terça-feira, janeiro 16, 2007

Shake up

Ontem foi dia de acordar.
Eu, que vivo em meu castelo encantado, com minhas fadas e elfos, minhas flores e seres das águas, eu que durmo envolta num manto de borboletas levíssimas e acordo com canto de pássaros e a brisa mais leve tocando a minha pele...eu que moro em Neverland desde que me entendo por gente, tive ontem vontade de presentear o mundo com o meu mundo, para tentar curar um coração que me encheu de tristeza. E ao mesmo tempo adimirei a força de quem não tem mais de onde tirá-la, e que sofreu todas as injustiças do mundo em curtíssimo espaço de tempo. Eu mesma não seria ninguém. Acho que eu definharia, desintegraria, ficaria minúscula e talvez desistisse de deixar meu coração bater.

Ontem vi uma menina que poderia ser minha filha. E ela me olhou nos olhos tão profundamente que eu quis a dor dela para mim para tentar aliviar sua aflição. E chorei!
Aos 21 anos essa menina foi estuprada, viu sua própria filha morrer sem poder fazer nada, foi acusada deste assassinato, presa, humilhada, espancada, abandonada à própria sorte pelas autoridades que deveríam protegê-la...exposta a coisas que nem em sonho um de nós poderia imaginar. Quase morta, surda de um ouvido, quase cega de um olho - por consequência dos maus tratos na prisão - ela não enterrou a filha de um ano e meio, porque foi levada para a prisão sem poder se despedir. Não teve direito ao telefonema que todos temos, foi obrigada a aceitar o advogado indicado pelo delegado, assinou sem ler um depoimento que não continha as poucas palavras que disse, depois jogada às feras, como um monstro que deve ser devorado por outros monstros.
Mesmo depois de comprovar sua inocência, ela é apontada na rua como "monstro", insultada no supermercado, no restaurante, na padaria.
Ainda hoje ela acorda à noite chorando, quando sonha que o corpo da filha é exumado e ela vê que o nenem está vivo e chorando...Ainda hoje ela tenta fazer o filho de 3 anos entender que a irmã virou um anjinho, e que está sendo bem tratada no céu.
E eu que vivo num mundo tão bom, quis entregar para ela tudo o que tenho. Não tive palavras para dar esperanças. Todas as boas palavras que conheço deram lugar um silêncio dentro da alma, como luto, como dor. Como eu posso olhar para essa menina e dizer que "você é senhora do seu destino"? Como posso sugerir que ela imagine que pode ser feliz um dia? O que é toda esta dor?
O mais incrível é que em meio a toda essa desgraça, foi a Deus que ela se apegou. Será que eu teria a força, a fé necessária para crer que Deus existe num momento destes? Como ele pode existir e deixar que ela perca sua filha, que seja acusada de matá-la, e se isso não bastasse, ainda fosse espancada por 3 horas inteiras por mulheres enlouquecidas, e ter uma caneta enfiada em seu ouvido? Por que Deus permitiria toda essa atrocidade contra alguém que só fez dedicar-se à saúde frágil da filha caçula? Por que Deus deixaria que ela ficasse em coma, suja, rasgada por 4 dias numa UTI, longe da família impedida de se aproximar...sem que uma alma caridosa tirasse o sangue pisado de seus olhos, a caneta de seu ouvido, limpasse o sangue da pele, fizesse uma compressa nos olhos? Com ossos quebrados, largada como um cachorro atropelado na beira da estrada. Alguém me diz por que? Eu não saberia ter fé neste Deus. Mas ela, apesar dos olhos tristes, confia numa justiça divina. (Só na divina, é claro...da outra ela já desistiu.) E sua força me torna um NADA. Eu tive vontade de gritar, de esbravejar, de quebrar o mundo inteiro para tentar descobrir onde foi parar a justiça do meu país. Para tentar arrumar o que está errado, punir que tem que ser punido, trazer de volta a criança morta, fazer o tempo voltar, fazer a vida dela mudar.

Muito muito triste. Meu coração está mais partido do que no dia 26 de dezembro de 2005, quando a maior Tsunami de todos os tempos varreu milhares de vidas da face da terra deixando crianças sem pais, pais sem filhos, dor e desturição. Naquele caso não havia culpados. Mas agora, estou falando de uma catástrofe natural: causada pela NATUREZA HUMANA...e inexplicável.

3 comentários:

Alice Salles disse...

...
é isso que me irrita, me insulta e me envenena, até o dia que eu não aguentar mais. o que a natureza humana é capaz de fazer.

Marcos Freitas disse...

...desolação e impotência diante do poder da maldade humana...

...e se alguém aprendeu alguma coisa com isso, ok, ótimo, algo se salvou!

...transformar o veneno em remédio é a sábia receita da filosofia budista.

Anônimo disse...

Muito triste mesmo!!!Fui comentar com o Pedro e a mesma sensação de revolta bateu.
"Que país é esse????"