“Oi.”
Ela estava com o iPod ligado, fone nos ouvidos, e não percebeu a presença dele.
“Hei!…” ele falou tocando de leve o ombro dela, e apontando para a poltrona ao lado. Ela tirou um dos fones, meio rápido, meio atrapalhada, pausou a música e sentou mais para trás, para dar espaço.
“Desculpa eu não te vi…”
“Tudo bem.”
Ele passou entre as pernas dela e o encosto da poltrona da frente e, mesmo com o espaço da primeira classe, ele tinha tanta coisa nas mãos que ela precisou se encolher. Ela levantou uma das mãos:
“Espera. Acho que é mais fácil se…”
Ele deu um passo atrás, atrapalhado com a bagagem – uma mochila, uma bolsa de notebook, uma sacola com livros, uma jaqueta de couro - , ela desligou o iPhone, deixou-o no braço da poltrona, pegou a bolsa que estava no chão, colocou no assento, levantou e deu espaço para ele passar.
Assim que sentou, ele viu a foto dela na tela do iPhone, franziu as sobrancelhas e levantou a cabeça para olhar para ela. Isso, enquanto ela pegava a bolsa novamente e acomodava no chão junto à poltrona e voltava a se sentar. Depois de acomodar toda sua bagunça, ele abriu a janela e olhou para o céu tentando prever como seria o vôo. Ela colocou novamente os fones no ouvido e respirou fundo, sentindo o perfume que vinha do seu companheiro de viagem.
“…Nossa! Ele cheira bem!” – pensou, ainda sem olhar para o rosto ao seu lado e sorriu.
Sempre que entrava no avião lembrava das viagens de ônibus da adolescência, quando algum homem sentava-se ao seu lado: fechava os olhos e imaginava como seria viajar de avião, na primeira classe, com gente cheirosa e bonita. Não que ela não gostasse…mas sempre achou que seu lugar no mundo fosse um pouco mais acima. E era.
A aeromoça ofereceu champagne e quando ela levantou os olhos para agradecer, percebeu o olhar quase enfeitiçado da morena bonita, de uniforme, que se desmanchava como manteiga no pão quente. Sorriu seu sorriso de estranhamento e olhou para ele. Ele sorriu e abaixou a cabeça, se escondendo atrás do braço quando mexeu no cabelo, sem graça. Ela tirou um fone do ouvido.
“Você viu isso?”
“Acho que sim…”
Ele olhou nos olhos dela e sorriu timidamente. Depois franziu o rosto em dúvida e disse.
“Juro que não é uma cantada...mas eu acho que conheço você.”
Ela sabia quem ele era. Ela sabia que todo mundo sabia, mas não tinha certeza de que ELE a conhecesse.
“Acho que não…”
“Hmmm…será?”
“Vai ver eu pareço com alguém.”
“Talvez…”
Ela olhou mais uma vez para aquele rosto familiar, tentando ver melhor os traços que ela conhecia mas não tão de perto, conferiu mais uma vez os olhos verdes estranhos, baixou a cabeça e voltou a colocar o fone. Ele manteve os olhos nela mais um pouco, pegou o telefone e pareceu escrever uma mensagem. Disfarçando o constrangimento, ela também pegou o telefone, para Twitar mais uma vez antes da decolagem. Havia uma menção de seu nome:
LivesNowhere: @HeloFRZ alguém roubou o seu iPhone.
Ela respondeu:
@LivesNowhere como assim?
Segue o diálogo que veio depois:
@HeloFRZ Juro, tem uma pessoa do meu lado usando sua foto como wallpaper!
@LivesNowhere Então presta atenção: se você roncar essa noite, eu te mato!
@HeloFRZ Se você não virar pra cá agora, não vou te deixar dormir.
Ela soltou uma gargalhada…largou o telefone e virou-se para ele oferencendo a mão direita.
“Prazer, Helô.”
“Encantado…”
Ele segurou a mão dela sorrindo.
“Pensei que você fosse fingir que não sabia.”
Ela sorriu
“Eu ia... se você fingisse.”
“Mas você sempre soube...”
“Você nunca me enganou...”
Ele abaixou a cabeça e escreveu outra vez no telefone. Curiosa, ela abriu o Twitter.
“Atenção: @HeloFRZ é muito mais bonita em carne e osso.”
Ela sorriu sem levantar os olhos e escreveu:
“Meninas, @LivesNowhere tem um cheio delicioso”
A voz da comissária de bordo soou nos auto-falantes: “Senhores passageiros, a partir deste momento todos os aparelhos eletrônicos devem ser deligados.”
Os dois desligaram seus celulares, se olharam sorrindo, e se conheceram usando bem mais do que 140 caracteres.
:)