quinta-feira, março 20, 2008

O que trazes pra mim?


Coelhinho da Páscoa? Você está aí?
É que as Páscoas não parecem mais as mesmas. O que aconteceu?
O que aconteceu que o gosto do chocolate não é mais tão doce? Quando foi que passou a ser enjoativo comer um ovo inteiro e correr para roubar o chocolate alheio?
Eu lembro ainda de acordar ansiosa. Lembro de levantar a minha xícara emborcada no café da manhã, e ficar feliz ao encontrar um ovinho escondido ali. Todos os anos...sempre igual...e a mesma alegria. Depois eu cresci e a Páscoa tinha mais gosto de família grande do que propriamente o doce dos ovos.
Eu cresci mais e os papéis se inverteram e o gosto ficou ainda mais doce. Era eu escondendo ovinhos, doces, balas por toda a casa, fazendo pegadas de farinha, enfeitando ninhos. Depois, na beira do fogão fazendo os ovos, embrulhando com laços enormes e papéis coloridos, ensinando às crianças a mágica do Coelhinho. E domingo era dia de criança feliz, pezinhos correndo desde cedo, gritos de euforia ao encontrar pegadas, descobrir caminhos, chegar ao tesouro. Alegria! E foram muitos anos assim.

Agora parece que o coelho se foi. Os passos são mais fortes, os doces em menos quantidade, sem ninhos, sem pegadas. Só o ovo embaixo da xícara continua lá. Eu ainda presenteio minhas crianças, mas a casa é menos enfeitada.
Talvez esta seja a primeira vez que a "nostalgia de crianças" tenha batido no meu coração. Onde estão as crianças? Elas meio que se foram e no lugar delas há homens e mulheres. No lugar dos olhos brilhantes de ansiedade, há olhos brilhantes de futuro - um futuro presente. No lugar de seus gritos de euforia, há vozes firmes com opiniões idem, vontades certas de personalidades já totalmente esculpidas. Não há mais seres em construção, embora estejamos todos sempre. Agora os habitantes da minha vida são quase todos adultos com seus olhares de criança. Ou são os meus olhos? Nenhum deles - filhos e sobrinhos - tem que olhar para cima quando fala comigo, ao contrário, sou eu quem tem que ficar nas pontas dos pés para beijá-los.

Pela primeira vez, a Páscoa parece mesmo ser "travessia". Lá vou eu atravessar esta ponte, este mar, este mundo inteiro, para passar de formadora a espectadora. Agora eu preciso saber sentar e assistir. É estranho, porque a travessia deles é a minha travessia. Lembra quando eles subiram pela primeira vez a escada do escorregador? Lembra como eu fiquei sentada, prendi a respiração e os segurei com os olhos para que não caíssem? Lembra o uniforme novo, primeiro dia, lancheira a tiracolo, chupeta no bolso? E eu parada no portão segurando com o coracão um delicado fio invisível, com uma vontade imensa de puxá-lo de volta. Lembra da primeira viagem sem mim? Eu arrumando a mala, fazendo trinta recomendações e segurando com a alma todas as orações que conhecia, para que eles voltassem?
Travessias. Pequenas, diárias, eternas travessias. Pequenos "mares vermelhos" que precisam ser transpostos todos os dias de todos os anos, nem sempre encontrando um ovo embaixo da xícara. Isso é Páscoa. É transformar a vida - a minha e a dos outros. É transpor mais um obstáculo, é arriscar mais uma vez, é enfrentar o mar para pisar em terra firme. É libertar.
Depois de libertar tantas vêzes, talvez eu veja o mar de outra forma. Da cabeceira da mesa, eu entendo que todos estes adultos já não precisam de mim porque já foram libertados, mas estão comigo. Foram pequenas dores seguidas de pequenos orgulhos, umas mais tênues, outras mais agudas, uma atrás da outra, até que todos entendêssemos que é assim que a vida vale a pena: transpondo para crescer; e que as finíssimas linhas que eu cortei a cada vez que os vi cruzar a porta de casa ou atravessar mais um portão, tornaram-se os laços fortes e eternos que nos unem.
E eu atravesso feliz a ponte que me leva a esta nova fase da vida, mais doce, bem mais doce do que chocolate.

Feliz Páscoa.

segunda-feira, março 10, 2008

O oco

foto bem velha

Oh my...oh my...estou me tornando repetitiva! Já até publiquei post antigo que todo mundo já leu. Crise criativa. Writer's block. Branco total radiante. Chame como quiser.
Eu chamo de "o grande oco das palavras". É quando elas crescem e tornam-se assustadoramente monstruosas e eu fico minúscula diante delas. Se eu ouso encará-las descubro que elas se organizam de forma a criar um vácuo de proporções imensuráveis: o grande oco. Um mistério.
Elas nunca me faltaram mas hoje eu confesso, não sei como encontrá-las. Paro em frente ao espelho, dou aquele sorrisinho de começo de conversa...olho de novo...espero ouvir o som da minha voz, mas...nada. Silêncio. Não há palavra a ser dita.
Já não posso dizer o mesmo sobre o meu carro. Ah, não! No carro elas vêm fácil! Acho que vou começar a gravar o que elas dizem na marginal, porque parece ser seu lugar preferido. Hoje elas disseram coisas incríveis e me ensinaram o que eu meio que sabia, mas não era capaz de verbalizar:
"A crise criativa não é causada pela falta de uma paixão. Se apaixonar é inventar um ser perfeito onde havia apenas uma pessoa. Logo, a falta da paixão é que é causada pela ausência da criatividade."

E eu entendi tudo...

Foi dirigindo na marginal também que eu a vi terminando de fechar o ziper lateral do vestido preto decotado nas costas que tornava sua pele ainda mais branca e perfeita; tirou o excesso de batom, soltou alguns fios do cabelo, pegou a pequena bolsa e foi para o corredor. Parou no alto da escada, desceu lentamente os dois primeiros degraus, olhou para ele ali parado, olhos brilhando...perguntou:
- How do I look?
Sem desviar o olhar ele esticou o braço para recebê-la e respondeu:
- Mine.

Foi no carro também que ele riu do CD que estava tocando e disse que ela era muito mais retardada do que ele imaginava; e ela provou por A mais B que ele era preconceituoso.
" Quando sua mãe cantava para você dormir, ela não pensava em cantarolar músicas elaboradas. Ela cantava uma melodia óbvia e simples que você foi capaz de repetir com um ano de idade e nunca mais esqueceu. Melodias óbvias e simples com letras fáceis acalmaram seu coração em momentos de medo ou de perda, e você aprendeu a gostar de música graças a elas. Existem milhares de formas de se dizer a mesma coisa. Eu posso elaborar e complicar a maneira de dizer "eu te amo", mas ainda vou estar dizendo "eu te amo". E se eu quiser que todo o universo entenda que eu te amo, é melhor dizer assim, da maneira mais popular. E popular é o que esta música é. Popular porque é capaz de ficar na cabeça de um grande número de pessoas. E só consegue essa mágica por ser óbvia, simples, e dizer o que quer com pequenos rodeios óbvios e simples. Olha só...vou te mostrar. Você ouviu esta música alguma vez? Não? Ótimo...feche os olhos e tente cantá-la junto com o CD..."
Surpreendentemente ele obedeceu e descobriu que era capaz de adivinhar a próxima nota, e a outra e a outra.
" Viu? É simples...o que não quer dizer que seja ruim. É como a música que a sua mãe cantava... você ouve a primeira nota e adivinha o final de cada frase...ISSO é MÚSICA capaz de mover a mim e a um intelectual, a você e ao homem mais simples. Ela existe pra mover pessoas. É puro instinto. O homem fez música antes de saber se comunicar. A capacidade de fazer música é inerente ao ser humano e vem de algum lugar que não passa pelo raciocínio lógico. Se você ouvir com a alma e não com o preconceito, toda música é pura...como os seus instintos."
E ele entendeu Akon e Justin Timberlake.
(posso rir? hahahahha)

Não sei quantos diálogos eu já travei nos sei la quantos kilômetros que separam minha casa dos Jardins, do Butantã ou de Moema. Quantos amores eu inventei, quantas cartas de despedida, quantos encontros improváveis, quantas mulheres diferentes...quanta coisa eu disse e pensei, mas deixei que o vento levasse embora junto com a fumaça do cigarro.
Talvez eu precise dirigir mais...talvez eu precise gravar esses momentos.

Tá complicado.

Bom dia.

domingo, março 09, 2008

Cartas #1

(este é um post antigo, que eu escrevi após ver um filme na TV em que um homem recebia uma carta xôxa de despedida e eu resolvi que tinha que reescrevê-la. É...eu sei que eu sou louca!)


Adeus.
Acho que já dissemos isso antes.
Quantas vezes será que nos olhamos pela última vez? Quantas vezes meus olhos saíram molhados da sua frente e o gosto de “nunca mais” permaneceu na minha boca? Quantas vezes voltei atrás mesmo sabendo que diria adeus novamente?
Os anos se passaram, e mesmo tendo dito tanto antes de nos afastarmos para sempre, ainda tenho muito a dizer. Não é mais hora para melodramas, ou para culpar um de nós pelo que vivemos. Mas o tempo passou rápido demais e já é hora de partir de verdade. Desta vez sem volta.

Você não deve saber a importância que tem na história da minha vida, por isso decidi escrever:

Depois que nos despedimos na última vez, minha vida tornou-se tranqüila e equilibrada. Eu nunca mais chorei demais. Nunca mais sofri demais. Nunca mais senti ódio. Nunca mais quis matar ninguém. Não me senti traída, não me senti rejeitada, não me senti a última das mulheres, não fui mais pisada. Mas pisei na sua memória. Execrei o seu nome. Destruí cada pedaço de papel que você tenha tocado, cada roupa que me lembrava você, cada foto, cada peça da minha casa que trouxesse você à lembrança. Isso me fez bem. E era esperado.

O que você talvez não saiba, é que pensei em você todos os dias em que estive consciente. Pensei em você todas as vezes que fiquei muito feliz, imaginando como você reagiria ao saber que eu estava esfuziante. Pensei em você todas as vezes que estive triste demais...e então rezei pela sua mão enxugando minhas lágrimas. Rezei pela sua presença na minha doença. Rezei pela sua imagem no meu desespero. Rezei pelo seu cheiro na minha solidão. E estive tão sozinha...Mesmo na vida plena e cheia de amigos e familiares que tive até o último dia, você era o fantasma que rondava meu quarto, a mesa do natal, os ninhos de páscoa, o quarto das crianças, as flores do jardim. Você cantou pra eu dormir, viu minhas lágrimas na chuva, foi cúmplice dos meus sorrisos, me protegeu do perigo.

Sabendo que você era tudo o que eu não queria, eu passei a vida ao seu lado, sem tê-lo. Sorri pra você em frente ao espelho. Falei com você andando na rua. Pedi que o telefone tocasse, que a campainha soasse, que o carteiro me entregasse um sinal da sua existência.

Lembrei de você a cada prato preparado, cada roupa nova, cada feito, todos os dias e todas as noites, e todas as horas em que minha mente se encontrou vazia.
Agora estou indo embora. Sozinha. Não sei como voltar ou como evitar que, no vazio da morte, eu sinta a sua falta. Tenho muito medo que a vida eterna exista, e que nela só haja a lembrança do seu sorriso, do seu cheiro, das suas mãos. Que o purgatório seja poder lembrar o gosto do seu beijo.
A morte me apavora. E eu pensei que estivesse preparada. É lógico que todos pensam que sim. Estou tentando deixar que imaginem que estou indo em paz, mas só para você eu posso dizer que tenho medo, meu amor...tenho medo de ir sem você. Queria que você me desse a mão como fez outras vezes. (Nenhuma outra mão se encaixou na minha como a sua). Queria deitar minha cabeça no seu peito mais vez e ouvir a sua respiração que me acalma. Queria ouvir a sua voz dizendo que eu posso ir, que você vai cuidar de mim.
Preciso ir.
Queria que você soubesse o que sinto. Mesmo tendo acabado tão mal, mesmo tendo sido tão ruim, eu não pude tirar você de mim. Na sua ausência, estive ao seu lado, que é o meu lugar.
Deixo para você a certeza de ter sido amado como ninguém mais.

E é com o seu sussurro em meus ouvidos e a sua mão na minha que eu fecho os meus olhos...