Coelhinho da Páscoa? Você está aí?
É que as Páscoas não parecem mais as mesmas. O que aconteceu?
O que aconteceu que o gosto do chocolate não é mais tão doce? Quando foi que passou a ser enjoativo comer um ovo inteiro e correr para roubar o chocolate alheio?
Eu lembro ainda de acordar ansiosa. Lembro de levantar a minha xícara emborcada no café da manhã, e ficar feliz ao encontrar um ovinho escondido ali. Todos os anos...sempre igual...e a mesma alegria. Depois eu cresci e a Páscoa tinha mais gosto de família grande do que propriamente o doce dos ovos.
Eu cresci mais e os papéis se inverteram e o gosto ficou ainda mais doce. Era eu escondendo ovinhos, doces, balas por toda a casa, fazendo pegadas de farinha, enfeitando ninhos. Depois, na beira do fogão fazendo os ovos, embrulhando com laços enormes e papéis coloridos, ensinando às crianças a mágica do Coelhinho. E domingo era dia de criança feliz, pezinhos correndo desde cedo, gritos de euforia ao encontrar pegadas, descobrir caminhos, chegar ao tesouro. Alegria! E foram muitos anos assim.
Agora parece que o coelho se foi. Os passos são mais fortes, os doces em menos quantidade, sem ninhos, sem pegadas. Só o ovo embaixo da xícara continua lá. Eu ainda presenteio minhas crianças, mas a casa é menos enfeitada.
Talvez esta seja a primeira vez que a "nostalgia de crianças" tenha batido no meu coração. Onde estão as crianças? Elas meio que se foram e no lugar delas há homens e mulheres. No lugar dos olhos brilhantes de ansiedade, há olhos brilhantes de futuro - um futuro presente. No lugar de seus gritos de euforia, há vozes firmes com opiniões idem, vontades certas de personalidades já totalmente esculpidas. Não há mais seres em construção, embora estejamos todos sempre. Agora os habitantes da minha vida são quase todos adultos com seus olhares de criança. Ou são os meus olhos? Nenhum deles - filhos e sobrinhos - tem que olhar para cima quando fala comigo, ao contrário, sou eu quem tem que ficar nas pontas dos pés para beijá-los.
Pela primeira vez, a Páscoa parece mesmo ser "travessia". Lá vou eu atravessar esta ponte, este mar, este mundo inteiro, para passar de formadora a espectadora. Agora eu preciso saber sentar e assistir. É estranho, porque a travessia deles é a minha travessia. Lembra quando eles subiram pela primeira vez a escada do escorregador? Lembra como eu fiquei sentada, prendi a respiração e os segurei com os olhos para que não caíssem? Lembra o uniforme novo, primeiro dia, lancheira a tiracolo, chupeta no bolso? E eu parada no portão segurando com o coracão um delicado fio invisível, com uma vontade imensa de puxá-lo de volta. Lembra da primeira viagem sem mim? Eu arrumando a mala, fazendo trinta recomendações e segurando com a alma todas as orações que conhecia, para que eles voltassem?
Travessias. Pequenas, diárias, eternas travessias. Pequenos "mares vermelhos" que precisam ser transpostos todos os dias de todos os anos, nem sempre encontrando um ovo embaixo da xícara. Isso é Páscoa. É transformar a vida - a minha e a dos outros. É transpor mais um obstáculo, é arriscar mais uma vez, é enfrentar o mar para pisar em terra firme. É libertar.
Depois de libertar tantas vêzes, talvez eu veja o mar de outra forma. Da cabeceira da mesa, eu entendo que todos estes adultos já não precisam de mim porque já foram libertados, mas estão comigo. Foram pequenas dores seguidas de pequenos orgulhos, umas mais tênues, outras mais agudas, uma atrás da outra, até que todos entendêssemos que é assim que a vida vale a pena: transpondo para crescer; e que as finíssimas linhas que eu cortei a cada vez que os vi cruzar a porta de casa ou atravessar mais um portão, tornaram-se os laços fortes e eternos que nos unem.
E eu atravesso feliz a ponte que me leva a esta nova fase da vida, mais doce, bem mais doce do que chocolate.
Feliz Páscoa.
É que as Páscoas não parecem mais as mesmas. O que aconteceu?
O que aconteceu que o gosto do chocolate não é mais tão doce? Quando foi que passou a ser enjoativo comer um ovo inteiro e correr para roubar o chocolate alheio?
Eu lembro ainda de acordar ansiosa. Lembro de levantar a minha xícara emborcada no café da manhã, e ficar feliz ao encontrar um ovinho escondido ali. Todos os anos...sempre igual...e a mesma alegria. Depois eu cresci e a Páscoa tinha mais gosto de família grande do que propriamente o doce dos ovos.
Eu cresci mais e os papéis se inverteram e o gosto ficou ainda mais doce. Era eu escondendo ovinhos, doces, balas por toda a casa, fazendo pegadas de farinha, enfeitando ninhos. Depois, na beira do fogão fazendo os ovos, embrulhando com laços enormes e papéis coloridos, ensinando às crianças a mágica do Coelhinho. E domingo era dia de criança feliz, pezinhos correndo desde cedo, gritos de euforia ao encontrar pegadas, descobrir caminhos, chegar ao tesouro. Alegria! E foram muitos anos assim.
Agora parece que o coelho se foi. Os passos são mais fortes, os doces em menos quantidade, sem ninhos, sem pegadas. Só o ovo embaixo da xícara continua lá. Eu ainda presenteio minhas crianças, mas a casa é menos enfeitada.
Talvez esta seja a primeira vez que a "nostalgia de crianças" tenha batido no meu coração. Onde estão as crianças? Elas meio que se foram e no lugar delas há homens e mulheres. No lugar dos olhos brilhantes de ansiedade, há olhos brilhantes de futuro - um futuro presente. No lugar de seus gritos de euforia, há vozes firmes com opiniões idem, vontades certas de personalidades já totalmente esculpidas. Não há mais seres em construção, embora estejamos todos sempre. Agora os habitantes da minha vida são quase todos adultos com seus olhares de criança. Ou são os meus olhos? Nenhum deles - filhos e sobrinhos - tem que olhar para cima quando fala comigo, ao contrário, sou eu quem tem que ficar nas pontas dos pés para beijá-los.
Pela primeira vez, a Páscoa parece mesmo ser "travessia". Lá vou eu atravessar esta ponte, este mar, este mundo inteiro, para passar de formadora a espectadora. Agora eu preciso saber sentar e assistir. É estranho, porque a travessia deles é a minha travessia. Lembra quando eles subiram pela primeira vez a escada do escorregador? Lembra como eu fiquei sentada, prendi a respiração e os segurei com os olhos para que não caíssem? Lembra o uniforme novo, primeiro dia, lancheira a tiracolo, chupeta no bolso? E eu parada no portão segurando com o coracão um delicado fio invisível, com uma vontade imensa de puxá-lo de volta. Lembra da primeira viagem sem mim? Eu arrumando a mala, fazendo trinta recomendações e segurando com a alma todas as orações que conhecia, para que eles voltassem?
Travessias. Pequenas, diárias, eternas travessias. Pequenos "mares vermelhos" que precisam ser transpostos todos os dias de todos os anos, nem sempre encontrando um ovo embaixo da xícara. Isso é Páscoa. É transformar a vida - a minha e a dos outros. É transpor mais um obstáculo, é arriscar mais uma vez, é enfrentar o mar para pisar em terra firme. É libertar.
Depois de libertar tantas vêzes, talvez eu veja o mar de outra forma. Da cabeceira da mesa, eu entendo que todos estes adultos já não precisam de mim porque já foram libertados, mas estão comigo. Foram pequenas dores seguidas de pequenos orgulhos, umas mais tênues, outras mais agudas, uma atrás da outra, até que todos entendêssemos que é assim que a vida vale a pena: transpondo para crescer; e que as finíssimas linhas que eu cortei a cada vez que os vi cruzar a porta de casa ou atravessar mais um portão, tornaram-se os laços fortes e eternos que nos unem.
E eu atravesso feliz a ponte que me leva a esta nova fase da vida, mais doce, bem mais doce do que chocolate.
Feliz Páscoa.