçar é o que eu sei fazer melhor, em qualquer território. Então por que não? Funcionou.
65% da minha vida profissional foi criar. Criar pelos outros, criar os outros, arrumar a criação dos outros, criar um mercado, criar diretores, criar laços, criar problema (oops)...criar. Criei condições de trabalho onde não existia. Criei pupilos e ensinei até quando não sabia que estava ensinando. E eles cresceram. Cada um deles era um mini-príncipe encantado ou uma princesinha perdida e todos viraram reis e rainhas enquanto eu, rainha mãe, os via crescer orgulhosa. Também criei meus filhos e meu marido - ele mesmo criado por mim em várias áreas da vida, agora está me criando - e meio que terminei de criar meus pais e meus sogros. Agora sigo criando formas de recriar a minha própria vida.
73% desses anos eu questionei a existência de deus na forma que conhecemos. Questionei a Bíblia, o Torah, todas as versões e traduções dos textos sagrados, fiquei de mau com a igreja e com a humanidade, mas rezei. Aprendi a rezar do meu jeito pra um deus que eu entendi e pra Santa Rita, Maria Padilha, Iansã e para as forças que aprendi a dominar dentro de mim. Aprendi que o bem e o mau são a mesma mão e a minha é parte disso, como a sua, não importa de que lado você ache que está. Já soube ler tarot, já aprendi kabalah, já dominei os cristais, já purifiquei coisas e pessoas que precisavam, e já esqueci como fazer tudo isso. Já salvei casamentos e aliviei angústias. Fui chamada de bruxa mais vezes do que gostaria, mas a verdade é bem mais simples: aprendi que as palavras têm força. Aí evitei as que não gosto, procurei outras - novas - para proteger os meus de um mundo que pode ser cruel, quando me distraio. Aprendi a confiar no destino e a modificá-lo dentro das minhas limitações - que são muitas quando me sinto fraca, e nenhuma quando estou feliz -. E respeitei a lei do retorno. Aprendi que é aqui e agora que nasce e cresce o que a gente planta. E durante 80% do meu tempo, planto coisas que você nem vê...mas elas crescem.
94% dos dias, fui grata. Grata pelas minhas escolhas, grata pelas minhas pessoas, grata até pelos meus erros.
Entendi que não tem como dar errado quando você faz as coisas por intuição. Segui as reviravoltas do meu estômago, derrubei meus castelos e construi outros, milhares de vezes, porque achava que daria certo e, mesmo não dando, deu...ou eu que sou iludida. Mas fui feliz. Funciona assim: se fui feliz deu certo. End of story.
Não aprendi matemática (talvez você note, pelos percentuais aí em cima) mas entendi a vida. É que quantidade, assim como tempo e espaço, é uma coisa relativa e mutável – na minha matemática.
Que tipo de vida besta soma só 100%? Tão lógica...tão banal... não serve pra mim.
Que tipo de vida besta soma só 100%? Tão lógica...tão banal... não serve pra mim.
O exagero, este sim, guarda a totalidade das coisas que eu sinto. Só ele pode definir a minha vida: um exagero de vida, um transbordar de tudo. Esse sem número de acontecimentos que até eu duvido...um eterno “despencar na cabeça” de vida.
É assim que é: 50 anos de vida despencando na cabeça e transbordando em milhares de histórias indescritíveis, quase todos os dias, em todos os planos da vida: no real e no imaginário. Ou eu, que sou irresponsável, entendo assim.
Em resumo...schlevers por cento da minha vida eu fui feliz, mesmo quando não fui.
Tem sido bom demais.
E faz sol.